“Gallero”: Amor não escolhe idade

Diretor argentino Sergio Mazza usa o amor entre jovem e idosa para situar as relações amorosas na época da eterna juventude

                   Na região gelada do sul da Argentina, dois seres, de idades díspares, se encontram por acaso. Ela, Julia (Silvia Zerbini), viúva, convive com uma tragédia; ele, Mario (Gustavo Almada), curte galos de briga e faz trabalhos ocasionais nas fazendas. Ambos têm em comum a solidão, ditada pelas circunstâncias do meio rural onde vivem e a aridez de suas vidas. A lentidão de suas falas e do escoar do tempo ditam o ritmo de “Gallero”, segundo filme do jovem cineasta argentino Sergio Mazza, exibido no Cine Latino – Mostra de Cinema Latino-Americano, realizado de 10 a 16 de dezembro, no Cineclube Savassi, em Belo Horizonte.

                   Nele, um dos 12 filmes de seis países, selecionados pelo curador/produtor Eduardo Garretto Cerqueira, o que conta são os pequenos gestos, o deslocar pela imensidão que os situam e ao mesmo tempo mostra como com ela interagem. Às vezes, eles se sentem diminuídos, sem perspectivas alguma, como a jovem que se entrega a Mario sem saber quanto dele cobrar. O que ele lhe der estará bom. É como se naquele ermo o valor monetário das relações de troca, mesmo que seja a da entrega do corpo para o outro obter prazer, fosse secundário. Menos quando se trata do uso do braço humano na plantação de cereais e na criação de ovelhas.

                   Este fundo sócio-econômico é que traduz as parcas alternativas do lugar, uma região perdida nos confins argentinos. O que nela destoa são as brigas de galo, das quais participa Mario. Só num meio social como esse poderiam conviver seres como ele e Julia. O homem e a mulher entregues aos seus encantos e desencantos. Ela, pesadona, destituída de glamour para os padrões de beleza dos shopping-centers, ele, calado, dotado de uma paciência exemplar para captar as nuances daquela mulher cheia de mistérios.

                    É quase impossível enxergar no início no que daria o encontro de ambos. A câmara de Mazza deles não se aproxima. Foca-os à distância, sem flagrar o rosto dela ou dele. Apenas registra seus deslocamentos – os dela demorados, os dele não menos. Às vezes desandam em murmúrios, noutras ficam a se olhar, como a se vistoriar, buscar as possibilidades. Difícil dizer pelos padrões ocidentais de eterna juventude que ele verá nela alguma beleza. Mas o que dita uma relação não é apenas a beleza, existem outras químicas e atrações. E eles vão se conhecendo, sem intimidade alguma.

                  Mario quer companhia,
                  não uma companheira

                   Percebe-se então que Mario quer companhia, não necessariamente uma companheira. Ela nada busca, mas não foge à conversa. Assim, Mazza envolve o espectador pela estranheza da relação entre a idosa Julia, com seu ritual minimalista, e o jovem Mario, observador como os galos de briga que treina. E logo desmonta a certeza de que haverá algo entre eles, pois são muito diferentes. Mas eles se tornam amigos, ele a cativa consertando seu velho fogão, alusão à idosa que se rejuvenesce, enquanto ele enxerga nela alguém que pode lhe dar mais que as jovens com quais as relações são mecânicas e passageiras.

                  No entanto, a beleza de “Gallero” está na forma como Mazza estrutura as sequências sem adiantar situações, impondo ganchos a desvendar depois. As possibilidades entre Mario e Júlia surgem ao longo da narrativa. Nada está relacionado à idade, eles não se vêm assim. “Você gosta de me olhar, Mario?”, indaga Júlia. Isto basta para a aproximação definitiva entre eles. A câmera de Massa se mantém à distância, como se não quisesse se intrometer na intimidade deles. Intercala em flashbacks as relações sexuais de Mario com a jovem da praça para mostrar o quanto estas são vazias.

                 É daí que surge o desfecho trágico que detona a relação entre Julia e Mario. Tudo sutil, com o uso de cenas congeladas, indicando projeções. E o soprar do vento, espécie de trilha sonora que marca os estados de espírito. Quando eles, numa das belas sequências do filme, sobem a montanha isto se torna patente. Ali eles não são mais estranhos ou amigos, são amantes, dividindo sua paixão com a natureza inóspita. Não existe tempo ou faixa etária, apenas dois seres humanos que se encontraram. Dito assim, “Gallero” é um filme ritualístico, de inventividade, livre da tecnologia e do consumismo, da moda e da ditadura da beleza, da juventude e de sua “eternidade”.

                E feito com uma economia de meios, de personagens, de situações, que atesta a criatividade de Mazza e do cinema argentino. Só a câmera, os personagens e a paisagem gelada. Dá para sentir que é um cinema que busca as possibilidades e as transformam em diamante. E comprova a máxima de que menos é mais. Sugerido, elíptico, com uma câmera sempre no lugar certo. Quem pôde ver este e outros filmes da mostra entendeu o espaço que o cinema latino-americano merece, preenchendo o lugar ocupado pelo lixo visual tecnicamente perfeito, mas vazio de ideias e propostas.

Gallero”. Drama. Argentina. 2009. 90 minutos. Direção/roteiro: Sergio Mazza. Elenco: Gustavo Almada, Silvia Zerbini.
(*) Prêmio de Melhor Ator do Festival Internacional de Mar Del Prata.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor