Derrotar Bolsonaro ou marcar posição na sucessão na Câmara?

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Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Um certo frenesi toma conta de parte do campo da esquerda política no Brasil neste momento. É a sucessão na Câmara Federal. Parece que a questão colocada é: marcar posição de esquerda ou derrotar Bolsonaro no parlamento?

Por detrás desta pergunta há muitas questões, que respeito, como a opinião que uma gestão de centro direita na Câmara, como a de Rodrigo Maia (DEM), não interessa estrategicamente aos interesses da maioria da população. Há bons e justos argumentos para esta posição, como o fato de que esta gestão de centro direita tem acordos com a pauta neoliberal que coincide com parte do governo (Guedes), como na questão da manutenção do teto de gastos, uma irracionalidade completa.

Há também a questão do impeachment que não é colocado em pauta, mas aqui estamos falando da centro direita que detém cerca de 60% do parlamento e de um governo que surpreendentemente segue com seus 30% de aprovação. Vida dura.

Então, de onde vejo, estes bons argumentos só se sustentam no vácuo político, ou seja, abstraindo que estamos sob um governo de extrema direita no país. O campo de esquerda e progressista no Brasil está jogando no campo defensivo, levando goleada ainda. As eleições recentes não nos colocaram no campo ofensivo. A pandemia e o distanciamento social não permitem que imprimamos o nosso ritmo de jogo, que é ir às ruas mudar a correlação de forças no calor da luta política mais direta. Essa é a realidade concreta. A gente tem que estancar primeiro a hemorragia de direitos e de democracia a que estamos submetidos.

Nesta situação, é temerário numa eleição da Câmara se pensar em marcar posição supostamente pela esquerda. A meta central deve ser isolar e derrotar a extrema direita, não permitir que o “centrão” emplaque sob o comando de articulações do Palácio do Planalto. Pode ser que haja margem de manobra pra alguns jogarem para a torcida num primeiro turno, e deixar a seriedade toda para um voto útil num eventual segundo turno, mas isso seria como brincar com fogo em meio a barris de pólvora.

Aos que não acham importante isolar a extrema direita no Congresso, lembro aqui de momentos mais simbólicos para o povo brasileiro em que pudemos sentir as diferenças práticas em se ter na Câmara uma gestão se enfrentando com o governo Bolsonaro e suas medidas: Auxílio  Emergencial da Cultura, Lei Aldir Blanc, aprovação do Fundeb e defesa do SUS. Há muitos outros, em que os sindicatos podem falar sobre como foram protegidos da sanha ultraliberal do governo, ou o movimento estudantil que também foi protegido de uma política de desmonte e perseguição, os ambientalistas, enfim.

Mas eu vou dar aqui um testemunho a partir do meu lugar mais específico de fala: a luta do povo negro. Logo no início do governo Bolsonaro, o então ministro Sérgio Moro apresentou ao Congresso um pacote anticrime. Um pacote com viés nitidamente fascista, miliciano, rebaixando direitos e permitindo um salve-se quem puder nas ruas do país. Dentro dele estava a ampliação do excludente de ilicitude, que liberaria ainda mais as porteiras para os homicídios praticados por forças policiais no Brasil contra os pobres e negros.

O presidente Rodrigo Maia recebeu a Coalizão Negra Por Direitos – movimento que reúne dezenas de entidades – e construiu um percurso no processo legislativo para tratar o tema, definindo uma comissão especial que pode debater exaustivamente a questão, comissão para a qual indicou ninguém menos que os deputados Orlando Silva (PCdoB-SP) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ), dentre outros defensores de direitos humanos, como integrantes, o que qualificou enormemente a discussão e ao final conseguimos derrotar o pacote naquilo que ele tinha de mais cruel.

Juntando todos os votos do PT, PDT, PSB, PSOL, PCdoB e Rede, que são um bloco mais estável do campo progressista na Câmara, temos aí 133 deputados/as. É insuficiente, mesmo coeso, para fazer uma disputa pra valer, mas é robusto o suficiente para pender questões urgentes para o campo mais civilizado da política. Que questões são essas? Há muitas, desde questões ambientais até chegar na extensão do auxílio emergencial para os próximos meses.

Este é um importante debate prático a ser feito. Não sou especialista no assunto, mas derrotar Bolsonaro nesta disputa me parece ser a antessala de qualquer discussão que pretenda defender os reais interesses das maiorias do nosso povo.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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