Dorival Caymmi universal

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Dorival Caymmi, 1956 | Domínio Público/Arquivo Nacional

Hoje, aniversário de Caymmi, eu não queria repetir o que já escrevi sobre ele. Então pesquisei um pouco mais para não cansar o leitor. Assim, retorno a partir de certo e determinado ponto.

Em texto anterior, observei que havia nas composições de Dorival Caymmi uma lembrança antiga, de infância, quando cantávamos suas músicas sem nunca ter ido à Bahia, sem compreender mesmo o sentido de saudade. Cantávamos pela música, pela melodia, deveríamos dizer. Ou porque, talvez, as crianças sentem o mundo sem saber a razão. 

E perguntei: na canção de Caymmi existe uma profecia pessoal, uma antecipação do destino só meu e de mais ninguém? Ou seria, mais propriamente, uma antecipação de toda a gente, um fiel a marcar a esperança e desesperança de toda uma humanidade? Nisso não estava mesmo a vitória da arte, o de falar a uma só pessoa, quando fala na verdade para todas as pessoas? Isso me ocorria, porque percebi que todo homem tem um menino dentro de si, que deve ter sido feliz algum dia. Até mesmo em meio ao maior desassossego, alguma breve felicidade o menino teve. Todo homem. Daí que a gente, com esse exclusivismo besta, ficava a pensar que Caymmi era o mestre, o menestrel somente da gente, e de mais ninguém. Só louco.

Mas agora descubro na BBC Brasil essa universalidade do coração de Caymmi em todo o mundo. Lá, entre as pessoas da Rússia, que fazia parte da União Soviética:

“Joselia Aguiar relatou um caso que ilustra bem a popularidade da música de Caymmi entre jovens russos.

‘Durante as entrevistas para a biografia de Jorge Amado, o poeta baiano João Carlos Teixeira Gomes me contou uma história engraçada. O sonho dele era conhecer Odessa, por causa do filme O Encouraçado Potemkin, do Eisenstein. Ele queria sentar na escadaria que ficou famosa pela cena do carrinho de bebê que sai desgovernado. E ele estava lá sentado em Odessa, deslumbrado, quando ele vê passar um grupo de alunos de uma escola, numa espécie de desfile, e eles estão cantando ‘Minha jangada vai sair pro mar…’, em russo. Ele está todo feliz, vendo aquela cena, e pensa ‘acho que estou morrendo’. ‘Isso deve ser um derrame’. Ele não achava possível que o Caymmi fosse cantado nas ruas de Odessa. E assim ele foi entender o quanto essa canção ficou conhecida — por causa do filme sobre o romance Capitães da Areia de Jorge Amado”.

Lindo isso, não? O poeta vai a Odessa para ver o lugar onde foi filmado o clássico O Encouraçado Potemkin, e lá descobre o clássico da sua primeira infância na Bahia. A gente já sabia, claro, que Caymmi havia sido internacionalizado por Carmen Miranda em Hollywood. Mas não sabíamos do reflexo da sua música entre jovens nas cidades russas.

“Rebatizada nos anos 1970 de Capitães da Areia, a música de Caymmi passou a ter vida própria, principalmente depois de ser gravada, em 1997, pelo conhecido grupo de rock Nestchástni slútchai.

No YouTube há inúmeros clipes de cantores/as ou instrumentistas russos tocando ou cantando a música. No ano 2002, ela apareceu em um famoso e popular seriado russo chamado Brigada. Em uma festa de casamento, a música é tocada pela banda a pedido de um dos presentes em homenagem ao noivo e a memórias compartilhadas — o que reforça a impressão de que a canção de Caymmi, foi, na URSS, uma espécie de símbolo da passagem da adolescência para o mundo adulto”.

O que é que o gênio de Caymmi tem? Universal, e falando só pra gente.

Aqui, um trecho da música no filme

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