Crise capitalista: destruição e extermínio

“[uma época histórica que perdeu o rumo], nos primeiros anos do novo milênio, com mais perplexidade do que lembro ter visto numa já longa vida, aguarda, desgovernada e desorientada, um futuro irreconhecível” (Hobsbawm, 2013).[1]

O artigo prossegue em torno de questões do segundo eixo temático do 13º Congresso do PCdoB enfrenta, corretamente, a questão da grande crise capitalista atual, as alterações geopolíticas em curso e a nova luta pelo socialismo. Concentra-se na verdadeira demolição social que a crise vem provocando. São evidentes os sinais da decadência de uma certa “civilização ocidental”.

O desemprego seguirá crescendo

No ingresso do sexto ano da grande crise capitalista global deve-se notar que a Grande Depressão do século passado teve auge de maior gravidade entre 1929 e 1933; quer dizer, concentrou-se nos cinco primeiros anos. Voltou a se agravar em 1937, comprovadamente pelo uso de políticas econômicas ortodoxas, de retorno ao “livre-cambismo” e de “austeridade”. Os fenômenos depressivos só foram dirimidos através da 2ª Guerra Mundial (a partir de 1939) quando a economia dos EUA a ele se engrenou.

Nas três fases da crise atual, sua marca “de classe” é a brutal exploração capitalista sobre os trabalhadores. A grande burguesia global e seus governos buscam repassar todas as suas consequências para o trabalho. A grande crise, longe de se amainar espraiou-se especialmente nos países centrais, numa devastação social sem precedentes na história do capitalismo e só excetuada pela destruição humana (e das forças produtivas) da 2ª Guerra.

Junto à queda do produto (PIB) e dos preços (deflação) e estagnação em vários países, a explosiva elevação do desemprego tornou-se um severo drama social sem qualquer solução no horizonte.

O próprio Relatório da OIT (Tendências Mundiais do emprego 2013 – Organização Internacional do Trabalho) registra ter havido mais 5,1 milhões de trabalhadores desempregados em 2013; o que significa ultrapassar 202 milhões de desempregados neste ano. Na estimativa desse órgão da ONU, em 2014 pelo menos mais três milhões de desempregados surgirão; enquanto cerca de 40 milhões de trabalhadores desistiram de buscar um emprego “inalcançável”, entre 2007-2012 (trabalhadores desempregados por “desalento”).

Segundo denuncia o documento, o fenômeno da diminuição drástica da força de trabalho nas economias do capitalismo central, por sua feita, “encobre o verdadeiro alcance da crise do emprego”. Daí considerar a OIT que o desemprego atinge fortemente a juventude, calculando-se em 74 milhões os jovens sem emprego; a tendência disso é crescer sistematicamente pelo menos até 2017. Segundo afirma o Relatório, mesmo que a economia capitalista mundial recupere o crescimento, ele “não será suficientemente forte para reduzir o desemprego com rapidez”.

Em março último, o Eurostat (Escritório de Estatísticas da União Europeia) divulgou haver mais de 50% de jovens (menos de 25 anos) desempregados da PEA (População Economicamente Ativa), número alarmante e com tendência à elevação. A Espanha chega a 55,5% (janeiro 2013). Na Grécia, impressionantes 59,4%, na Itália 38,7% e em Portugal 38,6%.

Colapso social, êxodos, suicídios

“(…) a força motriz da produção capitalista é a valorização do capital, ou seja, a criação de mais-valia, sem nenhuma consideração para com o trabalhador” (Marx). [2]

Em sua evolução, além do desemprego massivo, a crise vem produzindo exploração capitalista sem precedentes, com políticas dos cortes de salários, de aposentadorias, de gastos públicos e sociais, privatizações, fabricando crescente ampliação das desigualdades sociais e do novo alastramento da pobreza em todos os países em crise.

O pano de fundo dessa perversa orientação se disfarça nas “políticas de austeridade”, o que significa a decomposição da capacidade dos Estados manterem o gasto público e social, nos últimos anos assaltados por novo endividamento crescente, no claro objetivo de salvar do naufrágio o reinado da grande finança. Ora, nada tem funcionado, à medida que a estagnação e a recessão econômicas corroem a arrecadação de impostos, ao tempo em que se eleva mais o endividamento nos países em crise.

Exemplo claro dessas políticas é o caso da decomposição financeira norte-americana: sua dívida pública líquida saltou de 43% do PIB em 2007 para quase 100% no inicio de 2013.

Simultaneamente, de acordo com as estatísticas dos organismos a serviço do capitalismo, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), diz, ainda no início de 2012 que a renda média dos 10% mais ricos dos 34 países participantes da entidade era nove vezes maior que os 10% mais pobres de 2008; nos anos 1980 essa diferença era de cinco vezes. Nos EUA, informações do Census Bureau do país assinalam que a riqueza apropriada por 7% de famílias milionárias tiveram seu patrimônio líquido acrescido 28%, enquanto o dos 93% restantes caiu 4%, entre 2009 e 2011.

