Inspire, Expire

Drama instigante, que narra a história de duas mulheres que sofrem os impactos da sociedade capitalista, desigual e patriarcal. Pode conter spoilers do filme

Filme "Inspire, Expire"

A Islândia – segunda maior ilha da Europa, no meio do Atlântico Norte, conhecida por sua formação vulcânica, solo estéril e clima escandinavo, montanhas, cachoeiras, cavernas gélidas – é onde se desenrola o filme “Inspire, Expire”. Drama instigante, que narra a história de duas mulheres que sofrem os impactos da sociedade capitalista, desigual e patriarcal. A produção islandesa, em conjunto com Suécia e Bélgica, é dirigida pela islandesa Isold Uggadottir e se passa em uma cidade gelada e sem sol da Islândia. País peculiar, cujo parlamento nacional, com 63 cadeiras, tem 30 de representantes mulheres (47,6%), na atual legislatura.

Na história, assiste-se à luta pela sobrevivência mínima de milhares de refugiados/as africanas/as na Europa, como o caso de Adja (Babetida Sadjo), oriunda da Guiné-Bissau, separada da filha ao ter seu passaporte falso recusado na tentativa de ir para o Canadá. Ela é denunciada por Lára (Kristín Þóra Haraldsdóttir), islandesa, que iniciava seu trabalho no aeroporto. Lára é mãe solo de Eldar (Patrik Nökkvi Pétursson), um menino de sete anos, pleno de sensibilidade, que no desenrolar da trama vai aproximando a mãe com a migrante negra Adja. Duas situações angustiantes se superpõe: a fiscal Lara perde o apartamento onde mora por falta de pagamento e Adja chora a separação da filha. Elas, com diferentes cores de pele, diferentes países de origem, mas a mesma miséria.

Filme “Inspire, Expire” I Foto: Reprodução

A questão central do filme é justapor os dramas das duas mulheres em suas realidades diferenciadas, mas cujo ponto em comum é a preocupação com os filhos. Isso é perpassado pela questão de classe, uma vez que ambas são destituídas do emprego, de renda, de posses que as amparem.

A questão migratória, vivida por Adja, aparece como pano de fundo da película. Segundo artigo de Geórgia Gomes e Joana Lopes, a crise migratória tem suas raízes num sistema de dominação profundamente eurocêntrico, que considera os valores ocidentais como universais. Elas evidenciam que o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo praticados pelas nações europeias estabeleceram laços de dependência política e econômica com o Terceiro Mundo, este obviamente sempre em desvantagem, impondo uma realidade de alta desigualdade e subordinação. Assim, o tipo de tratamento hostil dispensado a Adja e demais refugiados é apresentado no filme, forçados a um tipo de cativeiro em um alojamento à espera do retorno a seus países. O deslocamento de grandes contingentes populacionais, em migrações frequentemente desesperadas, deve-se a diversos fatores, muitas vezes pela busca de melhores condições de vida e de trabalho, ou ainda para fugir de perseguições ou discriminações por motivos religiosos ou políticos, e em situações de guerra. Os refugiados, em regra, assumem subempregos, ocupações desprezadas pela população local de destino dos migrantes, tendo relações de trabalho bastante precarizadas.

Filme “Inspire, Expire” I Foto: Reprodução

Essa tragédia humana aparece cotidianamente nas manchetes de telejornais e de internet, com tal frequência que banaliza a infelicidade, naturaliza a desumanidade, haja vista o caso do menino refugiado sírio, de três anos, cujo imagem do corpinho afogado, largado de bruços numa praia do Mediterrâneo, causou consternação ao redor do mundo, mas para dali a poucas semanas ser esquecido. O menino, com a família, fugia das atrocidades perpetradas na Síria pelo grupo terrorista “Estado Islâmico” (Isis). O pai do menino, Abdullah, escapara com mulher e outro filho de cinco anos, para tentar chegar ao Canadá, onde viviam parentes da família, após autoridades dos EUA terem negado um pedido de asilo. Impossível a nós, militantes das causas progressistas e humanitárias, esquecer essa cena dramática, que registra os chamados apátridas como uma ameaça por políticas de governos xenofóbicos, a exemplo do ex governo norte-americano de Donald Trump.

Criança síria morta na praia I Foto: AFP

A luta pela sobrevivência, a identificação emocional, a empatia, mulheres criando sozinhas seus filhos, são sentimentos que aproximam as duas mulheres no filme, ainda que de diferentes etnias, porém unificadas pelo amor e pela solidariedade.

O filme, que pode ser visto na Netflix, tem também como tema a migração como expressão da questão social, constituindo-se como um movimento “necessário” ao desenvolvimento do modo de produção capitalista em que ondas conservadoras e de extrema-direita avançam, tentando reduzir ou abolir direitos fundamentais das classes sociais historicamente subalternizadas.

  • Inspire, Expire
  • Lançamento: 22 de janeiro de 2018 (mundial)
  • Elenco: Kristín Þóra Haraldsdóttir, Babetida Sadjo, Patrik Nökkvi Pétursson, Sveinn Geirsson, Þorsteinn Bachmann, Gunnar Jónsson, Petur Oskar Sigurdsson
  • Gênero: Drama; 95 min.
  • Direção e Roteiro: Ísold Uggadóttir
  • Música: Gisli Galdur
  • Produção: Skuli Fr. Malmquist

Referências:

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor