Dirceu, o PT e as tábuas de Moisés

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José Dirceu

O conceituado jornalista Mino Carta inicia a introdução à entrevista concedida pelo ex-ministro José Dirceu à revista Carta Capital com uma referência bíblica: “Moisés não esculpiu nas tábuas o pecado da indiferença”, numa alusão a um sacrilégio que estaria sendo cometido pelo povo brasileiro diante das ameaças crônicas e constantes de Bolsonaro à democracia.

Na sequência, tece um elogio ao fato de Dirceu fazer o que ele considera uma autocrítica sincera por tratar-se do primeiro político que ele entrevista que reconhece que “o pecado do povo brasileiro não recai sobre ele, e sim sobre quem não soube organizá-lo”.

Vamos à palavra de Dirceu.

“É preciso fazer luta política, cultural, ideológica, para organizar o povo, e nós não organizamos. Por que não organizamos as mães do Bolsa-Família? Por que não organizamos os filhos do Pro-Uni? Nós subestimamos ou acreditamos ingenuamente que a elite brasileira, o aparato do Estado, a Justiça, as Forças Armadas e o Ministério Público aceitariam. (…) Mesmo depois de Collor e Fernando Henrique, o povo elegeu Lula duas vezes e Dilma também duas. E ia eleger a quinta vez depois do golpe, se tivéssemos uma eleição limpa, nós íamos ganhar as eleições de 2018. Então têm forças no Brasil, tem legado, tem memória, agora o problema é se nós estamos à altura destas forças. Parece que não. (…) Não estamos à altura deste povo, para organizá-lo, para mobilizá-lo, para conscientizá-lo”.

Estranho porque quando esteve no poder e era considerado o número 1 do governo e do PT, depois de Lula, não fez a tal “luta política, cultural e ideológica” que prega hoje com tanta desenvoltura, como se o grande equívoco fosse o fato de não terem organizado as mães do Bolsa-Família e os filhos do Pro-Uni, dois importantes programas de inclusão social, embora, o que permitiu os pobres chegarem à universidade tenha resultado numa brutal transferência de recursos públicos para poderosos conglomerados de ensino, hoje dominados em grande parte por fundações privadas internacionais sem nenhum compromisso com a nossa juventude, muito menos com o aprendizado consistente necessário a um país em desenvolvimento como o Brasil. Basta dizer que, no auge do programa, essas instituições privadas receberam mais do erário que as universidades públicas, mas foram essas últimas que, no mesmo período, geraram muito mais vagas e conhecimento, ou seja, desempenharam um papel social mais relevante que as aquinhoadas com dinheiro público.

Foi uma opção do governo à época.

Aliás, opção que transformou vários grupos econômicos nacionais, notadamente os que exploravam contratos com a Petrobras, entre outras estatais, em “multinacionais brasileiras”, pois esse era o objetivo, inicialmente inconfesso, mas, depois, declarado, afinal, era necessário dotar o país das condições para disputar no mercado com as grandes players internacionais. Pois bem, tal estratégia transformou muitas dessas corporações em monopólios ou oligopólios privados que cartelizaram serviços e obras em detrimento do interesse público, despindo-se, pelo seu novo caráter, da condição de nacionais, e associando-se, muitas delas, subalternamente, às megacorporações estrangeiras.

Tal estratégia não poderia dar certo, como também não seria possível manter por um longo período programas sociais indiscutivelmente importantes, que representaram um avanço significativo do ponto de vista da inclusão social, sem que as âncoras do modelo neoliberal de então (juros, câmbio e superávit primário), herdados dos períodos anteriores, não fossem substituídas por uma política econômica desenvolvimentista, com a redução dos juros praticados pelo BC nos patamares internacionais, o controle cambial e o alargamento do investimento público.

Como, então, “organizar e conscientizar o povo” nessa situação, e com legítimos representantes do capital financeiro privado, internacional e nacional, à frente da economia, como o foram Meirelles e, depois, Levy? Impossível! Nem Jesus operaria esse milagre.

Essa seria a autocrítica correta e, por isso mesmo, sincera por parte do ex-ministro.

Mas Dirceu vai mais longe. Para ele, o problema central, hoje, são os militares, e não Bolsonaro e suas milícias armadas e digitais que atuam à revelia das forças militares e nos sótãos da sociedade, vitaminadas o tempo todo pelo presidente e seu entorno familiar e político.

Diz o ex-ministro: “Quando Villas Bôas tuíta que não pode dar habeas corpus para o Lula, quando o Estado Maior do Exército se reúne no mesmo dia do STF… vemos que o poder está nas mãos dos militares (…) A formação deles é histórica, temos que recordar que o Estado Novo foi uma ditadura militar, quando Getúlio chamava Góis Monteiro, que pedia para o Francisco Campos, o Chico Ciência, redigir a polaca (…) Quando a FEB voltou da Itália, já cultivava a ideia do pró-americanismo, da democracia ocidental. (…) O governo Bolsonaro está militarizado. (…) O Mourão militarizou a Comissão da Amazônia, o Ministério da Infraestrutura. (…) Só detém o golpe a luta popular nas ruas, a resistência, o combate. Os acordos, conchavos, conciliações, não funcionam. Discursos não vão resolver. Tem de haver povo nas ruas”.

Aqui, cabem algumas considerações. Vamos às principais.

Dirceu prefere recorrer a uma mensagem do general Villas Bôas sobre um episódio, no mínimo, controverso, cujo mérito valeria outro artigo, ao invés de valer-se de inúmeras manifestações de figuras proeminentes das Forças Armadas, como as do o general Santos Cruz, para ficar em apenas um exemplo, em defesa da democracia e contra o golpe, como também não faz nenhuma referência aos inúmeros episódios em que Bolsonaro enxovalhou e humilhou militares, inclusive os de alta patente, desde que assumiu o governo. A escolha não é gratuita, pois, afinal, o alvo central não é Bolsonaro.

O líder petista vai mais longe, ainda, no tempo, atribuindo aos militares uma tal “formação” autoritária que vem do Estado Novo.

Sobre o que representavam o “velho” e o “novo” daquele período, ninguém melhor para tratar o assunto que Nelson Werneck Sodré, um dos mais destacados expoentes do pensamento nacional-desenvolvimentista, de formação militar, cuja contribuição intelectual foi decisiva para a compreensão do que se passava à época:

Ora, o que é velho e que é novo nesta fase? É velho, sem dúvida, o quadro do campo, em que as relações semifeudais impedem a ampliação do mercado interno; e velha a política de socializar os prejuízos, reduzindo o poder aquisitivo da massa demográfica ascendente; e velha a orientação de relegar o Estado à inércia; e velho o mercantilismo que se traduz numa curva ascensional em volume e decrescente em valor; e velha uma norma que nos aprisiona nos moldes da fazenda tropical produtora de matérias-primas para industrialização externa; e velho que nos subordina a razoes externas, por legitima que sejam no exterior; e velha, particularmente, a ideia de que o Brasil só se pode desenvolver com ajuda alheia e, principalmente, com capitais estrangeiros. E que é novo? Nova é a composição social que inclui uma burguesia capaz de realizar-se como classe e começa a compreender que a sua oportunidade é agora ou nunca, e que apresenta a classe média atenta e ideologicamente receptiva, pela maior parte de seus elementos, ao clamor que se levanta do fundo da história no sentido de que nos organizemos para a tarefa que nos cabe realizar, e uma classe trabalhadora que adquiriu consciência política e se mobiliza, a fim de partilhar do empreendimento nacional, vendo nele a abertura de perspectivas ao seu papel histórico. Novo é, pois, o povo. Nada ocorrera mais sem a sua participação. Nova é a indústria nacional, superada a etapa de bens de consumo e iniciada a de bens de produção, limitada embora pelo atraso na capacidade aquisitiva do mercado interno e onerada por uma política de obstáculos e de dúvidas. Volta Redonda é o novo que altera a paisagem brasileira e a Petrobras é o novo que afirma a nossa capacidade de realização sem interferências. Novo, em suma, é o Nacionalismo, que corresponde ao que nos impulsiona para frente e rompe com que nos entrava e entorpece.”

Dirceu, todavia, prefere uma análise simplista da história e, em especial, do papel dos militares, que já em 30, exerceram destacada ação progressista no processo de ruptura com o modelo agrário-exportador sustentado pela velha e corrupta oligarquia rural, a mesma que tentou voltar ao poder em 37, obrigando Getúlio a usar os instrumentos de poder que dispunha para manter o Estado a serviço da liberação das novas forças produtivas nacionais, especialmente da indústria sufocada até então pela condição primária predominante da economia, subordinada aos interesses externos.

Ceder aos feudos políticos e econômicos que sobreviviam em vários estados brasileiros em nome de uma suposta “democracia” era ceder à velha política responsável pela fraude de 29 e por manter o país no atraso econômico e social, ou seja, significava afrontar o interesse de uma sociedade cuja classe operária, classes médias e a própria burguesia nacional estavam ainda em formação, assim como o mercado interno, o que representaria, na prática, um grande retrocesso democrático.

