A educação salva? Os limites da educação na sociedade capitalista

A pedagogia pós-moderna neoliberal apresenta como objetivo da escola o desenvolvimento da criticidade, da reflexão e da cidadania

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A máxima só a educação salva é reproduzida por todos, sendo um consenso entre liberais e progressistas, senso comum entre a população. Se é um consenso e defendida por todos, por que ainda vivemos uma crise na educação?

Newton Duarte nos ensina que as “crises são propícias, nos obrigam a compreender as raízes da crise e pensar alternativas à sua superação”.

Em meio ao combate ao absolutismo e à escravidão surge a escola, que nasce progressista, pública e defendendo os princípios de uma educação universal, gratuita e laica. Tal instituição surge como instrumento de combate da burguesia contra a sociedade feudal. A partir do momento em que essa mesma burguesia deixa de ser classe revolucionária, assumindo o papel de classe dominante hegemônica e conservadora, a escola e a educação passam a ter que cumprir outro papel – o de instrumento de manutenção da classe dominante. Para a burguesia, não é mais interessante a socialização do saber como forma de emancipação do homem, mas é necessário o desenvolvimento intelectual de uma massa trabalhadora. Aqui, reside a contradição enfrentada pela classe hegemônica no poder: como elevar o nível intelectual dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, mantê-lo limitado ao processo de reprodução da força de trabalho, tão somente?

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A pedagogia pós-moderna encontrou no discurso das competências e habilidades a solução para tal dilema, utilizando o slogan “Aprender a Aprender”, para impor uma educação moral à classe trabalhadora. Nessa pedagogia são valorizadas as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo e a transmissão de conhecimento e experiências do outro não são mais importantes. Defende-se que a atividade educativa, para ser importante, deve partir dos interesses e necessidades da própria criança. Por fim, a partir do discurso de desenvolvimento de competências socioemocionais, preza-se pela preparação de indivíduos capazes de acompanhar e adaptar-se ao processo acelerado de mudanças da sociedade capitalista.

Inicialmente, é sedutor tal discurso, afinal, quem é contra a autonomia do indivíduo e a valorização dos interesses das crianças? A questão apresentada é: onde reside o conhecimento historicamente produzido pela humanidade neste processo?

Uma escola democrática é aquela que oferece conhecimento aos seus alunos. A pedagogia pós-moderna neoliberal apresenta como objetivo da escola o desenvolvimento da criticidade, da reflexão e da cidadania. O que deveria ser encarado como consequência da educação passou a ser objetivo.

A escola deixa de objetivar a construção do conhecimento, fazendo com que estudantes tenham contato com o que já foi criado pela humanidade, impedindo, assim, o desenvolvimento de novas relações com o saber:

O desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva é consequência da relação construída no interior da escola, que deve prezar pela valorização e construção do conhecimento, partir do empírico, para a análise da abstração, construindo um todo para chegar ao concreto. Somente reconstruindo o concreto é que podemos chegar ao conhecimento. É nas mediações deste percurso dialético que se desenvolve a capacidade crítica e reflexiva, mas o objetivo, o ponto de chegada, é o conhecimento (SAVIANI).

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Os comunistas reconhecem a escola como Instituição fundamental para a instrução da classe trabalhadora. Por isso, não podemos defender somente acesso à educação, pelas instalações das escolas. A nossa luta é por uma escola de tipo unitário, a escola da cultura, do ensino justo da história, da verdade (sem relativismos), que permita a formação de indivíduos que realizem plenamente a existência humana. Dessa forma, não podemos menosprezar o papel do conhecimento no processo educativo. Aqui lembramos Saviani e Newton Duarte:

[…] o saber objetivo constitui parte dos meios de produção, ele também se encontra perpassado, na sociedade capitalista, pela contradição entre a socialização do trabalho e a apropriação privada dos meios de produção, contradição essa que só pode ser superada com a superação do capitalismo. Ora acreditar na ideia de que as tecnologias de informação efetivamente possibilitassem a socialização do saber seria, por consequência, acreditar que o capitalismo estaria socializando os meios de produção”.

Ademais “[…] por outro lado, afirmar que a escola deva privilegiar ‘o desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas’ em detrimento da tarefa de transmitir conhecimento significa, na prática, para a maioria da população, produzir aquele aligeiramento da educação” (SAVIANI; DUARTE)

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Vivemos em uma sociedade dividida em classes com interesses antagônicos e nós comunistas precisamos compreender que a luta por educação é uma luta política, econômica e ideológica. Não é à toa que todos demandam atenção aos debates sobre educação e o lema “só a educação salva” perpassa tanto o discurso do progressista quanto do liberal. O capitalismo precisa oferecer à grande maioria da população uma educação que prepare o trabalhador mais adequados aos novos padrões de exploração. Para isso, associa-se o conhecimento a um pragmatismo, ensinando só o que for necessário para a utilização imediata, educando para a qualificação exigida pelo processo produtivo e limitando a cultura ao seu cotidiano, para impedir que o trabalhador domine o conhecimento em níveis mais elevados, o que dificultaria a sua exploração. Saviani, mais uma vez, nos alerta que o saber e o conhecimento são perpassados pelas contradições do próprio capitalismo:

[…] sob a ótica da existência, no capitalismo, da contradição entre a apropriação privada dos meios de produção e a socialização do trabalho, contradição essa que, no limite, cerceia o desenvolvimento das forças produtivas, posto que esse desenvolvimento exigiria a socialização dos meios de produção. O saber objetivo, também seria no capitalismo, atravessado por essa contradição por constituir-se o saber também num meio de produção.

O conhecimento é um produto do trabalho da educação e precisa ser socializado. O que nos diferencia dos liberais é a defesa da socialização plena dos conhecimentos. Nos acusam de conteudistas, enquanto, na verdade, somos defensores da socialização do conhecimento historicamente produzido. Ao nos atacarem, esvaziam currículos. A questão não é a formulação de currículos conteudistas, mas os conteúdos devem ser vistos na perspectiva histórico-crítica, em que o conteúdo e a forma estão dentro de uma concepção de mundo, uma ampla concepção sobre os vários aspectos que caracterizam os seres humanos e as sociedades. 

Precisamos combater com firmeza discursos nos quais o objetivo é o esvaziamento completo do sentido da educação, que objetivam ensinar qualquer coisa, a fim de criar cidadãos completamente adaptáveis ao mercado e esconder as contradições do capitalismo. Fazem isso transferindo para o indivíduo a responsabilidade em aprender, como se a escola fosse apartada da realidade histórica.

O nosso compromisso é com a construção de uma nova sociedade e, para efetivação desse compromisso, a educação é estratégica para a formação do novo homem. Não podemos nos furtar desta luta política, nem permitir fragmentações do discurso, que transferem a luta para o campo das denúncias de injustiças e reinvindicações jurídicas. A nossa luta não é pela educação, mas por uma educação emancipadora, que permita ao homem a tomada de consciência de classe, levando à necessária e imprescindível luta pela tomada do poder.

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