Democracia representativa

 

A discussão acadêmica democracia direta versus democracia representativa, herança de estudos que remontam aos gregos, desaparece na sociedade contemporânea vez que o “governo do povo” (“pelo povo e para o povo”), no seu exercício prático, por séculos e séculos, sempre ostentou a muleta do interesse de castas e grupos de pressão mais bem situados na pirâmide social dos povos. A contribuição histórica do processo de prática democrática no mundo, desde a Antiguidade, bem demonstra as razões de Boaventura de Sousa Santos, para quem a representação política é a única condição de transformação política na atualidade. A democracia direta fica apenas para referência, ou para contraponto. Alem disso, não tem mais, no mundo, quem, em sã consciência, defenda a possibilidade de um cidadão comum atingir a direção do poder sem que pertença a um forte grupo de interesses.

Nenhuma teoria classificatória define Democracia de uma forma “neutra”, dedutível da observação empírica. É sempre uma formulação de como deve ser, em obediência à perspectiva ideológica do autor. No caso de Sartori (1994), por exemplo, um viés conservador que abomina a crítica e as alternativas. Esta linha classificatória encontra espaço na “democracia liberal” de Macpherson (oposta à “democracia utópica” cuja base é o pressuposto de uma sociedade divida em classes). Os modelos são a democracia protetora, de Bentham e James Mill, em que o voto serve apenas de garantia contra a tirania dos governantes; a democracia desenvolvimentista, de John Stuar Mill, que qualifica o cidadão de acordo com sua imersão na esfera pública; a democracia de equilíbrio, de Schumpeter, restrita ao processo eleitoral; e a democracia participativa, defendida pelo próprio Macpherson.

Num sentido mais amplo, a democracia representativa encontra sua mais marcante corrente na democracia liberal-pluralista, há muito dominante nos sistemas políticos ocidentais. Nele, a realização do projeto democrático passa por um conjunto de liberdades cidadãs, competição eleitoral livre e multiplicidade dos grupos de pressão/interesses, fortalecidos por coalizões e barganhas políticas. Em contrapartida, a democracia deliberativa, decorrente do pensamento e da obra de Habermas serve hoje de principal inspiração crítica aos modelos democráticos dominantes. Nela, as decisões políticas são o resultado do amplo debate político. Reforçam a democracia deliberativa, no contraponto crítico ao liberal-pluralismo, o republicanismo cívico que valoriza a participação popular pelo viés do comunitarismo, em oposição ao individualismo; a democracia participativa, que quer ampliar os espaços de decisão coletiva no espaço democrático; e o multiculturalismo, de afirmação das diversidades culturais.

Em baixa o viés da discussão de democracia que leva em conta a existência de classes inconciliáveis, fruto da malsucedida primeira experiência socialista no mundo, torna-se discussão obrigatória no lado de cá da antiga “cortina de ferro” o modelo de democracia que possa acompanhar o atual estágio de desenvolvimento tecnológico e suas distorções processuais que tendem a favorecer a concentração de poder e desgraçadamente perverter a democracia. Vemos hoje, em tempos de crise do grande capital internacional, um grande chega pra lá que o poder econômico dá na Democracia, ao destroçar governos pela força das armas, como no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, ou pela força do sufoco na economia dos países, como na Grécia e na Itália. Na pauta, a transferência brutal de recursos sociais para salvar os grandes grupos econômicos representados pelos grandes bancos.

Não é diferente no Brasil, onde um governo de viés popular pouco avança na tentativa de fazer valer sua representatividade na realização de políticas públicas que tenda a diminuir o grande fosso social da concentração de renda, agravada em tempos de “democracia relativa”, vigente na ditadura militar. O mais que consegue, no entanto, é reproduzir a política econômica restritiva que o FMI impôs ao governo anterior, por lhe emprestar bilhões de dólares. Ao lado disso, o pacto político que permitiu grande avanço democrático na Constituição de 1988 não se traduziu em ações efetivas de grande monta em beneficio do movimento popular. Destacando-se a reforma agrária, cujo movimento esbarra nos interesses dos grandes proprietários de terra, aliados aos interesses do grande capital.

(Primeira parte de um texto para aferição de nota final na disciplina Ciência Política I, curso Jornalismo, Universidade Católica de Pernambuco).

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