A narrativa, no entanto, não representa nenhuma novidade, pois, já no seu nascedouro, o PT e seu braço sindical brandiam contra o Estado Novo associando-o ao fascismo italiano, assim como a CLT à Carta del Lavoro de Mussolini, numa afrontosa falsificação histórica, remediada pelas referências elogiosas a Getúlio quando Lula chegou ao poder, mas cujo reposicionamento parece ter sido uma mera formalidade diante do que representa aquela legislação brasileira até os dias atuais, agredida permanentemente pelos governos neo e ultraliberais.

A narrativa antigetulista não era nenhuma novidade, pois reproduzia os mesmos chavões vociferados pelos governos neoliberais que antecederam Lula e o PT.

O “pró-americanismo” atribuído à FEB após a Segundo Guerra também poderia ser considerado pelo prisma da poderosa influência geopolítica que os Estados Unidos passaram a ter no continente americano após o conflito, mas Dirceu prefere reforçar uma suposta subordinação dos militares brasileiros aos interesses da potência do norte, desconhecendo que foi precisamente os retrocessos econômicos e sociais acumulados a partir da saída de Getúlio do poder, em 1945, que o levaram de volta ao governo em 1950 pelo voto popular consagrador, derrotando o então candidato da UDN, brigadeiro Eduardo Gomes, representante da ala militar conservadora, e substituindo outro militar, o general Dutra.

Quatro anos foram suficientes para que o tal “pró-americanismo” se transformasse em anti-americanismo em razão das políticas de fortalecimento do Estado Nacional promovidas por  Getúlio, coroadas pela instituição do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobras, quando os EUA, já sob o domínio de gestões republicanas extremamente conservadoras, umbilicalmente vinculadas às corporações privadas do petróleo e das armas, teimavam em ter o Brasil, o maior e mais rico país latino-americano, como sua neocolônia, mesmo que para isso fosse necessário patrocinar um golpe de Estado, freado pelo sacrifício pessoal do presidente no histórico 24 de agosto de 1954, que aplacou a sanha golpista e adiou a ruptura constitucional, também cevada pelos EUA, 10 anos depois.

O foco de Dirceu continua contra os militares mesmo sob o governo miliciano de Bolsonaro. O problema, para ele, é a presença ostensivamente numérica de militares na máquina estatal, inclusive com o concurso do vice, general Mourão, e não de Guedes na Economia e sua política de devastação da indústria nacional à mando e à soldo do capital financeiro, como parece ser um problema menor um ministro no Itamaraty que conspurca a inteligência da diplomacia brasileira e agride a política externa independente do país erigida desde os tempos de Rio Branco, através de um servilismo patológico a Trump e ao negacionismo tosco do “filósofo” da Virgínia, ou mesmo uma figura patética à frente da Educação brasileira, construída ao longo da história por pensadores da envergadura de  Anísio Teixeira e Paulo Freire, cuja gestão restringe-se a um festival de agressões ao ensino público e aos educadores e à reprodução de pérolas nazistas. Ou, ainda, das ministras dos Direitos Humanos que tem ojeriza aos direitos humanos, ou da Agricultura, escancaradamente a serviço de latifundiários desmatadores. Coincidência ou não, todos civis.

Nesse quase um ano e meio de desgoverno Bolsonaro, a única ação positiva saiu do meio militar, com o lançamento do programa Pró-Brasil – um esforço quase desesperado de algumas lideranças militares de fazer o contraponto à política privatista e de terra-arrasada de Guedes, através de grandes obras públicas de infraestrutura, não por acaso ignorado e desqualificado pelo ministro da Economia desde o primeiro momento. Mas, pelo jeito, para Dirceu, isso é apenas um detalhe.

O problema são os militares e sua história de alinhamento às ditaduras, ignorando que mesmo a de 64, vertebrada por eles, contou com o apoio de parcela minoritária, embora ativa e estridente, a serviço do império norte-americano, quando a maioria preferiu o silêncio diante da decisão do presidente João Goulart de evitar a eclosão de uma guerra civil no país.

