Há novidades nas eleições estadunidenses?

Há uma grande mudança com a eleição de um democrata? No geral há um simbolismo por interromper o extremismo de Trump, o estilo do Presidente é algo que vai para além das características dos republicanos, até incomodando setores desses e há os que consideram Trump não ser um republicano “puro sangue”.

Havia uma frase que marcou o Segundo Reinado brasileiro: “não há nada mais liberal que um conservador do poder”, a frase mostrava como os partidos da época se tornaram mais e mais duas faces da mesma moeda, em particular após a centralização política na figura do Imperador, debate que antes os diferenciava.

Podemos tranquilamente aplicá-la aos dois grandes partidos norte-americanos que se revezam na Presidência dos Estados Unidos, os democratas e republicanos são a clara representação eleitoral das elites daquele país.

É óbvio que não se pode desprezar que uma possível derrota de Donald Trump é sim algo importante para a quebra – ou ao menos atenuação – do ciclo de construção de lideranças conservadoras populistas toscas que se inaugurou com sua eleição e se espalhou pelo globo, inclusive pelo Brasil, após a crise dos subprimes que iniciou-se naquela nação.

A eleição nos Estados Unidos da América ocorre através do voto universal indireto (voto dos delegados dos partidos) e sem segundo turno, abrange 50 estados e o distrito de Columbia. Os eleitores votam no Presidente e Vice-Presidente, e por isso os candidatos vão em busca nos colégios eleitorais dos chamados “grandes eleitores”, delegados eleitorais com expressiva influência.

O universo eleitoral consiste de 538 delegados cuja quantidade varia em cada estado de acordo com o tamanho da população que este possua. Para vencer, um candidato à Presidência precisa chegar aos 270 votos. Segundo a regra eleitoral (com apenas duas exceções), o candidato que tiver a maioria dos votos leva todos os delegados daquele estado! Esse esquema elimina de maneira automática os candidatos dos pequenos partidos e fortalece o binômio entre democratas e republicanos na disputa, além de criar um ambiente de revolta em parte do eleitorado que sabe que vai às urnas como mera formalidade, algo que se constata na eleição de Trump, por exemplo, que pelo dispositivo que aqui descrevemos se elegeu com menos votos que Hillary Clinton.

Tal fenômeno não é algo novo nas eleições americanas, a apuração dos resultados da disputa Al Gore x George W. Bush levou semanas a ser concluída e também foi acompanhada de protestos do eleitorado.

O voto e o sistema eleitoral norte-americano são excludentes sobre vários aspectos. Só tem direito a tempo na TV quem pode pagar por ele, vários pequenos partidos disputam, mas não conseguem passar as barreiras eleitorais do sistema e ainda por cima a eleição ocorre numa terça-feira. Tal data foi definida em 1845, quando os Estados Unidos eram um país agrícola, apenas homens brancos podiam votar e os meios de transporte se resumiam a carruagens e cavalos.

Antes disso os estados faziam as votações em dias diferentes, o que poderia levar o resultado de um a influenciar o de outro que ainda não tivesse votado. Sendo assim, uma lei de 1845 uniformizou o calendário eleitoral e determinou que a eleição acontecesse sempre na primeira terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro. A data foi escolhida porque nessa época a colheita já havia terminado e o clima ainda estava bom, permitindo condições seguras nas estradas, visto que alguns precisavam se deslocar por longos trajetos e no geral tinham que sair um dia antes para enfrentar as estradas. Votar no fim de semana não era uma opção, uma vez que os cristãos guardam os domingos (dia em que frequentam a igreja) e os judeus têm como dia sagrado o sábado, por isso a opção pela terça-feira. A escolha da data se justificava pelas dificuldades do momento histórico em que foi criada, mas hoje é um dos vários empecilhos de uma efetiva participação eleitoral do povo norte-americano. Para facilitar a votação, 37 dos 50 estados e o distrito de Columbia permitem o voto antecipado pelos correios, enquanto nos demais 13 estados se exige uma justificativa pela ausência.

A reeleição de Donald Trump não é algo fácil de ser enfrentado. Só para citar um exemplo: o republicano chantageou os imigrantes de maneira maquiavélica com a ameaça da suspensão do visto provisório dos jovens, esticando tal situação ao limite e depois recuando de maneira tática. Há uma clara tensão no país em que Trump mantém fiel algo por volta de 20% do eleitorado e vende a ideia de uma melhora da economia, mas esta se mostra clivada apenas às elites, a retomada do emprego pós-crise ainda não se deu de maneira efetiva e cresceu a perseguição a direitos dos trabalhadores, negros, mulheres, gays e lésbicas.

Os democratas partiram divididos em 14 pré-candidaturas, essas afunilaram para 11 e devem gradativamente diminuir para 6 ou 4. O magnata Bloomberg teve seu nome incluído no pleito de maneira extemporânea, o que gerou vários protestos dos demais concorrentes, que depois acabaram por digerirem a situação.

Há uma grande mudança com a eleição de um democrata? No geral há um simbolismo por interromper o extremismo de Trump, o estilo do Presidente é algo que vai para além das características dos republicanos, até incomodando setores desses e há os que consideram Trump não ser um republicano “puro sangue”.

Historicamente porém, a política externa dos EUA não muda de maneira expressiva com a alternância de democratas e republicanos. As guerras imperaram com Bush (Republicano), se mantiveram com Obama (Democrata) e depois com Trump (Republicano). Os candidatos postos nas prévias democratas representam interesses das empresas de planos de saúde, emissoras de televisão, farmacêuticos, armas, cigarros, setores conservadores e outras diversas.

O Senador Bernie Sanders tem sido apresentado como o mais “radical” dos democratas, com simpatia grande dos jovens, ensaiando até em alguns momentos em se apresentar como um socialista democrático (como se a palavra socialismo precisasse ser acompanhada de adjetivo…), acaba por ganhar apoio de quem quer parar o Trumpismo, interromper o ciclo e é apontado após os debates (já foram mais de 10 na TV norte-americana) como um postulante com chances de bater Trump nas eleições de novembro.

Mas não cabem ilusões à esquerda brasileira e a uma patota que está até empenhada na indicação do democrata, legendando vídeos de Sanders em português e o apresentando como uma versão norte-americana de Lula ou algo que o valha. Sanders é um democrata, mas um democrata no contexto do que é ser isso no partido democrata norte-americano, representante de setores da classe média alta do país, contudo, um defensor de uma agenda social-democrata, um capitalismo mais “humano”, digamos assim.

Se fosse para estabelecer comparações, com todos os riscos que isso reserva, Bernie Sanders estaria muito mais para um Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin ou outro tucano do que para um político da esquerda brasileira, ouvi-lo discursar sobre a Venezuela e Cuba, por exemplo, dilui qualquer ilusão acerca do quão novo é o projeto que representa o Senador do estado de Vermont.

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