Assim, numa Europa com desemprego recorde e, acima de tudo, diante da falta de perspectiva, 1 milhão de pessoas já deixaram seus países de origem em busca de trabalho desde 2008, no que já está sendo considerado o maior êxodo do Velho Continente em meio século. Terrível o caso irlandês, onde mais de 100 mil pessoas já deixaram o país desde o início da explosiva crise da dívida; em 2012, a taxa ganhou uma nova intensidade: 3 mil irlandeses deixaram o país por mês, isto é, o maior fluxo de migração desde a grande fome que atingiu a ilha entre 1845 e 1850 – reportou Jamil Chade (O Estado de S. Paulo, 5/5/2013).

O número de casos de depressão, abuso de drogas e prostituição elevou-se gravemente na Grécia em crise. Estudo realizado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, acusa a austeridade (no início de 2012), de elevarem os suicídios em 17%, onde violência e os homicídios também aumentaram e os assaltos quase duplicaram.

A taxa de suicídios entre homens aumentou mais de 24%, apenas entre 2007 e 2009, conforme estatísticas do governo grego. Na Irlanda, o número de suicídios entre homens cresceu mais de 16% no mesmo período; na Itália, foram registrados 185 suicídios motivados por dificuldades econômicas em 2011 – um aumento de 52% em relação aos 123 suicídios de 2005.

“A recessão” contribuiu para o aumento de suicídios na Inglaterra, segundo aponta um estudo publicado no The British Medical Journal (agosto de 2012). O relatório associa o acréscimo da quantidade de pessoas que se matam no Reino Unido com “o incremento do nível do desemprego”. O número de suicídios na Inglaterra – que vinha registrando queda há vinte anos – aumentou em 1 mil durante o período de 2008 a 2010, sendo 846 a mais entre homens e 155 entre mulheres. Vinculados à causa da crise desde 2007, pesquisadores dos Estados Unidos e do Reino Unido encontraram ainda elevação nas taxas de suicídios, com índices variados, na Áustria, Finlândia, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos, República Checa, Lituânia e Romênia.

Transe capitalista. Resistência e luta

A resistência da luta proletária e dos trabalhadores em geral vem ocorrendo particularmente desde a convulsão financeira de setembro de 2008.

A maior resposta operária até agora foi dada em novembro de 2011, na greve geral europeia: com grandes manifestações, ocorreram na Espanha, Portugal, Itália, França, Grécia, Suécia, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Reino Unido, Polônia, Hungria, Suíça, Eslovênia, Luxemburgo, Lituânia, Casaquistão e Malta. Na França, a exemplo, aconteceram 70 manifestações em várias cidades.

Simbolizando a grande resistência dos trabalhadores e o acirramento da luta de classes provocada pela crise, em abril de 2013 a Grécia foi tomada pela 19ª greve geral em quatro anos. Em Portugal, quase uma dezena de greves gerais, grandes mobilizações populares em todo o país tem sido a marca da resposta operária e popular ao “pacto de agressão” comandado pelo grande capital financeiro internacional e seus operadores (“a Troika”): O Banco Central Europeu, O FMI e Comissão Europeia.

O surgimento de movimentos amplos de resistência como o “Occupy”, em “Wall Street” (Nova Iorque), ou o “Movimiento de los indignados” (“15-M”), na Espanha reuniram centenas de milhares de populares, combinando mobilização, passeatas e ocupações de espaços públicos por longos períodos, configuram ademais amplas formas de denúncias e protestos contra a oligarquia financeira neoliberal.

Diante do massacre sem paralelo, passaram a ser claudicantes, em relação ao resultado da perduração da “austeridade”, as recentes opiniões de Olivier Blanchard (economista chefe do FMI), da chefona do Fundo, Cristine Lagarde, bem como a de Jack Lew, secretário do Tesouro norte-americano. De outra parte, Janet Yellen, provável presidente do Banco Central americano, insinuou que estaria próximo ser necessário reduzir as compras de títulos e sugeriu vir mudança na taxa de juro. Os juros básicos dos EUA estão entre zero e 0,25% desde dezembro de 2008; e em setembro último veio a terceira rodada de “afrouxamento quantitativo” (QE3), programa de compra de US$ 85 bilhões por mês em títulos públicos e papéis lastreados em hipotecas.

Novas contradições

Fora do eixo imperialista no capitalismo central, bem como dos países periféricos da União Europeia, os trabalhadores dos denominados “emergentes” atravessam a grande ofensiva numa outra situação.

Na América Latina e Caribe as consequências da crise tem sido, até aqui, muito mais brandas, seja através da manutenção do ritmo do crescimento econômico, seja pela via do pequeno impacto do desemprego. Entretanto, começam a surgir sinais de repercussões sociais da crise originada no centro dos países imperialistas, principalmente depois da manipulação de políticas monetárias expansivas da parte do EUA (dólar), da UE (euro) e recentemente do Japão (ien).

Ao que tudo indica – parecendo inevitável -, dentro da crise, novas e graves contradições surgirão no horizonte entre países do centro imperialista e a recente afirmação de antigas áreas periféricas.


Notas:


[1] Em: “Tempos fraturados. Cultura e sociedade no século 20”, Companhia das Letras, 2013, pp. 9-10.
[2] Em: “Capítulo inédito d’O Capital – resultados do processo de produção imediato”, Escorpião, 1975, p. 20.

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