O fio condutor desse raciocínio só poderia levar à conclusão de que o “golpe” em marcha estaria sendo urdido pelos militares e não por Bolsonaro, embora persistam as exceções e excrescências representadas na figura polêmica do general Heleno, uma voz claramente dissonante do universo militar, e que a dissolução do movimento golpista só será factível, segundo o ex-ministro, por uma “frente de esquerda”, imune aos “acordos, conchavos, conciliações (que) não funcionam. Discursos não vão resolver. Tem de haver povo nas ruas”, argumentou, concluindo que “Fernando Henrique, Ciro Gomes, Marina e a Globo avançam para uma proposta de frente ampla e é evidente que vão trabalhar para uma transição por cima, já tivemos esta experiência no Brasil. Temos que trabalhar para uma ruptura e uma transição por baixo, nas ruas, como se deu na campanha das diretas, já”.

Aqui, uma coerência lastimável.

A “experiência” a que Dirceu está se referindo, certamente, é que a resultou na eleição de Tancredo Neves no terreno da ditadura em 1985, à qual o seu partido, à época, preferiu não participar, o que agradou – e muito, aos que pretendiam dar uma sobrevida ao regime ditatorial. Sua referência é à campanha das diretas, já, ignorando que as mobilizações que se seguiram à derrota da emenda Dante de Oliveira foram ainda mais intensas e amplas, fator determinante para a atração de forças que até então davam sustentação ao velho sistema.

Hoje, percebe-se, claramente, que o motivo central da rejeição do PT ao Colégio Eleitoral se dava simplesmente porque Lula não teria condições de ser o candidato das oposições, pois, obviamente, não as unificava. E, hoje, a oposição à Frente Ampla, revelada tanto por Dirceu como pelo ex-presidente, no fundo, tem a mesma natureza: Lula, como antes, não terá condições de ser o seu ponto de coesão, o que explica os discursos altissonantes contra as “conciliações” e de que “tem de haver povo nas ruas”, mas nada convincentes, pois descolados da realidade, como se as conciliações, em princípio – e todas elas, fossem negativas para o povo e a democracia, hoje ameaçada.

Para Dirceu, as “conciliações” aceitáveis, mesmo as impulsionadas por vigorosa mobilização popular, como a que levou à vitória de Tancredo e à derrota do candidato da ditadura, são as que convergem para o PT como força hegemônica. Não sendo possível isso, tais conciliações não interessam, como não devem contar com a sua participação.

Recorrentemente é isso que ocorre agora, com a diferença de que o Brasil já viveu a experiência do PT como força principal no governo, que, diga-se de passagem, não rejeitou, nessa condição, acordos e conciliações com figuras hoje execradas pela sociedade, tanto do mundo político como empresarial, embora tenham havido algumas exceções, como a que elegeu José de Alencar, empresário do setor produtivo nacional não monopolista, vice-presidente da República, cuja cruzada contra os juros extorsivos praticados pelo Banco Central de Henrique Meirelles era simplesmente ignorada pelo ministro petista da Fazenda, Antônio Palocci, e pelo próprio Lula, tanto que tal orientação foi mantida a pedido do “mercado” durante praticamente todo aquele período.

Aliás, Alencar, embora fosse de um partido de centro (ou de direita), o PL, era uma voz quase isolada no governo na sua luta contra a especulação que cronicamente drena os frutos do trabalho e da produção para os rentistas em um governo que teve a oportunidade de implementar o “projeto de desenvolvimento nacional” (…) uma revolução social, que é uma reforma radical tributária, uma reforma do sistema bancário”, pregado hoje pelo ex-ministro, “já que hoje a classe trabalhadora brasileira é expropriada nos juros e na estrutura tributária. (…) É uma mudança na estrutura política do país”, reverbera Dirceu, enfatizando o equivocado e nada científico conceito de “classe trabalhadora”, embalado há anos por quem buscou tergiversar ou, mesmo, anular, na prática e na teoria, o papel da classe operária, das classes médias e da burguesia nacional. 

Tal discurso, hoje, contra “acordos, conchavos e conciliações” e em favor do “povo nas ruas” soa, nesse contexto, como conversa hipócrita de quem, para Mino Carta, é “uma figura inequivocamente de esquerda”, ou, ainda, alguém de “princípios e crenças inabaláveis”, conforme confidência feita por Lula ao jornalista, tanto que não cedeu às tentadoras delações premiadas. É verdade, pelo menos o ex-ministro tem a preocupação de manter, ainda que na fachada, a performance de um dirigente de esquerda que por nada se abala.

