Fidel Castro e a máfia dos gusanos

“Nesta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana”.
Citação de um outdoor no trajeto do aeroporto de Havana.

O anúncio lido na noite de 31 de julho pela televisão cubana, de que o presidente Fidel Castro se afastaria temporariamente de suas funções devido a uma “crise intestinal aguda” que o levou a fazer uma “delicada cirurgia”, tem causado reações bem distintas no mundo. Enquanto os setores progressistas torcem pela sua rápida recuperação, o governo imperialista-terrorista dos EUA, as poderosas corporações empresariais, a repugnante máfia de anticastristas em Miami e algumas carpideiras brasileiras não escondem a sua torcida mórbida pelo falecimento do líder da revolução cubana. A mídia burguesa veicula todo dia, com enorme estardalhaço, as minguadas carreatas dos gusanos (vermes, traidores) nas ruas da Flórida – mas sabota a difusão das imagens e das mensagens de solidariedade a Fidel Castro e ao consternado povo de Cuba.


 


A excitação do império e dos gusanos é emblemática. Eles nunca aceitaram a sua derrota nesta pequena e heróica ilha. Antes um “bordel” e o “pátio traseiro” dos EUA, depois da revolução ela se tornou “o único país do mundo em que não há ninguém abandonado, sem proteção social, dormindo na rua. O primeiro do mundo a terminar com o analfabetismo. O único que pode se orgulhar de ter um mínimo de nove anos de escolaridade para toda população. O único com um sistema de saúde universal, que atende gratuitamente a toda sua população, com a melhor saúde pública do mundo. O país que desafiou o império a pouco mais de 100 quilômetros da maior potência bélica da histórica da humanidade, afirmou sua soberania e vontade de construir uma sociedade justa e solidária, socialista”, segundo a síntese do sociólogo Emir Sader.


 


Ou ainda, nas sábias palavras de Frei Betto, a Cuba de Fidel “é o único país da América Latina que logrou universalizar a justiça social. Toda sua população de 11 milhões de habitantes goza dos direitos de acesso gratuito à saúde e à educação, o que mereceu elogios do papa João Paulo II em sua viagem à ilha, em 98. Seria o paraíso? Para quem vive na miséria em nossos países – e são tantos – a cidadania dos cubanos é invejável. Para quem é da classe média, Cuba é o purgatório; para quem é rico, o inferno. Só suporta viver na ilha quem tem consciência solidária e sabe pensar em si pela ótica dos direitos coletivos. Ou alguém conhece um cubano que deu as costas à revolução para, em outra parte do mundo, defender os pobres?”.


 


Essa experiência, tão rica nas enormes adversidades, é que explica o ódio do imperialismo e da burguesia cubana expropriada de suas riquezas e que hoje vive sob as benesses dos EUA. Por isso, eles “rezam” pela morte do líder revolucionário. “Fidel é a personificação de conquistas extraordinárias. É o Spartacus triunfante, que derrotou a Roma norte-americana; é o Quixote indomável que sintetiza a clarividência de Martí e o heroísmo de Che. É um exemplo que demonstra que o socialismo não é uma utopia, mas, como dizia José Mariátegui, uma criação heróica dos nossos povos. Por sua exemplaridade, a revolução cubana é insuportável e imperdoável para o imperialismo e seus aliados”, afirma o intelectual Atílio Borón.


 


O sinistro plano colonialista


 


O motivo desta morbidez também é sórdido. Os derrotados do passado sonham em retomar suas riquezas e seu poder. O dissidente Tom Crumpacker, ativista da Coalizão de Miami pelo Fim do Bloqueio, revelou que em junho a “Comissão de Assistência para Cuba Livre”, co-presidida pelos secretários de Estado e de Comércio do governo George Bush, apresentou seu novo “plano de transição após a morte de Castro”. O exaustivo relatório detalha os passos para a recolonização de Cuba. Prega a privatização dos serviços de saúde, educação, exploração de níquel e turismo; destaca a exploração privada do petróleo descoberto ao norte do mar cubano; e fixa a retomada ou a indenização das propriedades desapropriadas pela revolução.


 


Segundo descreve, o plano orienta que “as atividades desestabilizadoras sejam incrementadas nesta fase, especialmente os projetos de transmissão ilegal de rádio e televisão, e que a moeda cubana seja sabotada mediante o recrudescimento do bloqueio, com multas aos bancos estrangeiros que efetuarem transações financeiras e com recompensas aos governos que diminuírem as suas relações comerciais. O plano afirma que ‘os primeiros seis meses após a morte de Castro serão cruciais’ e defende a imposição de um Governo de Transição em Cuba (GTC), nos moldes do Afeganistão e do Iraque”. Caleb McCarry, coordenador da Comissão de Assistência para Cuba Livre e principal artífice do recente golpe contra o presidente haitiano Jean Bertrand Aristide, já teria sido indicado como “pró-cônsul de Bush para a anexação de Cuba”.


