CUT-24 anos: os neodemolidores da “era Vargas”

A proposta de “reforma” sindical do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) mostrou nitidamente que estava em andamento uma nova fase da ofensiva contra a “era vargas”, iniciada no reinado de FHC. A resistência da Corrente Sindical Classista (CSC) possibilito

O principal fiador das “reformas” sindical e trabalhista no início do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva era o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci Filho. Havia uma nítida ligação ideológica entre ele e os economistas neoliberais que mandaram e desmandaram no país ao longo da “era FHC”. Entre as principais peripécias daquela confraria demolidora, chamada por FHC para acabar com a “era Vargas”, estava a meta de desmontar a legislação sindical e trabalhista. Para comandar a missão, trouxeram o secretário de Planejamento do governo do Estado de Minas Gerais, Paulo de Tarso Paiva.


 


Eles formavam um grupo integrado por figuras como Pérsio Arida, André Lara Rezende, Elena Landau, Edmar Bacha, Eduardo Modiano, Armínio Fraga, Gustavo Franco, Edward Amadeo e o ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan. Era a ''turma dourada'' do Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro do final da década de 70 e início dos anos 80. E ficaram marcados por comandar aquele processo pelo qual os interessados em comprar empresas do Estado iam buscar dinheiro quase de graça no BNDES. Atualmente são, em sua maioria, banqueiros bem-sucedidos ou renomados “consultores” do mercado financeiro.


 


Paiva delira com os acordos ilegais


 


Paiva assumiu o Ministério do Trabalho dizendo que a legislação trabalhista brasileira era “inflexível e caduca”. E que as “reformas” seriam necessárias à consolidação de uma “economia de mercado com altas doses de investimentos e de geração de empregos”. “A experiência mundial produziu uma ordem razoavelmente depurada de radicalismos ideológicos neste fim de século. Seus alicerces são sistemas políticos democráticos, economias de mercado em processo de globalização, ação social descentralizada por parte de governos nacionais e a consolidação de moedas fortes”, explicou.


 


Para ele, a “nova ordem mundial” tornara obsoleta, da noite para o dia, a legislação trabalhista. “Os governos nacionais que compreendem o fenômeno implementam políticas compatíveis com essa nova ordem em formação. Os que não compreendem — quer por preconceito ideológico (Cuba de Fidel Castro), quer por motivos religiosos (países islâmicos), quer por ignorância (países africanos) — cavam um fosso no qual aprisionam populações inteiras, mantidas à margem do progresso acelerado que caracteriza a nova ordem”, pregou.


 


Em 1996, quando o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista — filiado à CUT — fechou um acordo com a Volkswagen e o sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo — filiado à Força Sindical — com o Sindipeças reduzindo direitos dos trabalhadores, Paiva delirou. ''Essas negociações, feitas sem a interferência do Estado, foram o fato mais importante desde a instituição da legislação trabalhista nos anos 30'', disse o ministro. “Agora vamos arejar o trabalhismo no país”, afirmou. Segundo Paiva, os presidentes dos dois sindicatos, Luiz Marinho e Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, “viraram de cabeça para baixo a agenda de reivindicações comumente negociada entre empregados e patrões”.


 


FHC apóia acordo ilegal em São Paulo


 


O acordo dos metalúrgicos de São Paulo teve seus efeitos suspensos, por decisão da Justiça do Trabalho paulista, sob a alegação de que ele não atendia às exigências legais estabelecidas na CLT. Mas FHC entrou em campo para tentar dar um jeitinho. ''O acordo é um avanço enorme, sobretudo porque a iniciativa partiu dos trabalhadores. Determinamos ao ministro Paulo Paiva que estude, junto com juristas, uma fórmula que torne legal esse tipo de acordo sem exigir mudanças na Constituição'', disse o então presidente da República.


 


Paiva não cansava de dizer que uma das suas prioridades era extinguir a unicidade sindical e a contribuição obrigatória. ''É preciso eliminar esse resquício fascista e democratizar as relações do trabalho levando o Brasil, nesse campo, à Europa pós-guerra'', disse ele. “Até hoje, o Brasil não ratificou a chamada convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1948, que estabelece o princípio da pluralidade de representação”, afirmou. ''É preciso criar sindicatos competitivos, que atendam aos interesses dos trabalhadores'', acrescentou.


 


Marinho apoiou publicamente algumas propostas do ministro. “Quero me posicionar sobre um aspecto que temos em comum: o imposto sindical”, disse ele. “Trata-se de uma discussão do interesse de todos, empresários e trabalhadores, porque somos tutelados pela mesma legislação trabalhista”, afirmou. “Sustentada pelo imposto, a maioria dos quase 20 mil sindicatos de trabalhadores existentes hoje no país não cumpre o papel de representar com dignidade a sua categoria profissional. Seus dirigentes deixam o anonimato do chão de fábrica para ganhar notoriedade, um certo conforto, status de diretor, com direito a carro e secretárias”, disse.


 


O líder do grupo de ministros “reformistas”


 


Na “era FHC”, a legislação sindical e trabalhista sofreu duros golpes, mas a sua essência sobreviveu. Já nos primeiros dias do governo Lula, no entanto, as ameaças voltaram. “As discussões das reformas trabalhista, previdenciária e tributária têm de andar juntas. São um tripé da mudança que queremos, não dá para separá-las”, disse Jaques Wagner, ministro do Trabalho, em sua posse. Palocci, já tido pela direita como uma das vozes mais “sensatas” do governo, liderava o grupo de ministros “reformistas”.


