Desafios do movimento estudantil boliviano após um ano de governo Evo

Existe uma intensa e antiga campanha das elites para que o movimento estudantil seja instrumento da reação e quando o mesmo não se presta a esse serviço começam as provocações de todos os matizes insinuando que o estudante é alienado, que não é ma

Qual foi o significado do ato protagonizado pela UNE, UBES e outras organizações sociais que compõem a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) no dia 16 de agosto de 2005 em Brasília?


 


Em meio a maior crise patrocinada pela oposição conservadora contra o governo Lula e pressionado pelos grandes meios de comunicação que cobravam insistentemente dos estudantes uma atitude similar ao que foi o Fora Collor, o movimento estudantil brasileiro soube manter sua independência (inclusive em relação ao chamado senso comum), se posicionar de forma coerente e ocupar as ruas com uma mensagem política que nada agradou a essa elite golpista: Com Lula, contra a corrupção, pelas mudanças!


 



Talvez aquele dia tenha sido o mais importante e, portanto, decisivo na sustentação do governo Lula, pois sem as massas nas ruas para gritar o Fora Lula a tese de impeachment logo perdeu fôlego e deu lugar ao plano do sangramento do governo com vistas às eleições de 2006, que também não logrou êxito.
É fundamental recordar esses episódios e extrair suas lições.


 



Estivessem a UNE e a UBES dirigidas majoritariamente pelas mesmas forças que um dia após o 16 de agosto patrocinaram a manifestação do Fora Lula e Fora Todos (contando com o apoio direto das elites e seus meios de comunicação), qual teria sido o desfecho dessa crise política? Qual teria sido o estrago feito pela direita brasileira se essas combativas e conseqüentes entidades tivessem aceitado entrar em seu joguete? A resposta precisa e exata obviamente nunca a teremos, entretanto, podemos afirmar categoricamente que a desestabilização do governo teria sido muito maior e certamente teríamos vivido um outro cenário político, no mínimo mais turbulento.
Assim, os movimentos sociais em geral podem tanto contribuir para fazer avançar o projeto democrático e anti-neoliberal – como foi aqui no Brasil com a CMS – como também, por outro lado, retardar seu avanço.


 



Essa disputa que se caracteriza como ideológica não se dá apenas em nosso território. Na América Latina, por exemplo, alguns setores dos movimentos sociais, mesmo com inexpressiva base social e política, mas com grande aporte de recursos captados juntos a governos, empresas e outros organismos, promovem intensa insídia e formulações contra governos progressistas da região, dificultando o processo de integração e desenvolvimento econômico entre os países. E o que é pior, entidades históricas e combativas, que nos momentos decisivos poderiam estar jogando papel decisivo, algumas vezes são influenciadas e cooptadas por idéias e formulações pragmáticas, economicistas e sectárias desses setores mencionados.


 



É nessa seara que podemos presenciar casos emblemáticos, onde mesmo em meio a uma atividade de grande convergência dos movimentos sociais de nosso continente como foi a Cumbre Social pela Integração dos Povos realizada na cidade de Cochabamba, estudantes bolivianos (que, diga-se de passagem, nada têm a ver com a gloriosa Confederação Universitária Boliviana, a CUB) serem capazes de liderar uma manifestação relativamente prestigiada contra o governo Evo Morales, com as mesmas palavras de ordem dos reacionários Movimentos Cívicos que se opõem a Evo e ao Movimento ao Socialismo (MAS). Demagogicamente, e com a grande imprensa ao seu lado, exigem democracia, o que para eles significam tão somente a manutenção do status quo, ou caso haja mudanças que seja através do chamado 2/3 (dois terços) para aprovar a nova Constituição – o que na prática inviabiliza boa parte das políticas mudancistas, uma vez que a oposição de direita, aglutinada em torno do Podemos (Poder Democrático e Social), mesmo em minoria pode inviabilizar um conteúdo de fundo mais progressista no processo constituinte.


 



Aí reside um ponto chave e exemplar. São muitas as bandeiras defendidas por estudantes e até pelas massas em geral, porém nem todas são progressistas ou democráticas, sendo às vezes contraditórias e reacionárias, camufladas por um discurso oco, moralista e mesmo democrático e nacionalista. Qualquer ONG, por exemplo, pode ter enorme influência e inserção entre a sociedade e nem por isso representar necessariamente um pensamento avançado, nacionalista ou transformador (vide os sindicatos populistas ou ONGs ambientalistas, entre outras, financiadas por empresas multinacionais). Alguns desses movimentos e organizações empunham bandeiras de larga aceitação na opinião pública sendo algumas até justas. A pergunta chave a se fazer nesse caso seria qual a linha política seguida por eles e a serviço de quem estão.


