“Gallero”: Amor não escolhe idade
Diretor argentino Sergio Mazza usa o amor entre jovem e idosa para situar as relações amorosas na época da eterna juventude
Publicado 22/12/2010 14:23
Na região gelada do sul da Argentina, dois seres, de idades díspares, se encontram por acaso. Ela, Julia (Silvia Zerbini), viúva, convive com uma tragédia; ele, Mario (Gustavo Almada), curte galos de briga e faz trabalhos ocasionais nas fazendas. Ambos têm em comum a solidão, ditada pelas circunstâncias do meio rural onde vivem e a aridez de suas vidas. A lentidão de suas falas e do escoar do tempo ditam o ritmo de “Gallero”, segundo filme do jovem cineasta argentino Sergio Mazza, exibido no Cine Latino – Mostra de Cinema Latino-Americano, realizado de 10 a 16 de dezembro, no Cineclube Savassi, em Belo Horizonte.
Nele, um dos 12 filmes de seis países, selecionados pelo curador/produtor Eduardo Garretto Cerqueira, o que conta são os pequenos gestos, o deslocar pela imensidão que os situam e ao mesmo tempo mostra como com ela interagem. Às vezes, eles se sentem diminuídos, sem perspectivas alguma, como a jovem que se entrega a Mario sem saber quanto dele cobrar. O que ele lhe der estará bom. É como se naquele ermo o valor monetário das relações de troca, mesmo que seja a da entrega do corpo para o outro obter prazer, fosse secundário. Menos quando se trata do uso do braço humano na plantação de cereais e na criação de ovelhas.
Este fundo sócio-econômico é que traduz as parcas alternativas do lugar, uma região perdida nos confins argentinos. O que nela destoa são as brigas de galo, das quais participa Mario. Só num meio social como esse poderiam conviver seres como ele e Julia. O homem e a mulher entregues aos seus encantos e desencantos. Ela, pesadona, destituída de glamour para os padrões de beleza dos shopping-centers, ele, calado, dotado de uma paciência exemplar para captar as nuances daquela mulher cheia de mistérios.
É quase impossível enxergar no início no que daria o encontro de ambos. A câmara de Mazza deles não se aproxima. Foca-os à distância, sem flagrar o rosto dela ou dele. Apenas registra seus deslocamentos – os dela demorados, os dele não menos. Às vezes desandam em murmúrios, noutras ficam a se olhar, como a se vistoriar, buscar as possibilidades. Difícil dizer pelos padrões ocidentais de eterna juventude que ele verá nela alguma beleza. Mas o que dita uma relação não é apenas a beleza, existem outras químicas e atrações. E eles vão se conhecendo, sem intimidade alguma.
Mario quer companhia,
não uma companheira
Percebe-se então que Mario quer companhia, não necessariamente uma companheira. Ela nada busca, mas não foge à conversa. Assim, Mazza envolve o espectador pela estranheza da relação entre a idosa Julia, com seu ritual minimalista, e o jovem Mario, observador como os galos de briga que treina. E logo desmonta a certeza de que haverá algo entre eles, pois são muito diferentes. Mas eles se tornam amigos, ele a cativa consertando seu velho fogão, alusão à idosa que se rejuvenesce, enquanto ele enxerga nela alguém que pode lhe dar mais que as jovens com quais as relações são mecânicas e passageiras.
No entanto, a beleza de “Gallero” está na forma como Mazza estrutura as sequências sem adiantar situações, impondo ganchos a desvendar depois. As possibilidades entre Mario e Júlia surgem ao longo da narrativa. Nada está relacionado à idade, eles não se vêm assim. “Você gosta de me olhar, Mario?”, indaga Júlia. Isto basta para a aproximação definitiva entre eles. A câmera de Massa se mantém à distância, como se não quisesse se intrometer na intimidade deles. Intercala em flashbacks as relações sexuais de Mario com a jovem da praça para mostrar o quanto estas são vazias.
É daí que surge o desfecho trágico que detona a relação entre Julia e Mario. Tudo sutil, com o uso de cenas congeladas, indicando projeções. E o soprar do vento, espécie de trilha sonora que marca os estados de espírito. Quando eles, numa das belas sequências do filme, sobem a montanha isto se torna patente. Ali eles não são mais estranhos ou amigos, são amantes, dividindo sua paixão com a natureza inóspita. Não existe tempo ou faixa etária, apenas dois seres humanos que se encontraram. Dito assim, “Gallero” é um filme ritualístico, de inventividade, livre da tecnologia e do consumismo, da moda e da ditadura da beleza, da juventude e de sua “eternidade”.
E feito com uma economia de meios, de personagens, de situações, que atesta a criatividade de Mazza e do cinema argentino. Só a câmera, os personagens e a paisagem gelada. Dá para sentir que é um cinema que busca as possibilidades e as transformam em diamante. E comprova a máxima de que menos é mais. Sugerido, elíptico, com uma câmera sempre no lugar certo. Quem pôde ver este e outros filmes da mostra entendeu o espaço que o cinema latino-americano merece, preenchendo o lugar ocupado pelo lixo visual tecnicamente perfeito, mas vazio de ideias e propostas.
“Gallero”. Drama. Argentina. 2009. 90 minutos. Direção/roteiro: Sergio Mazza. Elenco: Gustavo Almada, Silvia Zerbini.
(*) Prêmio de Melhor Ator do Festival Internacional de Mar Del Prata.