A longa entrevista serviu para revelar com mais claridade a estratégia que Lula e outros próceres do petismo já haviam de alguma forma defendido: nada de frente ampla. A frente tem de ser de “esquerda” e contra, pelo menos da boca prá fora, Bolsonaro. O discurso anti-Bolsonaro tem a utilidade de manter uma polarização que interessa a ambos e que, em última instância, foi o elemento determinante para a vitória do pior governo de nossa história.

 Unidade, sim, mas em torno de Lula e do PT, daí a forte rejeição à ideia de ampliar a frente, não por uma questão de princípios, mas em razão do PT e Lula, na atual conjuntura, não disporem de condições de hegemonizá-la, muito menos encabeçá-la.  

Em 85, pela impossibilidade das diretas, entre Tancredo e a ditadura, preferiram, na prática, apostar na continuidade do velho regime, pois não teriam chances no Colégio Eleitoral.  

Hoje, optam pela permanência de Bolsonaro e a polarização com o mesmo para tentarem viabilizar, de novo, sua própria candidatura.

É a história se repetindo mais uma vez, como diria o velho filósofo, e, dessa vez, como farsa.

Duas perguntas e uma única resposta. A quem interessa, nesse momento, não ampliar a frente política contra Bolsonaro, como defendem Lula e Dirceu? Quem se beneficia, hoje, com a prevalência na oposição da centralidade do movimento tático pela frente de esquerda, como querem Lula e Dirceu? Resposta: Bolsonaro e Lula. Por uma questão de justiça, aqui, não elencamos o PT, na medida em que alguns dirigentes e militantes do partido tem se posicionado em defesa da frente ampla, ainda que essa não seja a posição dominante na direção partidária.

Felizmente, as forças políticas e sociais que têm algum apreço pela democracia escrevem, a cada dia, um enredo que aponta em sentido contrário ao pretendido pelas duas forças que disputaram as eleições de 2018 e, desse enredo, certamente surgirá uma solução para o país se livrar o mais rapidamente possível da tragédia bolsonarista.

Uma última consideração sobre uma afirmação (ou um chavão) que arranhou os ouvidos: “nós precisamos retomar o fio da revolução brasileira inacabada, para fazer uma revolução social pelos caminhos da distribuição da propriedade, da renda e da riqueza”.

A “revolução” a que Dirceu está se referindo, certamente, não é a iniciada por Getúlio em 30 e que, apesar de todos os sobressaltos e retrocessos, promoveu, até 64, com Jango, o mais espetacular e grandioso salto no desenvolvimento econômico nacional e nas conquistas sociais, interrompida pelo golpe de 64, mas sim à que teria sido principiada pelos governos hegemonizados pelo PT e freada pelo “golpe” contra Dilma… Mas, como ficar “inacabado” aquilo que mal começou do ponto de vista da necessária transformação na estrutura econômica do país em razão da manutenção do velho e surrado receituário neoliberal? Como distribuir “propriedade”, “renda” e “riqueza” com as receitas que eram determinadas em grande medida pelo “mercado” e postas em prática por seus representantes na Fazenda e no Banco Central?

A política social-distributivista, justa e necessária para aquele período, só poderia sucumbir diante da concentração da renda, da propriedade e da riqueza, hoje reclamada por Dirceu, nas mãos de poderosos conglomerados econômicos, agravada pela invasão do capital externo na apropriação de empresas brasileiras produtivas e competitivas. A equação então defendida por Mantega não teria como fechar…  As medidas de natureza distributivista deveriam estar subordinadas, se o interesse fosse a sua perenidade, forçosamente, à uma política central nacional-desenvolvimentista com base numa sólida aliança entre Estado Nacional, como condutor do processo, trabalhadores e empresariado genuinamente nacional não monopolista.

Encerremos pelo que começamos.

Mino Carta (que fez questão de aparecer na foto degustando uma garrafa do famoso Pêra-Manca presenteada pelo próprio ex-ministro), disponibilizou seis páginas para a entrevista com o “velho e bom amigo”, denunciou a “indiferença” da sociedade frente à atual situação que passa o país, desmerecendo as inúmeras manifestações pela vida e a democracia, desde os atos massivos, especialmente dos jovens e professores, em defesa educação ainda em 2019, entre tantos que aconteceram pelo país afora, apesar do forçoso distanciamento social, destacando que tal elemento não foi inscrito nas tábuas de Moisés.

Faltou lembrar e ressaltar um dos mais importantes mandamentos expresso desde aqueles tempos com muita propriedade e que continua atual como nunca, conforme Êxodo 20:12: “Honra teu pai e tua mãe (na política, a Nação, a Pátria, gr. nosso), para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá.”

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