 


O ministro da Fazenda estava sendo blindado para levar adiante a sua agenda. “Palocci foi enviado por Deus para nos salvar'', discursou o ''comentarista'' da Rede Globo, Arnaldo Jabor. A revista norte-americana Newsweek disse que Palocci era a ''âncora que segura o investidor estrangeiro no Brasil''. A reportagem mostrou que havia consenso entre os ''investidores'' dos Estados Unidos sobre a capacidade de Palocci manter a economia em situação ''estável''. ''Que surjam novos Paloccis'', disse a revista.


 


Palocci ganhou a simpatia irrestrita da direita quando suas alterações no projeto de programa de governo, debatido no Instituto de Cidadania, foram assumidas por Lula . Ele tirou do texto original afirmações como ''ruptura com o modelo neoliberal'' e críticas ao ''capital especulativo''. E bateu o pé até convencer Lula a fazer o anúncio por escrito dos compromissos da ''era FHC'' com o FMI — “reformas” estruturais, metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário —, num documento chamado ''Carta ao Povo Brasileiro''.


 


Ministro faz chacota de sindicalistas


 


Já como ministro da Fazenda, Palocci mostrou um temperamento que combinava o gosto pelo comando com o amor à manobra. Ele era perspicaz, furtivo, orgulhoso e solitário. Não deixava de abrir atalhos com as próprias mãos a fim de fugir dos críticos à sua política e encontrar alternativas para caminhar rumo ao seu objetivo, mesmo por rotas tortuosas. E pregava a eficácia de sua política com o mesmo entusiasmo juvenil de quando bebeu os ensinamentos do trotskismo.


 


Numa roda de banqueiros, ele disse que vivia sob pressão de líderes sindicais para estabelecer um teto a fim de barrar o crescimento das taxas de juros. Foi durante uma dessas conversas, disse ele, que surgiu a idéia de os trabalhadores terem acesso a financiamento bancário com juros menores, com o pagamento diretamente na folha. ''Eles agora estão discutindo o assunto com os bancos e deixaram de me pressionar'', disse o ministro com ironia. Sentados em suas mesas, os convidados riram e aplaudiram.


 


Oposição aberta à realidade de 1930


 


A influência direitista da política macroeconômica dirigida com mão de ferro por Palocci no meio sindical era gigantesca. A CUT passou a viver uma contradição profunda quando ficou nítido que os novos demolidores da “era Vargas” eram pessoas historicamente ligadas à central. E em alguns momentos se opôs abertamente à realidade formada pelas transformações econômicas e sociais desde a revolução de 1930 — quando foram criadas as condições para que a classe trabalhadora participasse cada vez mais ativamente da vida política nacional.


 


Isso ocorreu, por exemplo, quando a central apoiou a proposta de “reforma” sindical elaborada no Fórum Nacional do Trabalho (FNT). O ministro do trabalho, Ricardo Berzoini, não mediu palavras, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 5 de março de 2005, para exaltar o viés liberal da proposta. “Na década de 1940 havia o desejo de uma ditadura de controlar o nascente e autêntico movimento sindical combativo e substituí-lo por uma burocracia confiável ou, pelo menos, controlável”, disse ele.


 


Proposta vence com diferença de um voto


 


Segundo Berzoini, a Assembléia Nacional Constituinte de 1988 “poderia ter dado passos fundamentais para a adoção dos princípios da convenção 87 da OIT”. “Por conta de sua composição e da dinâmica das negociações, não acatou propostas defendidas pelo então deputado Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros que lutavam pelo fim da estrutura copiada do fascismo”, escreveu o ministro. “Além de não poder livremente criar outra entidade que concorra com a já existente e atenda às necessidades democráticas e participativas a que a sociedade aspira, o trabalhador é obrigado a ‘contribuir’ com um dia de salário para um sindicato, uma federação e uma confederação”, disse ele.


 


Para o ministro, o texto da “reforma” proposta pelo FNT era “um passo decisivo rumo a esses princípios”. Era verdade. Tanto que o assunto gerou uma grande divergência na CUT. Isso ficou evidente numa reunião da direção executiva da central, quando dois projetos de resolução sobre o tema foram a voto. Um, da Articulação Sindical, defendeu o apoio à proposta. O outro, da Corrente Sindical Classista (CSC), considerou a proposta um retrocesso que deveria ser repudiado e combatido. O da Articulação Sindical venceu com a diferença de um voto.


 


Nova disputa na Articulação Sindical


 


A CSC divulgou um manifesto explicando as razões de sua rejeição à proposta do FNT. “Expressamos a firme convicção de que, por mais de uma razão, as propostas em questão constituem uma séria ameaça de retrocesso em matéria de organização, democracia, conquistas e direitos dos trabalhadores brasileiros”, dizia o documento.“Vamos procurar todos que estão contra essa proposta de reforma sindical para conseguir derrubá-la. Esse texto é um retrocesso para o sindicalismo”, disse Wagner Gomes, vice-presidente da CUT e membro da coordenação nacional da CSC.


 


Era esse o clima quando João Felício voltou à presidência da CUT, em julho de 2005 — no lugar de Marinho, que assumira o Ministério do Trabalho. Seu nome foi escolhido em um acordo feito na Articulação Sindical para evitar desgastes num momento em que o governo Lula sofria pesados ataques da direita. Concorreu com Felício o nome de Artur Henrique da Silva Santos, que acabou deixando o cargo de secretário de organização para assumir a secretaria geral no lugar de Felício. Era apenas o início de uma nova fase de acirrada disputa interna na Articulação Sindical — assunto da próxima coluna.


 


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