Da resistência ao poder

No berço da milenar civilização maia, a terceira edição da Cúpula Continental de Povos e Nacionalidades Indígenas foi realizada nas ruínas de Iximche, cidade de Tecpán em Guatemala, entre os dias 26 e 30 de março. A Organização Continental Latino American

Nesse evento, chamou mais uma vez atenção a riqueza e a diversidade cultural dos intitulados povos originários do nosso continente, mesclado com a unidade e traços comuns na formação dos povos indígenas de toda a região. Por mais diferença que possa apresentar um xavante brasileiro de um maia guatemalteco, o intercâmbio cultural e genético é evidente em um continente imenso, mas contínuo como o nosso. Igualmente marcante é o conteúdo político acumulado, principalmente nos últimos anos de organização mais sistemática da luta do movimento.


 


 
São os povos indígenas que há 515 anos lutam contra o colonialismo que reafirmam hoje, através de seu manifesto, a atualidade da luta contra a colonização subordinada a um modelo capitalista hostil, a imposição de políticas neoliberais que saqueiam os territórios, apodera-se dos seus espaços e meios de vida, promove a degradação do meio ambiente, a pobreza e a migração por sistemática intervenção contra a soberania das nações.


 


 
A primeira Cúpula Indígena Continental aconteceu em 2000 na cidade mexicana de Teotihuacan, logrando reunir 36 organizações indígenas. No entanto, o primeiro Encontro Continental de Povos Índios foi realizado dez anos antes em Quito, Equador. Nesse período a organização desse importante e legítimo movimento avançou e conseguiu ampliar cada vez mais sua atuação, além de contar hoje com um importante e autêntico representante em nível de governo.


 


 
A eleição de Evo Morales é um de tantos outros exemplos da força desse movimento que vai aumentando sua intervenção política e cada vez mais conquista reivindicações históricas, aclamadas ao longo de séculos de opressão colonizadora em um continente marcado por genocídios e massacres. Assim, merece menção alguns avanços alcançados em matéria de direitos indígenas em âmbito de acordos internacionais apesar da negação de tantos outros direitos e liberdades fundamentais.



 
 
Embora não ratificado pela maioria dos governos, o convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, firmado há mais de 15 anos, reconhece vários direitos aos indígenas. Igualmente o Projeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas, após mais de duas décadas de constantes lutas e esforços dos representantes indígenas, é um progresso na acepção indígena que continua sendo negado pelos países. Ainda sobre a ONU, a idéia do Fórum Permanente para os Povos Indígenas contou com o apoio do movimento, todavia no transcurso do processo seu mandato foi debilitado e não satisfez plenamente as aspirações indígenas.
Merece consideração também o Convênio sobre a Diversidade Biológica que reconhece certos direitos indígenas, mas que na pratica é inviabilizado principalmente pelas empresas transnacionais que intensificam sua política de saqueio e expropriação dos recursos naturais e a biodiversidade em territórios indígenas. Ademais, é igualmente denunciado nas declarações aprovadas nos encontros indígenas as políticas financiadas, sobretudo pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que impõem políticas de ajuste para beneficiar o consumismo desmedido dos países ricos, acentuando a dependência, opressão e empobrecimento dos povos indígenas e setores populares.



 
Em meio a isso a repressão a lideres indígenas é denunciada como a onda de violência que vem ocorrendo em países como México, Peru, Guatemala e Honduras. O Plano Colômbia, apoiado pelos Estados Unidos, de igual maneira traz mais repressão, militarização e sofrimento aos indígenas na Colômbia.


 


O movimento vai enfrentando as adversidades e como qualquer outra organização que ganha corpo e influência política, reflete linhas de intervenção e pensamentos diversos em seu seio, com reivindicações avançadas e progressistas, como também algumas incompreensões ou posições marcadamente multiculturalistas que por vezes negam o papel do Estado Nacional reivindicando autonomia de grupos étnicos, sobrepondo a unidade e a integração nacional. Todavia, o saldo político desse movimento é motivo de júbilo de todos os que lutam contra o colonialismo contemporâneo.


 


 
Outro mérito do que é hoje constituído como Coordenação Continental de Nacionalidades e Povos Indígenas é identificação do neoliberalismo como o inimigo comum, metamorfose vulgar do colonialismo, o mesmo inimigo que seus ancestrais combateram com a própria vida. Esse espaço é constituído como ambiente permanente de enlaces e intercâmbios onde convergem experiências e propostas comuns aos movimentos sociais para o enfrentamento das políticas neoliberais.


 


 
Por tudo isso, é atualíssima a consigna lançada nesse último encontro: Da resistência ao poder. Simboliza bem essa frase a justa reivindicação de diversos movimentos populares e democráticos em respaldar a candidatura a Prêmio Nobel da Paz a Evo Morales, autêntico representante dessa épica luta que diz respeito a todos (as) que lutam por um genuinamente novo mundo, sem neoliberalismo.

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