Filosofia, ciência, desenvolvimento

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Michel Paty (1938, Emérito no CNRS) [1], célebre filósofo da ciência e físico francês escreveu certa vez que a ciência opera por conceitos: “ela pensa”, disse. Sendo distinta da filosofia, isto não as impede de terem pontos em comum, de certo parentesco ou de trilharem caminhos de concordância “às vezes”. Teoricamente, a ciência é conhecimento que descreve; a filosofia, conhecimento que se interroga sobre si mesmo questionando suas significações. Ciência e filosofia pertencem também ao mundo da linguagem, [2] com discursos diferentes, sendo que “uma mesma exigência de racionalidade as conduz”, disserta Paty, numa concisa e maravilhosa, biografia (“Einstein”, Estação Liberdade, 2008). [3]

Albert Einstein (1879-1955), [4] sábio e cientista revolucionário, nascido na antiga Prússia (Ulm) alertara, no ano da ascensão de Hitler, em “Ciência e civilização” (1933): naqueles tempos de adversidade econômica se revelava o vigor das forças morais de um povo. A crise mundial – analisava Einstein -, com sofrimento e privações para as massas populares, “são responsáveis, em certa medida, pelas perigosas convulsões de que somos testemunha”. Podemos salvar “a humanidade e suas conquistas espirituais?”, perguntava então (Apud: “Meus últimos anos”, Nova Fronteira, 2017). Com o nazismo, Einstein demitiu-se da Academia de Berlim, e renunciou definitivamente à cidadania alemã.

Em “Por que o socialismo?” (1949), texto curiosamente sequestrado das referências de seu vínculo autoral, Einstein é absolutamente certeiro noutra matéria aparentemente longínqua: a anarquia econômica da sociedade capitalista, tal como existente então, “é, na minha opinião, a verdadeira fonte do mal”. E prossegue, baseado na descoberta de Karl Marx, acerca da lei da mais-valia, afirmando que o trabalhador recebe não pelo valor real dos bens que produz, “mas por suas necessidades mínimas” (Apud: “Meus últimos anos”, idem).

Einstein com Chaplin na première de Luzes da cidade em Los Angeles (jan. 19391). Quando Einstein
lhe perguntou o que toda aquela atenção significava, Chaplin respondeu: “Não significa nada”. [5]

Discorre Paty, na biografia citada, que Einstein era “cético” na política, mas engajado: escreveu carta a F. Delano Roosevelt, após o bombardeio nuclear americano a Hiroshima, militando junto a Bertrand Russell contra a corrida armamentista; denunciou frequentemente o controle da informação pela oligarquia do capital privado por “alterar o uso dos direitos políticos dos cidadãos”. No período da perseguição americana anticomunista do “macarthismo”, Einstein recomendou a recusa em se testemunhar na comissão de inquérito.

Einstein “pendia para o socialismo”, entretanto apontando-lhe o risco da burocracia. Mas, antes de tudo era “pela democracia”, afirma o cientista Paty (“Einstein”, idem, ibidem, 2007).

NOTAS

[1] Numa densa e brilhante entrevista de Michel Paty, realizada para a “Revista Princípios” (nº133, dez/jan. 2014), por nós, ele faz aguda crítica ao neoliberalismo: “É aqui o lugar de perguntar-se: afinal qual é o objeto da economia, que se pretende a ciência do movimento das sociedades? (…) Isso seria ciência? Todos podem responder: claro que não, isso é simplesmente enganação. (…) Este dogma não é, de maneira alguma, ciência – apesar das aparências e do vocabulário –, mas pura ideologia”. Ver: “Michel Paty e a ‘materialidade de nosso conhecimento do mundo material’”.
Aqui:file:///C:/Users/S%C3%A9rgio/Documents/Entevista%20com%20MIchel%20Paty_Barroso[2014].pdf

[2] No Prefácio a “Filosofia, linguagem e ciência”, Michel Paty (com J-J. Szczeciniarz), assinala que há uma “unidade sintética” entre a particularidade do conhecimento filosófico e sua relação com a linguagem, a história e com as ciências. Ver: “Filosofia, linguagem e ciência”, de Giles Gaston-Granger, São Paulo, “Ideias e Letras”, 2013, p. 10.

[3] Noutro abrangente estudo, “A física no século XX”, Paty afirma que as duas etapas da teoria da relatividade (restrita 1905; geral 1915), de Einstein, confluem para radicalizar a ideia da necessidade de modificação dos conceitos de espaço e tempo, atribuindo-lhes “um conteúdo físico ditado pelas propriedades gerais da matéria”. Noutros termos, sua teoria geral é uma reflexão crítica da primeira, sobre os conceitos e formulação das teorias físicas relacionadas “com a relatividade dos movimentos”. São Paulo, “Ideias e Letras”, 2009, pp.30 e 43).

Ou, nas palavras do gênio alemão Einstein, numa nota à 15ª edição de “A teoria da relatividade especial e geral” (Rio de Janeiro, Contraponto, 2015, 9ª reimpressão, p.9), datada de julho de 1952:

“(…) Quis mostrar que o espaço-tempo não é necessariamente algo que possamos atribuir uma existência separada e independente dos objetos da realidade física. Objetos físicos não estão no espaço (itálico de A.E.). Estes objetos são espacialmente estendidos (itálicos de A.E.). Assim, o conceito de ‘espaço vazio’ perde seu significado”.

[4] Valdimir Lênin, equidistante à teoria einsteiniana em si, porém em sintonia com o debate proposto na Revista “Sob a bandeira do marxismo”, assim se refere a Einstein, em março de 1922, no artigo “Significado do materialismo militante”:

“O artigo de A. Timiriázev sobre a teoria da relatividade de Einstein, publicado no número 1-2 da revista Pod Známeniem Marksizma, permite esperar que a revista conseguirá realizar também esta segunda aliança. [‘com os representantes da ciência natural moderna’, V. L.] (…) Se Timiriázev se viu obrigado a fazer no primeiro número da revista a reserva de que já se agarraram à teoria de Einstein – que, segundo diz Timiriázev, não empreendeu pessoalmente nenhuma campanha ativa sobre as bases do materialismo – uma quantidade enorme de representantes da intelectualidade burguesa de todos os países, isto não refere-se não só a Einstein, mas à toda uma série, talvez a maioria dos grandes transformadores das ciências naturais, a partir do século XIX” (São Paulo, Alfa-ômega, V. Lenine Obras Escolhidas, v. 3, p. 567).

[5] Fonte: “Einstein: biografia de um gênio imperfeito”, de David Bodanis, Rio de Janeiro, Zahar, 2017, p.168. “Gênio imperfeito” é espécie de tautologia da bobagem, coisa de marqueteiro metido a sabido. Mas, noutro estilo, a biografia do desse culto ex-professor de Oxford, é didática e possui momentos deliciosos.

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