 



No exemplo do movimento estudantil existe uma intensa e antiga campanha das elites para que ele seja instrumento da reação e quando o mesmo não se presta a esse serviço começam as provocações de todos os matizes insinuando que o estudante é alienado, que não é mais capaz de liderar grandes manifestações e outras instigações do tipo. Infelizmente a visão pragmática é forte nesse meio e por muitas vezes contribui para que várias entidades caiam nessa provocação infantil e em alguns casos, mobilizando certos setores notadamente da pequeno-burguesia, promovam manifestações de interesse das elites locais (que as vezes ganham até feição fascista, com métodos antidemocráticos como agressões, vaias dirigidas, atos de vandalismo e depredação, além do impedimento da fala de quem destoa do seu pensamento), beneficiando os intentos da burguesia.  Dessa forma, é de bom alvitre recorrer a Lênin que assinalava que para as massas se constituírem em forças motrizes do avanço não basta agitação e propaganda, mas, sobretudo que elas vivam sua própria experiência política e extraia daí seus ensinamentos.


 



Evo Morales precisa do apoio dos movimentos sociais para dar cabo ao seu projeto mudancista (e aqui é desnecessário mais uma vez destacar a centralidade da independência e autonomia dos movimentos), extrapolando os círculos indígenas. O movimento estudantil boliviano, mesmo sendo oriundo de um sistema de ensino superior altamente elitizado, precisa novamente se encontrar através da histórica CUB e dar respostas à altura a esse novo processo que se inaugurou um ano atrás. As forças separatistas, reacionárias e anti-democráticas precisam ser isoladas e os grandes meios de comunicação desmascarados com os estudantes nas ruas e nos campos mostrando que não são massa de manobra.


 



É justo e legítimo que os movimentos sociais de nosso continente apóiem um governo como o de Evo Morales que vem marchando contra o pensamento neoliberal, trabalha pela integração da América Latina e tem sido um dos que mais fez pelo espoliado povo boliviano em tão pouco tempo. Nesse um ano de governo, como se não bastasse a nacionalização dos hidrocarbonetos (que se dependesse da elite brasileira teria que enfrentar uma guerra contra o Brasil); a renegociação do preço do gás também com o Brasil e a Argentina; a criação da bolsa Juancito Pinto (uma espécie de bolsa-família mais modesta); convênios com Cuba e Venezuela que permitiram chegar aos recônditos mais inóspitos do território boliviano cerca de 2,5 mil médicos, máquinas agrícolas e professores; a nova Lei de Reforma Agrária, entre outras iniciativas, o governo do presidente Evo Morales conseguiu a façanha de, pela primeira vez em décadas, lograr um superávit fiscal a 6% do PIB, duplicar as exportações e auferir ao Banco Central reservas de 3 bilhões de dólares. Ou seja, é como bem intitula o artigo do jornal argentino El Clarín do dia 27 de dezembro, reproduzido no Portal Vermelho no dia seguinte: Economia boliviana vai bem, embora exista crise política.


 



E é justamente nessa crise política que se devem extrair ensinamentos do passado e também de outras experiências vividas, mesmo que sejam de outros países (também aqui é desnecessário tecer comentários sobre a importância de se respeitar as particularidades e tal). UNE, CUB e demais entidades estudantis da América Latina, patrocinadas pela OCLAE, devem estreitar as relações e dialogarem mais para caminharem juntas em torno de um projeto de integração regional, com ênfase na educação, o que passa pelo êxito do governo de Evo Morales e o isolamento das elites golpistas locais. Obviamente não se trata de ingerência, pelo contrário, de uma ação fraterna, solidária e internacionalista de promover a união de esforços e uma relação de ajuda mútua contra nosso inimigo comum: o imperialismo.


 



A história boliviana é prenhe de exemplos que confirmam o perigo da cisão e a contaminação por idéias forâneas e insidiosas contra a Nação. A própria divisão territorial do país, que perdeu sua saída ao mar e mais da metade de seu território original para Chile, Paraguai e Brasil, foi resultante de uma ulterior divisão: a dos lutadores e lutadoras do povo boliviano.


 



A CUB certamente contribuirá por unir o país para combater o inimigo central, e sabe que poderá contar com a ajuda dos irmãos e colegas estudantes da América Latina em geral e do Brasil em particular, que assim como seu primeiro presidente, Simón Bolívar, nos permitimos a sonhar com uma Grande América, justa, forte e unida para derrotar o imperialismo estadunidense, que “parecem destinados pela providência a castigar a América de miséria em nome da liberdade”, como bem vaticinava ainda nos idos de 1829.


 


P.S.: Mesmo distante geograficamente, comparto da dor vivida pelos amigos de Minas Gerais pela morte prematura de Diogo Pulião, jovem militante e dirigente do Partido Comunista do Brasil, que nos deixou essa semana. Na manifestação do dia 16 de agosto que menciono no texto acima, uma das bandeiras mais agitadas era justamente a sua: Esse é o cara!

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