Crônica Histórica de 1933: Tempos de Nazismo e de Anticomunismo

Com o incêndio do Reichstag, que Adolf Hitler acusou ser obra de um complô comunista para tomar o poder, em 27 de fevereiro de1933, os nazistas conseguiram a aprovação de outro atentado à democracia alemã e que lhes dava plenos poderes, chamado Decreto para a Defesa do Povo e do Estado Alemão, ou Lei da Autorização, de 23/03/1933, transformando Hitler em ditador de fato da Alemanha.

A partir do decreto, os partidos e a imprensa da oposição foram dissolvidos e seus integrantes enviados para os campos de concentração. O primeiro campo criado foi o de Oraninemburg, inaugurado em 12 de março de 1933, ocupado inicialmente por comunistas alemães. Enfim, foram suprimidas todas as liberdades civis. [1]

Curiosamente, mas não fora do contexto histórico de 80 anos atrás, uma semana depois de ser inaugurado o primeiro campo de concentração alemão, iniciou o Estado Novo português e a ditadura salazarista, com a Constituição de 13 de março. Naquele momento, no Rio Grande do Sul, estado de intensa comunidade de origem alemã, e onde a bandeira nazista tremularia com relativa força e anuência do governo estadual, ao menos até o rompimento com o Eixo, no início dos anos 1940, a ascensão ao poder do governo nazista provocava alvissareiras perspectivas para alguns setores das classes dominantes gaúchas.

Quatro dias depois do acontecido na Alemanha, um editorial do Correio do Povo, após as “conclusões” da polícia alemã acerca do Incêndio do Reichstag, demonstrava que o anticomunismo da Alemanha de Hitler se tornava verdade de fato para a mais importante corrente de opinião das classes dominantes sul-rio-grandense .

O jornal, em tom elogioso, afirmava que “(…) ao cabo de várias pesquisas policiais, realizadas com maravilhosa celeridade e precisão, descobriram os agentes da vigilância militar que se tratava de um golpe concebido e em vias de execução pelos extremistas, que cuidava subverter as instituições e assumir as rédeas do governo. (…) dividiram-se e desarticularam-se, porém, as forças da conspiração vermelha. (…) pelas autoridades do Reich, que continuam a adotar todas as medidas impostas pelo momento em defesa da ordem pública. (…). Nesse choque de duas correntes, venceu a do senso democrático (…)”. Dias depois, outro editorial afirmava que pouco importava que “a força de resistência a esse flagelo [o comunismo] venha dos nazistas, dos nacionalistas alemães, chefiados por Hitler”, pois a eles cabia “decidir a sorte da Europa”.[2]

Passados oitenta anos daquele episódio, o Incêndio do Reichstag, ocorrido em Berlim, momento fundamental para entender o início da Alemanha nazista, sabemos que a acusação contra os comunistas búlgaros e militantes da 3ª Internacional Comunista (o Komintern), Georgy Dimitrov, futuro secretário-geral da Internacional, Blagoi Popov e Vasil Tanev acusados pelo ato, não tinha fundamento nenhum, pois o atentado foi comprovadamente feito por um esquadrão hitlerista.[3]

A fim de justificar os amplos poderes para os nazistas, a autodefesa de Dimitrov, na conhecida peça Eu acuso!, demonstrou que o alto comando nazista, através do gabinete de crise (Hitler, Joseph Goebbels, Hermnn Göring, Wilhelm Frick e Heinrich Wolff von Heldorf), sobretudo nas ações de Göring, ministro sem pasta no governo de Adolf Hitler, reagiu imediatamente, decretando o estado de emergência e suspendendo as garantias constitucionais. Os comunistas foram os primeiros alvos, num intenso processo de detenção que prendeu cerca de cem mil pessoas até maio de 1933.

Em Porto Alegre, que também contava com uma tradicional comunidade alemã, foi editado um interessante livro pela Livraria do Globo, um ano antes de Hitler chegar ao poder, com reportagem sobre a situação política da Alemanha. Afirmava-se que os Estados Unidos tinham 38% do seu capital estrangeiro investido na Alemanha, num total de três bilhões de dólares: portanto, fora esta última, era o maior interessado na manutenção do capitalismo alemão e na maior potência industrial da Europa.