 


Como se observa, a ambição é enorme. Porém, outros planos colonialistas já frustraram o imperialismo e os gusanos. O criminoso bloqueio econômico, que já dura 47 anos; as centenas de sabotagens da CIA; e o fim do bloco soviético, que resultou no difícil “período especial”, não conseguiram derrotar a revolução. Isto porque ela não depende somente da heróica figura de Fidel Castro. Sua força deriva de suas próprias conquistas, do forte sentimento antiimperialista dos cubanos e das várias formas de organização popular. “Os de Miami são vítimas de sua propaganda. Construíram em seu imaginário um país e uma revolução que dependem apenas da existência de um homem. Quiçá a doença de Fidel constitua a ocasião para desmentir esta mistificação, ampliada e reforçada pela mídia”, comenta o jornalista cubano José Vidal.


 


Numa recente palestra na Universidade de Havana, o próprio Fidel Castro advertiu para os futuros riscos da revolução cubana. “Quando os veteranos desaparecerem, o que fazer e como fazer?”. Como resposta, ele insistiu na necessidade da renovação das energias revolucionárias, num processo que está em curso há algum tempo. “A maioria dos membros do Birô Político do Partido Comunista tem de 40 a 50 anos e cada vez mais jovens são chamados a ocupar funções estratégicas. Como 70% da população nasceu no período revolucionário, não há indícios de anseio popular pela volta ao capitalismo. Cuba não quer como futuro o presente de tantas nações latino-americanas, onde a opulência convive com o narcotráfico, a miséria, o desemprego e o sucateamento da saúde e da educação”, relata o sempre bem informado Frei Betto.


 


José Serra e as “decepções”


 


No Brasil, o estado de saúde do líder cubano, que completou 80 anos neste domingo, também tem gerado distintas reações. Várias personalidades, como Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Fernando Morais e Frei Betto, assinaram um manifesto – que conta ainda com a adesão de oito prêmios Nobel e de intelectuais como Noam Chomsky, José Saramago e Eduardo Galeano – exigindo que “a soberania de Cuba deve ser respeitada”. Após criticar a frenética excitação do governo Bush “com o estado de saúde de Fidel Castro e a delegação provisória de seus cargos”, o texto alerta para um risco iminente. “Ante a ameaça crescente contra a integridade de uma nação, a paz e a segurança na América Latina e no mundo, exigimos que o governo dos EUA respeite a soberania de Cuba. Devemos impedir a todo custo uma nova agressão”.


 


Já o presidente Lula enviou carinhosa mensagem ao líder cubano. “Em nome da amizade que nos une e da luta que travamos em favor do desenvolvimento e da igualdade entre os povos, quero transmitir os votos de pronta recuperação. Estou aqui expressando o meu sentimento pessoal, o do meu governo e o de seus muitos amigos no Brasil”. Ambos se conheceram em Manágua, em 1980, nas comemorações do primeiro aniversário da revolução sandinista. Em 1995, o líder cubano fez questão de ir almoçar um “frango com polenta” na casa de Lula, em São Bernardo. O contato mais recente entre os dois presidentes se deu em Córdoba, na Argentina, em julho, quando Cuba participou pela primeira vez da Cúpula do Mercosul. 


 


No outro extremo, a mídia burguesa e alguns expoentes da direita reforçaram o cortejo mórbido contra Fidel Castro. Articulistas bem pagos e bem relacionados com as elites decretaram que o líder cubano “já morreu” e festejaram “o fim da era Fidel Castro”. Entre os políticos conservadores, não causou surpresa a declaração de Geraldo Alckmin. Adepto da seita fascista Opus Dei, ele teve a desfaçatez de afirmar que “Fidel é uma figura do passado”. A entrevista mais deprimente, porém, foi a de José Serra, candidato ao governo paulista. “Fui um grande admirador de Fidel na época da revolução cubana e nos primeiros anos da década de 70. Hoje, para mim, o Fidel é uma decepção”, afirmou à agência Reuters. Demonstrando sua frieza, ele arrematou: “Não fico triste com a doença dele, aliás, não fico triste com a doença de ninguém”.


 


De decepção, o ex-prefeito realmente entende. Ativista de esquerda nos anos 60 e exilado político durante a ditadura, Serra virou um político pragmático e cúmplice do governo neoliberal de FHC, que devastou a nação, promoveu a privataria do Estado e bateu recordes de desemprego. Como ministro da Saúde, ficou famoso por demitir seis mil mata-mosquitos contratados para eliminar os focos do Aedes Aegypti, o que resultou numa epidemia da dengue responsável por 207 mil doentes e 63 mortes. Eleito prefeito em 2004, comprometeu-se por escrito a não renunciar ao cargo. Realmente, José Serra é uma grande decepção – seja para os eleitores traídos, para as vítimas da dengue, para os milhões de arruinados no reinado de FHC e também para os que ainda acreditavam que ele preservava alguma posição progressista do passado.

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