Foi discurso para a base ou mais um tiro no pé?

O discurso agradou a manada, mas me parece que isto foi apenas um resultado da ação, pois a intenção era outra muito diferente e, mais uma vez, o genocida e seu estafe deram um tiro de canhão no pé

Ilustração: Aroeira

Parece ser um consenso entre a grande mídia e nos meios políticos que Bolsonaro foi à Assembleia Geral da ONU fazer um discurso para agradar e manter a sua base de fanáticos unida e apoiando-o. Certamente foi um discurso que agradou a manada, mas me parece que isto foi apenas um resultado da ação, pois a intenção era outra muito diferente e, mais uma vez, o genocida e seu estafe deram um tiro de canhão no pé.

Para a viagem, foi constituída uma comitiva de nada menos que dezoito pessoas, entre elas os ministros das Relações Exteriores, Economia, Segurança Institucional, Meio Ambiente, Segurança Pública, Turismo, Saúde e Secretaria-Geral, além do presidente da Caixa e do secretário de Assuntos Estratégicos. Uma comitiva numerosa se justificaria se fosse para viabilizar a realização de muitas reuniões bilaterais, o que se sabe, não estava na programação. O que existia era apenas uma reunião com Boris Johnson e outra com o presidente conservador polonês, Andrzej Duda. Nada que justificasse tamanha comitiva. Certamente não foram a Nova Iorque comer pizza na rua, churrasco em cercadinho e servir de claque na solenidade de abertura.

Na linha do acordão costurado pelo Centrão e Michel Temer nos pós dia 7, especulou-se que Bolsonaro faria um pronunciamento mais moderado e conciliador, procurando construir uma imagem externa e interna de um Jairzinho paz e amor. Afirmou-se que, inclusive, as recomendações de seus auxiliares mais próximos eram nesse sentido. Com certeza, esta seria a linha de interesse do Centrão, mas quem teve a paciência de analisar a composição da comitiva percebeu que não havia ninguém desse grupamento, de forma que era muito pouco provável que a estratégia fosse essa e que Bolsonaro atenderia a tal recomendação. Os objetivos já estavam traçados em outra perspectiva.

Quanto ao convencimento da comunidade internacional quanto aos argumentos apresentados por Bolsonaro, convenhamos, qualquer indivíduo com um mínimo de capacidade é capaz de buscar informações confiáveis para desmontar os dados por ele apresentados, o que dirá governos que contam com suas estruturas de inteligência. De concreto, reafirmou a orientação entreguista na economia, patrocinada por Paulo Guedes. Descaradamente, ofereceu o Brasil ao capital especulativo, como se o país fosse uma prostituta que precisa se vender por alguns trocados para ser usado, abusado e abandonado. Nos demais temas foi uma absoluto devaneio de questões desconexas.

Foto: Pool/AFP

Procurando surfar ainda na carcomida onda anticorrupção que o levou ao poder, promovida pela operação lava-jato e pela grande mídia, tentou se apresentar como o restaurador da moralidade. De forma patética, afirmou que “estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção”, como se não estivessem escancaradas para o mundo as revelações das maracutaias no Ministério da Saúde, o envolvimento do seu ex-ministro do Meio Ambiente com o contrabando de madeira, a aquisição de mansões pela família Bolsonaro em Brasília, o envolvimento do filho mais novo com picaretas lobistas, isto sem falar nas rachadinhas. Tentou convencer o mundo de que livrou o Brasil do socialismo que patrocinava o comunismo pelo mundo e que o seu governo – que é um dos mais isolados no mundo – recuperou a credibilidade do país perante as demais nações. Trágico para nós, piada para o mundo.

Não bastassem tais insanidades, mostrou ao mundo sua visão retrógrada no que diz respeito às questões ambientais, sua visão preconceituosa quanto às populações originárias e suas posições reacionárias nas dimensões sociais e políticas. Ao abordar o tema da pandemia, reafirmou toda sua visão negacionista. No entanto, analisando o pronunciamento friamente, Bolsonaro falou exatamente o que ele e a corriola de puxa-sacos que o acompanhou pensam. Excluindo a parte econômica, pois esta é da cabeça de Guedes, o que ele falou é o seu programa de governo.

Bolsonaro e essa turma de ministros acreditaram que o 7 de Setembro seria o acerto de contas com o Judiciário e o Congresso. Foram freados na intenção de golpe pelas posições firmes do Judiciário, de parlamentares, da sociedade civil organizada e até mesmo de setores empresariais. Em que pese o grande número de participantes em Brasília e São Paulo, as manifestações levaram Bolsonaro a um isolamento ainda maior, obrigando-o a recuar, pois o resultado foi quase colocar o impeachment na ordem do dia.

Diante do desastroso resultado da tentativa de golpe, imaginou retomar o espaço perdido fazendo uma jogada de mestre. Bolsonaro se utilizaria do direito do Brasil de fazer a abertura da Assembleia Geral da ONU de forma presencial, desembarcaria em Nova Iorque com uma grande delegação como cabe a um grande chefe de Estado, arrancaria audiências com importantes líderes e faria um pronunciamento que impactaria o mundo. Um plano perfeito, não fosse a estatura política nanica do mandatário e seus ministros.

Foto: Reprodução

O plano começou a dar água quando o Centrão se fez ausente da delegação e Bolsonaro não conseguiu levar mais do que os seus puxa-sacos mais próximos. Desembarcaram em Nova Iorque como um bando incômodo que subvertia as regras sanitárias de combate à pandemia, tiveram que passar o vexame de ter que comer nas calçadas da cidade, pois não poderiam entrar em restaurantes sem a comprovação de vacinação. A única interlocução de peso que conseguiu, com Boris Johnson, foi outro vexame a partir do momento em que teve que afirmar que ainda não havia se vacinado. O discurso, longe de convencer alguém, se transformou em chacota internacional e como desgraça pouca é bobagem, a comitiva presidencial se prestou ao papel de disseminadora do vírus e mais ridículo ainda, o próprio ministro da Saúde ficou retido em quarentena por estar contaminado. Não menos deprimente foi a imagem que percorreu o mundo deste mesmo ministro fazendo gestos obscenos para manifestantes. Bolsonaro foi a Nova Iorque pequeno e voltou menor ainda.

O 7 de Setembro foi um tiro pé e Bolsonaro teve que recuar assinando o manifesto do arrego, deixando o dito pelo não dito, afirmando que nunca pretendeu dar golpe e nunca teve a intensão de afrontar os demais poderes. Volta de Nova Iorque com o rabo entre as pernas e se viu obrigado agora, em entrevista à Veja, a afirmar que o voto eletrônico é seguro. Para tanto, usou como desculpa o fato de que Barroso teria chamado as Forças Armadas para participar da auditoria das urnas, como se elas nunca tivessem participado. Bolsonaro se isola, recua e até mesmo vai perdendo credibilidade junto à sua base. Continua, no entanto, sendo uma ameaça à democracia e cada dia que seu governo se estende, mais o país afunda, penalizando as camadas mais desfavorecidas da população. Sua remoção do poder continua sendo inadiável e, para tanto, fortalecer as mobilizações para as manifestações dos dias 2 de outubro e 15 de novembro deve ser tarefa de todos que se opõem ao governo genocida.

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