Porém, naquele momento a Alemanha era um país menos seguro politicamente e o mais dividido socialmente, pois estava em Berlim (no bairro operário de Wedding) o mais forte centro comunista do mundo depois da União Soviética (nas eleições do Reichstag, em 1930, o Partido Comunista Alemão obteve em Berlim 739.235 contra 738.094 dos social-democratas). Entre os sociais-democratas, argumentava a reportagem, Hitler e os nacional-socialistas se fortaleciam porque odiavam os comunistas, enquanto estes também se opunham àqueles mais do que em relação à repressão policial.

O autor, ao discutir a possibilidade de uma subida de Hitler ao poder, afirmou que se isso acontecesse, deveria ser porque de todos os perigos que ameaçavam a Alemanha dividida, o maior deles não era o fascismo, mas sim o fascismo acabar em comunismo (para o autor, que fez reportagem no país para escrever o livro, inclusive entrevistando Hitler, no entanto, uma revolução comunista era uma possibilidade política remota no país). Nesse quadro, o capital norte-americano investido na Alemanha não era um problema apenas financeiro: sobretudo era político. Tanto que Hitler afirmava que esse capital estaria mais seguro com um governo dos nacional-socialistas, o único que poderia evitar o comunismo na Alemanha.[4]

A ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e de Salazar em Portugal coroavam os novos tempos nazi-fascistas iniciados cerca de uma década antes na Itália fascista comandada por Benito Mussolini. Os sinais dos “novos tempos” também ahaviam chegado ao Brasil ainda no início de 1933. No Rio de Janeiro, através do decreto nº 22.332, no dia 10 de janeiro, criou-se a Delegacia Especial de Segurança Pública – DESPS215. A DESPS substituiria a 4ª Delegacia Auxiliar, até então responsável pelo “crime político e social”, passando a acompanhar e vigiar todas as atividades consideradas “subversivas”.

A indicação das lideranças, os assuntos tratados, os locais de reuniões, a realização de comícios, a publicação de jornais, manifestos e materiais de propaganda, etc., tinham como fonte principal a “verificação de jornais”, isto é, a leitura diária da grande imprensa, ponto de partida para os investigadores. A partir daí, passava-se para a elaboração de fichas e dossiês dos suspeitos ou acusados. Depois, incorporavam-se os relatórios de investigadores locais e aqueles enviados pelas chefias de polícias estaduais.[5] Aqui estava o embrião da futura DOPS, que receberiam este nome apenas durante o Estado Novo (1937-1945), lançando ao mundo político o carrasco Filinto Müller, que por uma década comandaria a polícia política brasileira e a intensificação da repressão ao comunismo no Brasil.

Como mostra Elizabeth Cancelli, o decreto que criava a DESPS, ligava diretamente Getúlio Vargas ao aparato policial, ampliando a sua ingerência na conduta policial, uma vez que estabelecia que o serviço policial do Distrito Federal ficaria “sob a inspeção suprema do presidente da República e apenas sob a superintendência do ministro da Justiça e Negócios Interiores”.[6]

Assim, no Brasil do início de 1933, além de sindicalistas, grevistas e outros, sobretudo os comunistas passaram a ser vigiados por uma instituição especializada para esse fim.
Para boa parte dos trabalhadores brasileiros, entretanto, a luta por direitos na saíra da ordem do dia. No Rio de Janeiro, por exemplo, o movimento operário retomava as manifestações pelo cumprimento das leis trabalhistas. Em 13 de janeiro, um expressivo número de trabalhadores realizou uma passeata pelas ruas centrais da capital, dirigindo-se depois, para o Palácio do Catete, e solicitando a Vargas que as leis sociais fossem cumpridas.[7]

No Rio Grande do Sul, o movimento operário, que andava voltado mais para a sindicalização das diferentes categorias, retornou às greves também. Em 28 de janeiro de 1933, nas Minas do Butiá, no município de São Jerônimo, mais de quatrocentos operários pararam o trabalho na Companhia Carbonífera Rio-Grandense, em sinal de protesto contra a falta de pagamento de seus salários. Enquanto a empresa continuava cobrando dos operários todos os gêneros de primeira necessidade que fornecia a eles, por preços abusivos, através de uma cooperativa controlada pela direção.

