Escola em período integral: educação ou assistencialismo?

A escola integral não pode, nem deve representar somente maior carga horaria das crianças dentro das escolas

Foto: Caio Cestari/A2IMG.

Se as circunstâncias em que este individuo evolui só lhe permite um desenvolvimento unilateral, de uma qualidade em detrimento de outras, se estas circunstâncias apenas lhe fornecem os elementos materiais e o tempo propício ao desenvolvimento desta única qualidade, este individuo só conseguirá alcançar um desenvolvimento unilateral e mutilado” (MARX; ENGELS, 1998, p. 28).

Esta polêmica, a meu ver, não deveria existir. Não há indissociabilidade entre cuidar e educar e o compromisso com o pleno desenvolvimento. Cada ação voltada para os alunos pode influenciar o desenvolvimento em determinada direção. A educação é um ato de intencionalidade (ou pelo menos deveria ser) e cada ação deve estar orientada para o tipo de indivíduo que se pretende formar, tendo em vista o tipo de sociedade que se almeja.

O foco agora em São Paulo são as escolas de Período Integral. Existem aqueles que advogam contra essa ideia e criticam dizendo que essas escolas têm caráter assistencialista e que antes de implementá-las seria necessário um ensino de boa qualidade no período parcial. Para esses, o importante é a socialização e a apreensão de conhecimentos.

Os a favor argumentam que o maior tempo na escola garante ao jovem e ao adolescente um menor abandono por parte do Estado, garantindo segurança contra violências físicas, uma adequada alimentação e justiça social.

Notamos que os dois argumentos se complementam. É a velha máxima, “não podemos jogar a água do banho fora junto com a criança”: “As discussões a respeito da validade ou não dessas propostas, entretanto, não raro derivam para o campo das posições passionais, ou para a defesa de interesses de grupos ou pessoas, sem levar em conta a população alvo da escolarização” (PARO, 1988, p. 13).

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Desde 1996, São Paulo garantiu a universalização do ensino. O programa Ensino integral foi criado pela Lei complementar 1.164, de 04 de janeiro de 2012, em 2020, eram 664 unidades. Hoje, são 2050 escolas em 464 municípios essas escolas têm, em média, de 7 a 9 horas de atendimento diário, portanto, não é novidade por aqui.

Outro fator que não podemos esquecer é que a luta por uma escola integral é uma luta histórica tanto dos movimentos de educação como de tantos movimentos sociais. Crianças e jovens devem estar nas escolas, interagindo e tendo contato com todo conhecimento que já foi produzido e legitimado pela sociedade.

Não por acaso deixamos algumas problematizações para agora (o leitor mais atento já deve estar enfurecido até aqui). É evidente que a escola integral não pode, nem deve representar somente maior carga horaria das crianças dentro das escolas. Os pioneiros da Educação já apontavam que era preciso: promover o direito do indivíduo a uma educação pública, que alcançasse diversas dimensões da sua formação; promover o direito biológico de cada indivíduo à sua Educação Integral; promover condições que atendessem às necessidades da Unidade a se aparelharem, de forma a alargar os limites e o raio de ação, e promover a Educação Integral sob as diversas dimensões do sujeito. Deve-se, como propósito essencial, promover o desenvolvimento pleno integral dos estudantes, considerando as suas dimensões intelectual, social, emocional, física e cultural, o que podemos denominar de o homem omnilateral.

Foto: Emerson Ferraz

Pensemos um pouco sobre o que foi a implementação da proposta dos Centros Educacionais Unificados (CEU), que converge com a ideia de ofertar uma educação integral, uma educação que entenda os estudantes em todas as suas dimensões (intelectual, física, social, emocional e cultural). A ideia é superar a fragmentação da educação, promover e articular conhecimentos, habilidades, atitudes e valores. A educação integral é um direito à formação de um cidadão pleno. O acesso ao esporte, à cultura e ao lazer colabora para o desenvolvimento de aspectos cognitivos, educativos, afetivos e sociais.

No entanto, basta uma leitura rápida no modelo pedagógico do ensino Integral do Estado de São Paulo, que percebemos que a história não é bem essa. Depois dessa breve leitura, é só circular por algumas escolas Estaduais ao seu redor, que logo perceberemos que alguma coisa está fora da ordem. Faltam professores – existem estudos que apontam que houve 44.939 aulas não atribuídas na rede, sendo 19.996 no primeiro semestre e 24.943 no segundo. Isso quer dizer que um quarto das aulas dos itinerários formativos estavam sem professor para ministrá-las, ou seja, todos os dias milhares de estudantes da maior rede de ensino do país ficam sem aula. O Modelo Pedagógico de Ensino Integral de São Paulo é totalmente estruturado a partir da BNCC.

O Movimento pela Base surge de forma legitima, mas foi surrupiado pelas classes hegemônicas, que não compreendem a educação como um movimento de desenvolvimento pleno, mas como instrumentos de treino e aperfeiçoamento para a produção. A BNCC defende a pedagogia das competências e é apresentada como novidade, mas é, claramente, direcionada para a formação de seres humanos a obter aptidões e habilidades para o trabalho cada vez mais escasso e precarizado. Para ilustrar, apresentaremos somente alguns conceitos presentes no documento: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser, tudo isso de forma adaptável à sociedade do século XXI, a sociedade moderna e dinâmica.

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Outro conceito interessante é “A pedagogia da presença”, que segundo o documento seria que; São “o educador (porque não existe o papel de professor neste novo contexto) precisa se aproximar dos jovens com alegria, devem estimularem os jovens” e “a função do educador e da escola ultrapassa a ideia de uma formação estritamente acadêmica e se configura, proporcionando assim um ambiente de liberdade” (São Paulo, 2021).

Pensar a escola dessa forma, é típico de quem não tem conhecimento ou comprometimento com uma educação de qualidade social. O processo de ensino e aprendizagem envolve diversos fatores; os prédios escolares não são somente espaços físicos, numa escola tudo é pedagógico, tudo é currículo, cada pedacinho, cada professor e professora, cada estudante, todos os funcionários, tudo deve fazer parte do projeto político pedagógico da escola.

Sugerir aumento de jornada para estudantes e professores, sem repensar currículos e planos de carreiras, formação continuada e investimentos é o projeto de privatização do ensino sendo posto em prática. A proposta é uma administração privada em parcerias com Instituições ditas filantrópicas desses espaços, isso é, na verdade, a implementação de uma política mercadológica. A redução de custos se faz em empresas e a escola não pode ser empresa ou um negócio. Não se reduz custos com a educação. A educação é um direito que deve ter cada vez mais investimentos.

Por aqui, este texto já se alongou demais, deixemos outros elementos para outro artigo, o que vale é a reflexão: Atualmente, existem problemas na gestão desses espaços, mas a solução encontrada de ser contra as Escolas de Ensino de Período Integral não aparenta ser a melhor alternativa. Ao invés de entregarmos esses poderosos equipamentos à lógica do mercado, deveríamos debater junto à sociedade a importância de investimentos públicos em educação, analisando propostas pedagógicas que auxiliem na formação de crianças, jovens e adultos; formação comprometida com a construção de uma sociedade autônoma, capaz de aturarmos dentro das contradições que nos são impostas. Para isso, não devemos ter dúvidas: faz-se extremamente necessário derrotar o bolsonarismo no Brasil e em São Paulo, elegendo Lula, Haddad e uma bancada de parlamentares aguerridos e comprometidos com a classe trabalhadora.

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