Como surge um cinema local?

A arte cinematográfica teve um processo de desenvolvimento muito diferente do que aconteceu com as demais artes no mundo. Isso […]

A arte cinematográfica teve um processo de desenvolvimento muito diferente do que aconteceu com as demais artes no mundo. Isso principalmente pelas características artísticas do cinema e pelo que acontecia no mundo na época do descobrimento do cinema. O intelectual que interpretou a arte cinematográfica com profundeza, mesmo no começo do século XX, foi o filósofo Walter Benjamin. Isso porque Benjamin soube olhar essa arte pela forma especial em que ela se desenvolvia com a técnica da reprodutibilidade como o mais fundamental. Enquanto as outras artes eram unitárias em seu fundamento e perdiam sua aura quando reproduzida, o cinema ao contrário ganhava dimensão pela sua capacidade de reprodução. A arte cinematográfica assim foi, sempre desde a sua fundação no final do século XIX, a arte mais capaz de chegar às massas. Mas, infelizmente, quem então conseguiu utilizar o cinema para seu proveito foi o capitalismo criando Hollywood.

Até hoje, o cinema mostra que tem processos específicos para se desenvolver. E por isso de repente temos um cinema que se desenvolveu em Pernambuco, numa área específica do Brasil, e temos outra área bem distante de nós, como a Coreia do Sul, que tem sido o principal polo de realização cinematográfica no mundo. E assim vai.

Ontem, tive a oportunidade de ver mais um filme coreano, “A dama de Baco”, em exibição no Mubi. O que nele mais me despertou interesse, claro, foi a forma de interpretação da atriz principal, a coreana Youn Yuh-jung. Essa atriz já é conhecida no Ocidente, principalmente pela participação no filme “Minari”, que lhe deu um Oscar. Eu vi um outro filme em que ela é a atriz principal, o “Lucky Chan-sil”, recentemente. Ela tem 74 anos de idade, e continua atuando em seu país. Mas não só por isso tem muitas semelhanças com Fernanda Montenegro.

O cineasta realizador do filme “A dama de Baco”, E J-yong, trabalha desde os anos 90 e fez uma experiência criando um curta simplesmente pela internet. Ele estava em Los Angeles, nos Estados Unidos, e os intérpretes do curta trabalhavam no Japão com a sua direção pela internet. Ele quis experimentar a direção não presencial e conseguiu terminar a obra, embora com algumas dificuldades.

Acho pouco criativo o título “A dama de Baco”, talvez seja melhor o título em coreano “Jug-yeo-ju-neun Yeo-ja” . Mas o filme certamente agradará a quem conhece o cinema brasileiro próximo ao Cinema Novo. Poderia ter sido dirigido por um cineasta daquela época no Brasil, um Nelson Pereira dos Santos ou um Leon Hirszman, ou mesmo um Cacá Diegues. Entretanto, isso mostra como as influências hoje são cada vez mais presentes com as formas de comunicação tão universalizadas.

Sem dúvida, é um filme que dependeu muito da forma como foi filmado e montado para ganhar o seu contexto, certamente não dependendo tanto da direção geral. Quem esteve na sua montagem final, que não sabemos, sem dúvida é o grande autor. Também foi fundamental a presença da atriz Youn Yuh-jung. Ela é constante e cada sequência ganha expressão diferente com a sua presença ou ausência.

Enfim, “A dama de Baco” está bastante fora desse padrão cinematográfico dos dias atuais no mundo, em que se apresentam estórias sem fim nem começo, mas também sem drama. Sem realidade real. Esse é um filme ao contrário, denso agudo no dizer, e mostra quanto a vida na Coreia do Sul é cheia de dramaticidade. O sistema em que vivem não consegue fazer da sociedade um mar de rosas. Sempre que puder, verei filmes coreanos.

Mais um coreano no Mubi

A Coreia do Sul conseguiu ficar na moda em função da sua luta com a Coreia do Norte e o cinema nessa trama continua fazendo sucesso. Ninguém que acompanhe a arte cinematográfica fica indiferente quando se fala numa produção dessa origem. Mas é preciso ver que o pessoal de lá realmente está aproveitando bem a motivação que tem, e o principal é que os filmes coreanos realmente são bons.

Como esse que entrou em cartaz hoje no Mubi, “Chansirineun Bokdo Manchi” (Lucky Chan-Sil), que foi dirigido por Cho-hee Kim. A principal intérprete é a atriz Youn Yuh-jung, que recebeu um Oscar com o filme “Minari”. Ela vive a estória de uma produtora de filmes que sofre um golpe com a morte do diretor que ela produz, deixa então de produzir, fica desempregada, e vai trabalhar como empregada doméstica. Assim contada é uma estória radical, mas a narrativa é mais suave, onde a atriz consegue junto com o clima geral do filme manter uma certa doçura, enquanto essa pequena novela se desenvolve. A gente que pensa que o cinema atual não narra mais estórias, sem dúvida o argumento desse filme mostra que, mesmo sendo um assunto totalmente ligado ao intimismo, a narrativa se impõe. Na verdade, o espectador vê, ou melhor, acompanha uma pessoa quase se mostrando numa trama psicanalítica. Primeiro, enquanto produtora, depois como doméstica. O vazio da sua alma continua e só consegue ser preenchido com a atividade, com a ação profissional.

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Tenho de reconhecer que, apesar de não encontrar no filme nenhum algo novo enquanto ser humano, a personagem vivida por Youn Yuh-jung desperta emoção no espectador, e seu trabalho de intérprete é o que melhor existe nessa obra. Excelente atriz.

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