Mesmo assim, a Chefia de Polícia do Rio Grande do Sul enviou, de Porto Alegre, o 3° delegado auxiliar, Dario Barbosa, que foi acompanhado do Inspetor Regional do Trabalho Ernani de Oliveira, recém empossado no cargo. Com a intermediação policial e do Ministério do Trabalho, a greve terminou três dias depois, após um plebiscito dos grevistas, com a presença do coronel José Maria Carvalho, prefeito da cidade, e após os mineiros conquistar a redução do preço dos alimentos, enquanto que os tocadores de carros das minas receberam aumento de suas diárias para a realização da tarefa.

No plebiscito que decidiu o fim do movimento, 336 operários votaram pelo fim da greve, enquanto outros 66 posicionaram-se contra as negociações. Nestes, provavelmente, estava o futuro núcleo dos mineiros comunistas, os quais liderariam futuros movimentos e greves da categoria, muitos deles perseguidos pela reação policial, especialmente durante o Estado Novo. Os atrasos de salários eram uma constante no município de São Jerônimo, tanto que, em 17 de agosto desse mesmo ano, os operários da Mina Recreio entraram em greve, motivados pelo atraso de mais de ano em seus vencimentos, além da cooperativa responsável por seus mantimentos não estar fornecendo alimentos. Novamente a intermediação de Ernani de Oliveira com a participação da direção da FORGS, terminou com a greve.[8]

Na capital federal, em 27 de fevereiro, iniciou uma greve de marítimos contra o Lloyd, pois a empresa buscava reduzir em 30% os salários dos tripulantes de navios em reparos, além de diminuir para dois o número de conferentes dos navios. Dias depois, em 7 de março, foram os bancários [com carga horária de trabalho de 10 horas diárias] de São Paulo que ameaçavam entrar em greve pelas seis horas de trabalho.

A polícia paulista mantinha-se vigilante, como vinha fazendo intensamente, sobretudo após os acontecimentos de São Paulo, em julho-outubro de 1932, reafirmando a necessidade de licença prévia para manifestações públicas, inclusive com cartazes sujeitos à censura da Delegacia de Ordem Política.[9] No Rio de Janeiro, entre os dias 10 a 13 de abril, foi realizado no prédio da Câmara dos Deputados o Congresso Sindicalista Nacional Proletário, com a presença de 31 sindicatos e 146 delegados. Entre os objetivos do encontro estava o debate em torno da reorganização das Federações Sindicais Regionais (a partir de empresas, usinas, fazendas, etc.), a fim de combater a fragmentação do movimento operário.

Uma das reivindicações do Congresso foi uma solicitação, encaminhada ao presidente Vargas, ao ministro da Justiça e ao chefe de polícia, para que se efetivasse a liberdade dos presos políticos proletários e a volta ao país dos operários exilados. Além disso, um tema presente em todos os debates foi a autonomia sindical em contraposição à colaboração dos sindicalistas com o Estado, opção minoritária dos presentes no encontro. O encontro sindicalista foi vigiado diariamente pela polícia e não foi divulgado para a imprensa fora da cidade.[10]

Há oitenta anos atrás, em uma encruzilhada histórica, os comunistas encontraram o pior dos seus inimigos que o capitalismo pode produzir até agora. Na Alemanha, no Brasil, no Rio Grande do Sul, no movimento sindical ou partidariamente clandestinos, os comunistas continuaram se organizando e enfrentando aqueles que foram coniventes com o nazismo, como no caso da Ação Integralista Brasileira (AIB), especialmente até 1939, quando poucos o faziam, Os comunistas foram mortos, presos, exilados, perseguidos, mas estiveram na linha de frente contra o pretenso Reich de Mil Anos que duraria apenas doze. Que o diga a Batalha de Stalingrado, uma década depois do incêndio do Reichstag, quando, no dia 2 de fevereiro de 1943, os soviéticos, e não o general inverno, derrotaram o 6º Exército Alemão!!!!

O Vizinho (Bertolt Brecht)

Eu sou o vizinho. Eu o denunciei.
Não queremos ter aqui
Nenhum agitador.

Quando penduramos a bandeira com a suástica
Ele não pendurou nenhuma bandeira.
Quando lhe falamos sobre isso

Ele nos perguntou se no cômodo
Onde vivemos com quatro crianças
Ainda há lugar para um mastro de bandeira.
Quando dissemos que acreditamos novamente no futuro

Ele riu.
Nós não gostamos quando o espancaram
Na escada. Rasgaram-lhe o avental.
Não era necessário. Temos poucos aventais.

Mas agora ele se foi, há sossego no edifício.
Já temos preocupações demais
É preciso ao menos haver sossego.
Notamos que algumas pessoas

Viram o rosto quando cruzam conosco. Mas
Os que o levaram dizem
Que agimos corretamente.

Notas:

[1] Ver: SCHILING, Voltaire. Nazismo: breve história ilustrada, 3 ed, Coleção Síntese Universitária., n.7. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1995, p. 60; MANVELL, Roger. SS e Gestapo: a caveira sinistra – História ilustrada da 2ª GuerraMundial. Coleção Política em Ação n. 3. Rio de Janeiro: Renes, 1974, p. 26-8.

[2] Cf. Os acontecimentos na Alemanha. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 03/03/1933, p. 3. Exemplar disponível no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (MCSHJC), em Porto Alegre-RS. Ver também: Fascismo ou comunismo. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 07/03/1933, p. 2, MCSHJC/RS. No dia seguinte, outro editorial do jornal elogiava a “democracia alemã”, enquanto os comunistas entravam em grandes conflitos com a polícia. No dia 8, a Polícia Especial da Alemanha, voltada essencialmente para a repressão ao bolchevismo, ocupou a sede central do Partido Comunista, em Berlim. Em outro editorial de 2 de maio, o mesmo jornal elogiou a criação do Ministério da Propaganda, na Alemanha, defendendo um similar para o Brasil. Cf. Ministério da Propaganda, idem, p. 3, MCSHJC/RS.

[3] Na noite do incêndio, a Gestapo encontrou o jovem holandês Marinus Van der Lubbe próximo ao Parlamento alemão. Lubbe foi preso e torturado, “confessando” a “autoria” e incriminando os militantes da Internacional. Considerado culpado, foi executado pelo nazismo em 10 de janeiro de 1934.

[4] Cf. KNICKERBOCKER, H. R. Alemanha: fascista ou soviética? Tradução de Érico Veríssimo, Porto Alegre: Livraria do Globo, 1932, p.p. 6-9, 45, 183-4, 195 e 250. Para interessados, existe um exemplar no acervo bibliográfico do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da UNICAMP, em Campinas-SP.

[5] Cf. PEREIRA, Márcia Guerra, FIGUEIREDO, Míriam Beatriz Collares e REZNIK, Luís. “A reconstituição do acervo”. In. DOPS: a lógicada desconfiança. 2 ed. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Justiça/APERJ, 1996, p. 23.

[6] Cf. Ação e repressão policial num circuito integrado internacionalmente. In. PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1999, p. 310.

[7] Ver: Manifestação trabalhista. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 14/01/1932, p. 1, MCSHJC/RS.

[8] Cf. O movimento sindicalista no Rio Grande do Sul. Nas Minas de Butiá levantaram-se em greve cerca de 400 operários (…). In. Correio do Povo. Porto Alegre, 31/01/1932, p. 8; Movimento Sindical no Rio Grande do Sul. Solucionada a greve dos operários das Minas de Butiá. Idem, 1°/02/1932, p. 7; Movimento Sindical no Rio Grande do Sul. (…) Os operários das Minas do Butiá estão tratando da sua sindicalização. Idem, 02/02/1932, p. 14; Sem pão e sem recursos. Idem. Porto Alegre, 20/08/1933, p. 8, MCSHJC/RS.

[9] Ver: Uma greve no Rio. Levantaram-se em parede os embarcadiços da Federação dos Marítimos. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 02/03/1933, p. 1; Notícias de São Paulo. Os bancários ameaçam greve. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 08/03/1933, p. 1; Licença para comícios. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 10/03/1933, p. 1, MCSHJC/RS. MCSHJC/RS.

[10] Sobre a vigilância da polícia ao encontro ver o Prontuário Congresso Sindicalista Nacional Proletário (cuja abertura na Seção de Segurança Social da DESPS ocorreu ainda em 04/02/1933) que contém, entre outros documentos, informes do investigador 548, fotos do evento, etc. Cf. Fundo DESPS, Setor Dossiês, Notação 48, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).

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