Crise e Ocaso do Império?

Em seu prólogo à nova edição de America: The New Imperialism From White Settlement to World Hegemony, de V. G. Kieman, com tradução de Joaquín Ibarburu, publicada no The Guardian y Clarín

Diz que nada compete com seu poder que se sustenta nos pilares do dólar, como divisa mundial; no expansionismo, por meio de paises aliados e na submissão de estados antes independentes e, finalmente, na certeza de serem os EUA instrumento de Deus. Afirma que, entretanto, graças às graves crises que padece em seu interior esse império finalmente fracassará.
Entende Hobsbawn que a hegemonia imperial estadunidense já não se baseia na magnitude de sua economia que, embora ainda importante, começou a declinar desde 1945, continua em queda e já não é mais o gigante da produção global. “O centro do mundo industrializado desloca-se com rapidez para a metade oriental da Ásia”. Diferentemente dos demais países desenvolvidos, os EUA deixaram de ser o eminente exportador de capital e de ser o principal ator do jogo internacional na aquisição ou na instalação de empresas em outros países. “Sua força financeira reside na persistente disposição de outros, sobretudo dos asiáticos, de manter um déficit fiscal que do contrário seria intolerável”.
Lembra que, na atualidade, a influência da economia estadunidense repousa, em grande medida, no legado da Guerra Fria: o dólar como reserva mundial; as conexões internacionais das indústrias relacionadas com a defesa e a submissão do comércio exterior à agenda dos EUA. São fatores poderosos e que, seguramente, somente serão reduzidos paulatinamente. Por outro lado, tal como o demonstrou na guerra do Iraque, a grande influência política dos Estados Unidos se baseia em verdadeira “coalizão voluntária”, sem precedentes desde a queda do Muro de Berlin. Hoje, resulta impossível desafiar o enorme poder tecnológico-militar estadunidense, único capaz de intervir militarmente, com rapidez, em qualquer lugar do mundo.
De acordo com o historiador, o segundo pilar da estrutura hegemônica estadunidense é seu tradicional expansionismo com ajuda de estados satélites ou protetorados, tendo como modelo a supremacia marítima e comercial global do antigo império britânico. Assim, o império dos EUA consiste, historicamente, na dominação de estados tecnicamente independentes, entretanto submissos os seus governos, muitas vezes por força de periódicas intervenções armadas sob patrocínio de Washington. Essa prática, desenvolvida enormemente no período da Guerra Fria, vem sendo continuamente empregada e aperfeiçoada pelos Estados Unidos, como instrumento de política exterior e ingerência nos assuntos internos de outros países, desde a criação da CIA, em 1947.
Moniz Bandeira, em Formação do Império Americano, identifica algumas passagens em que essa prática desfilou em passarelas de um passado bem recente. Fala de ações dos Estados Unidos no Oriente Médio e na América Central depois da Revolução Islâmica no Irã. Depois, durante toda a guerra Irã-Iraque, na década de 80, a grande movimentação conspiratória do Departamento de Estado, do Pentágono e da CIA entre os países do Oriente Médio, envolvendo redes internacionais de tráfico ilegal de armas. São ações que objetivam a manutenção e ampliação da sua influência na área e que podem, eventualmente, quando necessário, interferir na própria política interna. Em 1979, eficiente conspiração republicana junto ao governo revolucionário iraniano, com intuito de atrasar a liberação de reféns americanos do Irã, prejudicou a campanha de reeleição do democrata Jimmy Carter.
Conta Moniz Bandeira que logo depois da vitória republicana, a administração Reagan fez um acordo com o Iraque e vendeu armas e material biológico para Saddam Hussein, ao mesmo tempo em que vendia armamento ao governo adversário do Ayatholá Khomeini. Os extraordinários lucros dessa fabulosa venda clandestina foram repassados aos contra da Nicarágua. Esse jogo de enorme complexidade envolveu os serviços de segurança de todos os países da região, além de grandes corporações americanas e grupos mafiosos de compra e venda de armas e drogas. No caso da ajuda aos contra nicaragüenses ficou comprovado “que o Departamento de Estado efetuara pagamentos aos traficantes de drogas, com fundos autorizados pelo Congresso para assistência humanitária, não só na Nicarágua como em Costa Rica e Honduras”.
O terceiro suporte, identificado por Hobsbawn, estaria relacionado ao neo-conservadorismo, cujo perfil contempla o próprio George Bush, com a certeza dos colonos puritanos de ser um instrumento de Deus na terra. Ao mesmo tempo, com a Revolução Americana que – como todas as grandes revoluções – desenvolveu convicções missioneiras mundiais. A nova estratégia é a de descobrir um inimigo externo que possa representar uma ameaça imediata e mortal para o estilo de vida estadunidense e a vida de seus cidadãos. O fim da União Soviética eliminou o candidato mais óbvio. Em princípios dos anos 90 já se havia detectado a candidatura emergente do “choque cultural”, sobretudo com o islamismo. “Os dominadores mundiais de Washington o reconheceram de imediato e exportaram as enormes possibilidades políticas dos atentados da Al-Qaeda, de 11 de Setembro”.
Com o fim da Guerra Fria, em que a existência de uma superpotência era a garantia contra a hegemonia da outra, proclamou-se o “fim da história”, o triunfo universal e permanente da nova versão de sociedade capitalista. A superioridade militar dos Estados Unidos era a pavimentação do caminho natural ao pleno desenvolvimento da ambição de supremacia mundial. “O 11 de Setembro era a nova senha para que um grupo de burocratas de Washington declarasse seu domínio sobre o mundo”. Hobsbawn atribui as razões da imediata tomada de posição desse grupo à falta de argumentos para galvanizar o apoio dos tradicionais pilares do império estadunidense construídos no pós-guerra, como o Departamento de Estado, as Forças Armadas, a Inteligência, os tradicionais ideólogos da supremacia, como Kissinger, Brzezinski… Em favor dessa posição reativa o fato de que a imposição da supremacia pelo uso do aparato de guerra “come pela beiradas” a experiência acumulada de planejamento militar e a própria diplomacia dos Estados Unidos. O desastre do Iraque a confirmar este cepticismo.
Outra razão palpável a justificar a falta de entusiasmo dos tradicionais ideólogos da supremacia com a irracionalidade da atual política de Washington é sua falta de sustentabilidade quando exposta aos interesses globais tradicionais do capitalismo estadunidense. Pode ser que tenha sentido em termos de cálculos eleitorais da política interna dos Estados Unidos.

A polêmica, repercutida no seio da sociedade, como no mundo inteiro, parece apontar para uma crise muito mais profunda que não permite dúvidas quanto ao fracasso do projeto de supremacia. Enquanto isso, Tio Sam seguirá fazendo do mundo um lugar intolerável e menos seguro.

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