Frente ampla nos municípios: uma resposta democrática ao fascismo

As eleições municipais, portanto, devem servir para dar uma resposta ao bolsonarismo e retomar a política, retomar as correlações de forças que garantam a democracia

As eleições municipais de 2020 acontecerão em uma conjuntura de grave crise sanitária, política e econômica. O fascismo segue seu projeto de poder pisando em cima dos cadáveres de brasileiros e brasileiras, a política da morte continua vencendo, cabe as forças democráticas retomarem a política institucional para preservar a vida, a democracia e os direitos do povo.

Por que defendo uma frente ampla nas eleições municipais? Essa é uma pergunta realmente difícil de responder, visto que a realidade local das cidades se sobrepõe historicamente a dinâmica política estadual e nacional. As disputas político-partidárias nos municípios não se alinham as alianças nacionais no sentido que nos municípios os grupos políticos locais são mais relevantes para estruturar o poder do que os partidos.

Isso acontece pela baixa institucionalização do sistema partidário brasileiro nos municípios. A existência de partidos políticos locais, nacionalizados, programáticos, ao contrário de partidos clientelistas e fisiológicos, promoveria maior estabilidade das políticas e um maior potencial de acordos de longo prazo. Porém o sistema partidário brasileiro ainda é marcado por personalismo, volatilidade e de caráter pouco programático e ideológico.¹

Nestas condições, não é raro de observar em muitos municípios brasileiros alianças eleitorais inimagináveis na arena nacional. O espectro político, direita e esquerda, muitas vezes fica diluído apenas em quem são os partidos do prefeito e quem é a oposição, independente das composições ideológicas. As exceções se dão nas capitais, onde o sistema partidário tende a refletir a disputa nacional.

Porém a partir de 2016, houve uma mudança significativa das disputas locais, um discurso nacionalizado jogou grande papel nas eleições municipais daquele ano, muitos prefeitos e vereadores se elegeram pegando carona na situação política nacional que passava pelo golpe em Dilma Rousseff e o ataque sistemático da Operação Lava Jato junto com a grande mídia aos partidos políticos, principalmente os partidos de esquerda. O resultado, foram políticos eleitos com discurso da antipolítica, uma derrota arrasadora dos partidos de esquerda e assim se adubou o sentimento que desencadearia no fascismo.

Se em 2016 as eleições municipais deram um sinal do movimento em marcha que atacava a política e a democracia, as eleições nacionais em 2018 confirmaram a escalada autoritária. A antipolítica se transformou em uma extrema-direita fascista que encontrou seu líder, Jair Bolsonaro, eleito presidente da República prometendo acabar com as bases do Estado Democrático de Direito e substituir a política pelo seu poder absoluto.

Diante desta cruel realidade, cabe ao campo democrático que sofreu este duro revés, se reorganizar para garantir o pacto político-social expressado na Constituição de 1988. Neste sentido existem movimentos nacionais que almejam uma frente ampla democrática contra o fascismo bolsonarista. As concepções, dos métodos de oposição a Bolsonaro, variam dentro desta iniciativa.

Alguns atores políticos da oposição acreditam que Bolsonaro não teria força para dar um golpe de Estado e fechar as instituições democráticas, assim, sendo possível manter Bolsonaro no poder seria melhor para derrota-lo nas urnas em 2022. Outros setores enxergam que já vivemos em um regime autoritário apenas com uma casca de institucionalidade. E ainda tem quem acredite que Bolsonaro recuou nos últimos dias devido a investigações que afetam seus filhos e seus amigos, como o caso Queiroz e o esquema das fake news.

Em minha análise, Bolsonaro não precisa falar a palavra golpe, podemos ter um governo militar autoritário que sufoque as liberdades pela via institucional. É como uma ditadura legitimada pelas urnas, por isso as instituições democráticas não podem ser erráticas nesse momento. Esse governo uma vez legitimado e tendo aparelhado as instituições em todos os níveis da federação poderá impor um difícil ponto de retorno pela política.

Acredito que só o fato da oposição, seja ela de direita de esquerda ou de centro, ter medo de avançar um impeachment com receio de um levante armado da base bolsonarista, já mostra que as instituições perderam o poder de contê-lo, a não ser que ainda reste algum democrata que pense ser possível dialogar com Bolsonaro dentro das regras do jogo, o próprio demonstra reiteradamente que não está disposto. Mesmo o governo negociando com o tal centrão, ainda demonstra muito pouca capacidade e disposição em querer dividir o poder político.

Um exemplo de como o fascismo avança com Bolsonaro, é o combate a pandemia do coronavírus. O país passou a normalizar as mais de mil mortes diárias no último mês. As medidas sanitárias necessárias para controlar a curva de contágio da doença, foram sabotadas sistematicamente pelo Presidente da República, a pregação de Bolsonaro pelo fim do isolamento social provocou uma pressão de suas bases de apoio a prefeitos e governadores que acabaram cedendo e reabriram as suas economias. O resultado é a enorme contradição em muitas cidades do Brasil que passam pelo pico da pandemia e estão reabrindo bares, restaurantes, comércios e permitindo até mesmo jogos de futebol. Bolsonaro venceu o discurso, sua política da morte já colhe mais de 70 mil corpos com o segundo pior resultado mundial no controle do coronavírus.

Por isso uma frente ampla é importante no sentido de ampliar politicamente na sociedade para mudar essa correlação de forças. É uma frente política e social para isolar o bolsonarismo e conter o avanço autoritário para cima das instituições do Estado. O programa que unifica deve ser a defesa da vida, da democracia e dos direitos, e depois, preservando o jogo democrático, naturalmente virão as disputas de ideologias políticas em eleições livres e justas.

Eu defendo ainda, que nesse ano específico, seria de bom feito que essa frente possível fosse reproduzida nas eleições municipais, pois os municípios ainda são os entes federativos que não foram acometidos em seus poderes pelo bolsonarismo, ainda que tenham sidos acometidos pela antipolítica de 2016. Hoje, esse movimento em marcha que atacou a política e a democracia tem um líder no poder central do país, que estrutura e potencializa suas ações.

As eleições municipais, portanto, devem servir para dar uma resposta ao bolsonarismo e retomar a política, retomar as correlações de forças que garantam a democracia. Como Bolsonaro não avançou somente para cima da esquerda, mas seu eleitorado engoliu grande parte da centro direita e da direita conservadora, acredito que essa frente deve pensar em como equilibrar a disputa construindo alianças que dividam o poder entre a esquerda, centro e direita para isolar Bolsonaro, no sentido de onde tiver uma candidatura deste campo democrático melhor posicionada, as forças políticas comprometidas com essa frente irão apoiar.

Não se pode desprezar o recall das eleições de 2018 que o bolsonarismo terá nos municípios. As eleições desse ano ainda terão um caráter nacionalizado, mesmo que Bolsonaro reitere que não participará das eleições municipais, o bolsonarismo irá aparecer em diversas candidaturas na grande maioria das cidades. A frente ampla nessa ocasião municipal não se trata de negociar a agenda nacional dos rumos do país, se trata da capacidade política da oposição a Jair Bolsonaro de vencer as eleições com bandeiras claras, de defesa da democracia, da vida e dos direitos.

Esta tarefa é imprescindível para a volta da estabilidade e da normalidade democrática. Levando em consideração as características e diferenças locais dos partidos, seria necessário que essa tarefa fosse centralizada nas direções nacionais dos partidos que dialogam hoje com esse objetivo. É urgente uma resposta da democracia ao fascismo.

Notas:

1 – CAVALCANTE, P. A competição eleitoral gera governos mais eficientes? Um estudo comparado das prefeituras no Brasil. Rev. Adm. Pública — Rio de Janeiro 47(6):1569-591, nov./dez. 2013

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