Colômbia: um sopro de esperança

Lamentavelmente, diferentemente dos processos políticos hoje experimentados e em andamento na América Latina, a realidade colombiana é caracterizada não somente pela sistemática exclusão social e política de sua sociedade e o clientelismo oficial co



Há mais de 15 anos, em pleno vigor dos movimentos revolucionários, a Colômbia, como o restante da humanidade, experimentou o furacão reacionário decorrente da falência do projeto socialista capitaneado pela então União Soviética. A retomada de um velho canto de sereia, sob nova roupagem, oferecia ao mundo o remédio milagroso para todos os males do mundo, os mesmos males produzidos pelo sistema capitalista e consumista, agora mais robusto. Era a entrada triunfal do neoliberalismo e do mercado como um novo receituário evangelizador urdido no templo monoteísta do deus-capital de Wall Street, como alternativa ao fim da história e ao desencanto das velhas utopias de transformação do mundo.
Era 1990. Iniciava-se o governo de César Gaviria, a quem a nova ordem internacional favoreceu a convocação da Assembléia Nacional Constituinte e, com ela, um grande acordo de desarmamento e de desmobilização dos movimentos guerrilheiros pelo qual desapareceram M-19, EPL, CRS, Quintín Lame, e outros de menor importância. Estava, assim, decretada a sucumbência desses movimentos populares e revolucionários e aberto os respectivos espaços à ofensiva da direita autoritária de caráter fascista e a todo tipo de movimento desvinculado do combate à oligarquia secularmente opressiva.
Dessa histórica “concertación” resultou o desarmamento ideológico e a despolitização do povo colombiano por suas autênticas representações, tendo por honrosas e principais exceções as FARC e o ELN. De lá para cá as esquerdas e o movimento social da Colômbia sobrevivem em surtos de avanços e recuos como resultado de ações mais ou menos agressivas dos sucessivos governos oligárquicos, sempre apoiados pelos EUA. 
De tempos em tempos, o poder oligárquico, representado pelo Estado, propõe aos movimentos populares armados um cessar-fogo visando “estabelecer um tratado de paz estável e duradouro”, sem, no entanto, apontar condições para transformações de fundo na estrutura econômica e social do país. Tampouco indica alguma perspectiva de alteração substantiva nas regras do jogo político nem da concepção sobre o papel do Estado frente à sociedade colombiana.
 
Essas são formas de propaganda enganosa do governo, orientada pelos patrões estadunidenses e, ao mesmo tempo, constituem-se ações de provocação que visam tão somente o acirramento da situação como pretexto para legitimar pretendida agressão dos EUA. As recorrentes tentativas de envolvimento de outros países latino-americanos, entre eles o Brasil, são o demonstrativo cabal dos objetivos hegemônicos da grande potência do norte e, por outro lado, a justificativa da defesa da soberania como bandeira das esquerdas na Colômbia. E não somente na Colômbia.
Volta e meia os EUA combinam com o governo colombiano um plano de combate ao narcotráfico, uma das suas consagradas formas de ocupação, na tentativa de botar as grandes patas sujas nesta região do globo. Agora, assistimos ao fracasso de mais um plano: o Plano Patriota. Mais um plano que derramou grandes somas de dinheiro do contribuinte estadunidense e desembarcou “assessores” dos órgãos ianques de repressão ao tráfico de drogas. No meio deles, agentes da CIA.
Por sua vez, as maiores dificuldades dos movimentos de oposição são debitadas ao enfrentamento dessa guerra suja a que foram submetidos. Nesse contexto, sobrevivem, em permanente processo de reconstrução, seja nas associações campesinas, em luta pela terra e pelo poder popular, seja nas luta pelos direitos indigenistas, das mulheres e dos negros, nos sindicatos, nas guerrilhas, nos partidos colocados na ilegalidade e nos movimentos bolivarianos. Constitui a esquerda colombiana um grande universo, diverso em níveis de formação e significativamente estratificado em consciência política.
Agora, com o fracasso de mais um plano, em conluio com os EUA, o governo colombiano se volta ao reforço da proposta de reeleição do presidente Uribe. E, com esse objetivo, todas as ações são válidas, como no exemplo mais recente: uma proposta a mais de diálogo de paz com as FARC, uma vez mais para “estabelecer um tratado de paz estável e duradouro”. Desta vez, apoiando-se em argumento mentiroso de desmontes das forças paramilitares, quando, na realidade, a política de instrumentalização paramilitar de Estado está sendo cada vez mais institucionalizada contra os lutadores do povo.
Desta vez, porém, a nova realidade eleitoral tem como pano de fundo, além da perspectiva de uma nova visão para os movimentos sociais, em todo o mundo, uma nova consciência dos movimentos revolucionários e populares colombianos. Começa-se a sentir hoje, talvez como reflexo de algumas mudanças no perfil político-ideológico em pontos diferentes mundo afora, em especial na América Latina, que esses movimentos, afortunadamente, embora de forma ainda tímida, se renovam em suas lutas. Três palavras começam a ecoar com mais força: paz, soberania e justiça social. E não esqueçamos, e nem é pura coincidência, que era exatamente esse o lema de fundação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia em maio de 1964.
Dessa forma, vive-se na Colômbia, hoje, um clima de possibilidades. Mesmo com a gana belicista de Uribe, que cuida de incendiar o país e de ignorar os programas sociais, cujas deficiências são os pressupostos da existência da oposição mais enfática, corajosa e efetiva. Nesse ambiente, de expectativa quanto aos rumos do processo eleitoral em curso, o povo colombiano parece apostar na possibilidade de reconciliação, como instrumento de transformações sociais estruturais que possibilitem dar curso às demandas reprimidas pela paz, por soberania e por justiça social.



Para que o enfrentamento da eterna opressão da oligarquia colombiana, aliada aos objetivos hegemônicos estadunidenses na região, possa refletir em vitórias, torna-se premente a união de todas as forças que constituem o espectro dos movimentos populares e revolucionários.  A manifestação organizada do povo da Colômbia, à frente suas mais legítimas representações, seguramente resultará na construção de um novo projeto de sociedade, soberana quanto à ingerência estrangeira. Com justiça social. Daí um definitivo cessar-fogo e – desta vez e, quem sabe, para sempre, sem aspas – uma paz estável e duradoura.


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