Jane Campion e seu filme com visões metafísicas – O poder do cão no Oscar

O indicado ao Oscar “Ataque dos cães”, de Jane Campion e o cinema argentino em “El perro que no se calla”. de Ana Katz

Filme "Ataque dos cães" | Foto: Divulgação

Se realmente esse novo filme de Jane Campion ganhar o Melhor filme e outros prêmios como interpretação, roteiro, fotografia, direção de arte etc. no Oscar, isso significará não mais valor artístico para Jane O Piano Campion, mas maturidade para a indústria cinematográfica hollywoodiana. Isso porque há algumas décadas passadas, um filme que abordasse temas marginais, como acontece nesse que se chama no Brasil “Ataques dos cães”, só seria produzido com dinheiro americano de Nova York, onde ficava o chamado cinema independente, e não de Hollywood. O poder não do cão, mas do cão capitalista, claro que tem se aperfeiçoado e por isso sabe que dar liberdade ao artista é mais produtivo do que manter o sistema macartista do passado. É bom que o pessoal que comanda o cinema chinês aprenda essa lição, e Jane Campion pode ser um bom exemplar.

“Ataques dos cães”, que está sendo exibido pela Netflix, tem o nome original de “The power of the dog” e em Portugal foi mantido o título original, “O poder do cão”, realmente o correto, e que vem do título original do romance de Thomas Savage, romancista norte-americano. Da sua estória original é que Jane Campion roteirizou para o cinema. O filme não tem nada a ver com cachorros, mas o cão é uma referência bíblica, que sobrevoa toda a dramaticidade dessa obra e desse modo consegue manter um clima quase metafísico, apesar de ser e contar partes da vida de fazendeiros ricos dos Estados Unidos.

O personagem principal claro que é Phil, vivido pelo ator Benedict Cumberbatch, que poderá ser premiado como Melhor ator no Oscar. Ele vive com muita destreza o personagem de um fazendeiro durão, em que as manifestações caninas, ou melhor, demoníacas, se manifestam com muita presença. E nele a estória concentra a grande trama, chegando ao ponto de revelar para o garoto afeminado que dormia com seu ídolo, grande figura, que ensina como se manter uma grande pessoa sem tomar banho ou nem mesmo lavar as mãos antes de se sentar na mesa, até mesmo com a mulher do Governador.

Não seria diminuir o drama de Jane Campion classificá-lo como um western,  mas eu penso que não temos um filme desse gênero. É, sim, um drama psicológico, principal e realmente capaz de mostrar a vida interna numa rica fazenda, onde os dois irmãos donos Phil e George, é um deles Phil que assume a malignidade e no final assim sofre também a sua ação. Excelente o trabalho de documentação em torno da vida numa fazenda, e por isso seria interessante ver para ele o prêmio de direção de arte. Me lembro de alguns westerns que apresentam essa aparência diluída, e ao mesmo tempo rica. Um exemplo é o que temos em filmes onde está o grande ator Marlon Brando.

Olinda, 12. 02. 22

Aura do cinema argentino – O cachorro que não se calou

Filme “El perro que no se calla” | Foto: Divulgação

O cinema tem aspectos que vão se desenvolvendo e o dos títulos é um deles. “El perro que no se calla”, o original desse filme argentino, mostra isso bem. Na verdade, os perros não são personagens como acontece com o burro no filme de Robert Bresson “Au hasard Balthazar”, mas estão bem presentes. Em muitos momentos, eles, os cachorros, se envolvem com as pessoas ou mesmo são conduzidas em coleiras pelos personagens do filme. Assim, o espectador recebe através dessa presença dos perros/cachorros a criação de uma verdadeira aura, como diria o nosso filósofo Walter Benjamin. Além disso, temos dois momentos, duas verdadeiras sequências em que a imagem do real é substituída pela imagem de desenhos artísticos, e isso reforça a formulação aurática da obra. Desenhos simples, mas que possuem uma grande força de visibilidade.

“The dog who wouldn’t be quiet”, o título em inglês utilizado pela Mubi,  que está exibindo o filme dirigido pela cineasta de Buenos Aires Ana Katz, é uma obra incrivelmente artesanal, o que não é pelo menos comum na cinematografia argentina, que é e sempre foi muito mais comportada pelo oficial acadêmico do que o resto do cinema latino-americano. Assim temos essa obra que me parece ter um interesse bem significativo justamente por esse olhar da vida popular da Argentina, enquanto os filmes que vêm de lá em geral se colocam sempre dentro de um olhar bem oficial.

Apesar de bem jovem, com menos de 50 anos de idade, Ana Katz é autora de uma filmografia já extensa. Ela também é roteirista e escritora, além de atuar como atriz. Talvez esse “El perro que no se calla” seja um trabalho alternativo dentro de sua filmografia, e assim temos uma obra mais à vontade e não dentro das exigências de uma produção mais oficial e industrial. Na sua parte visual, “O cachorro que não se cala” é muito criativo. Realmente, temos aí a parte mais criativa do filme e sem dúvida os cães, quase todos de raça popular, não são cães de madame. Eles serviram para criar ou pelo menos aumentar um clima entre o bom sentimento e a não perversão do capitalismo. Enquanto a trilha sonora oscila um tanto atingindo momentos bem limpos esteticamente, em algumas cenas somente ocupa o espaço sonoro e até chega ao melodrama.

O personagem que centraliza as interpretações, Daniel Katz, irmão da diretora, vive uma figura que nós aqui do Bairro Novo de Olinda conhecíamos há algum tempo atrás. Aqueles senhores que ficavam numa calçada do bairro reunidos e esperando serem chamados para fazer qualquer tipo de serviço nas residências, fosse consertar uma torneira ou cortar galhos que estivessem grandes nos jardins. Hoje aqui ninguém se comporta mais da maneira como acontecia com o “Seu” Ramos. E que o filme de Ana Katz mostra que existia em algum bairro argentino.

Olinda, 22. 01. 22   

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor