“Depois de Maio” Perdas no caminho

Cineasta francês Olivier Assayas trata em seu filme das ações, desencontros e escolhas da juventude classe média francesa dos anos 70.

Os anos 60 não começaram em maio de 68, em Paris, mas é seu ápice. O cineasta francês Olivier Assayas (“Horas de Verão”) os estende à década de 70, neste seu “Depois de Maio”. Sua história começa em 1971, num liceu de secundarista de Paris, e avança para a Itália e Londres. Centra-se nos jovens classe média que se engajaram na luta político-ideológica, mas, mesmo sem aprofundar, inclui os que optaram pelo movimento hippie, filosofia oriental, vida coletiva e festas regadas a sexo e rock.

O filme trata das ações da célula trotskista da Frente Ativista pela Libertação da Juventude, integrada pelos jovens, Gilles, Alain, Christine e Jean-Pierre. E se divide em entrechos que correspondem aos períodos de formação, transição e assentamento da juventude, como num rito de passagem. Entre as tarefas de agitprop da célula estão pichar muros, distribuir panfletos e jornais e participar de passeatas. Estas, como ainda ocorrem, terminam em confrontos violentos com a polícia.

Seu ritual de preparação para ação é uma viagem no tempo. Inclui mimeógrafo, panfleto, jornal, pichação. Estruturas de comunicação hoje arcaicas. Redes sociais, e-mails, torpedos, jornais digitais, os tornaram obsoletos. Os “movimentos de junho” no Brasil o comprovam. Mas foram eficazes até o surgimento da internet. Porém, a Frente Ativista se envolve em outros embates, tendo como contraponto os maoístas franceses, tão presentes na luta política em seu país nas décadas de 60 e 70.

Anarquistas versus maoístas franceses

Eles são frequentemente citados nas reuniões da célula dirigida pelo também jovem Rackam Le Rouge (Martin Loizillon). Porém, ao contrário deles, os maoístas visavam à revolução proletária, eles ao movimento contínuo, sem visar a burguesia em si. Seu alvo era a repressão policial. É a etapa de formação, de descobertas de possibilidades. Mais para Jean-Pierre (Hugo Conzelmann), que logo se fixa como gráfico de profissão, do que para seus companheiros Giles, Alain e Christine.

Mas é sobre os impasses dos demais (Gilles, Alain e Christine) que Assayas se debruça. Gilles (filho de escritor) e Alain (Félix Armand) querem ser artista plástico. Ambos irão alternar seu engajamento aos primeiros esboços de sua arte, enquanto Christine (Lola Créton) oscilará entre eles, sem se definir. Um incidente durante uma ação irá encerrar este período de formação, levando-os à etapa de transição, tão comuns à juventude nesta idade. É neste entrecho que eles irão mudar, depois de entrar em contato com os comunistas italianos e os jovens estadunidenses que optaram pela filosofia oriental.

Alain deixará seus companheiros ao conhecer a estadunidense Leslie (India Salvor Menuel), que vive na comunidade hippie, interessada em transcendência. E com ela irá para o Nepal. Gilles e Christine refugiam-se na Itália, onde encontram os comunistas do Coletivo Porc-Epic, coordenado por Jean-Rene (Simon-Pierre Boilleau). Gilles termina entrando num polêmico debate com Rene sobre a estética cinematográfica. Ele acha, como um espectador, que o documentário sobre a luta do povo laonês visto em praça pública é burguês. “Apelamos ao povo, não aos estetas”, justifica Rene.

“Apelamos ao povo não aos estetas”

Como o jovem francês insistisse, dizendo que “para novas idéias precisamos de uma nova linguagem”, a diretora do documentário, Madeleine Ruffaud (Jeanne Candel), socorre Rene: ”É verdade, mas para uma nova linguagem é preciso operários revolucionários”. A estética de Assayas apóia-se nesta discussão. Usa economia narrativa, sem transição ou preparação, para dar conta dos entrechos. Suas sequências de ação são eletrizantes. As intimistas passam o vazio, o desconforto. Há o cerebral sem cair no enfadonho intelectualismo. Deste modo, seu filme é tão significativo quanto “Os Amantes Constantes” (2005), de Philippe Garrel, que trata dos embates de maio de 68.

Assayas aborda o período de assentamento do grupo, ainda que eivado de dúvidas como uma construção. Gilles oscila entre a família e a ex-namorada Laure (Carole Combes), que agora vive com o milionário Jean-Serzh numa mansão londrina em festas regadas a uísque, rock e drogas. Ao reencontrá-la descobre nela outra pessoa. Não mais a poeta, que dizia: “Eu odeio os poetas velhos”, em contraponto à frase da própria Frente de Ativistas: “Não somos contra os velhos, mas contra o que os envelhece”. Suas idéias não correspondiam ao engajamento. O universo burguês de Serzha a fez se perder.

É neste entrecho que Assayas trata da opção do grupo. Gilles, Alain, Christine e Jean-Pierre, enfim, se definem. O período de agitprop, menos para Gilles e Jean-Pierre, foi apenas um momento histórico. Assayas com esta visão confirma que a perenidade da luta político-ideológica, da luta de classes, exige constante engajamento e não só num momento histórico. Caso contrário, as barreiras se mostrarão intransponíveis e a cooptação pela burguesia se mostrará mais forte do que a necessidade de superar o capitalismo.

“Depois de Maio”. (“Aprés Mai”). Drama. França. 2012. 122 minutos. Fotografia: Eric Gautier. Roteiro/direção: Olivier Assayas. Elenco: Lola Créton, Clément Metayer, Félix Armand, Carole Combes, Hugo Conzelmann.
(*) Leão de Ouro de Roteiro, 69ª Festival de Veneza 2012.

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