Jean-Luc Godard, um revolucionário do cinema

A obra de Jean-Luc Godard e o cinema húngaro de Szabolcs Hadju em Cabaré Bibliothèque Pascal

Foto: Reprodução

Para conceituar o que é ser revolucionário, é preciso que o analista tenha uma base estrutural do ponto de vista da cultura. E não seja apenas alguém que diz ‘muito bom’ para mostrar que está elogiando outra pessoa do meio. E assim eu apenas, quando coloquei esse título chamando Jean-Luc Godard de revolucionário, não nego que seja apenas uma simples tentativa de conceituar dentro do campo do cinema.

Lembro alguns movimentos no campo cinematográfico que são tidos e ditos como revolucionário. O primeiro certamente é o do pessoal liderado por Serguei Eisenstein nos anos em que a Rússia se chamou União Soviética e o movimento cinematográfico lá foi certamente o mais revolucionário e os filmes feitos por Eisenstein serviram para revolucionar o cinema do mundo todo. Também em nosso país tivemos o movimento chamado Cinema Novo, tendo na cabeça Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, que realmente conseguiram revolucionar o nosso cinema e fazê-lo influenciar muitos cineastas em muitos países, inclusive na Europa. E lá mesmo na Europa tivemos movimentos revolucionários como na Itália principalmente, e a Nouvelle Vague na França. 

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Porém Jean-Luc Godard me parece ter sido o mais revolucionário dos cineastas revolucionários que já fazem parte da História do cinema. Isso porque JLG não fazia filmes para conseguir acertar a melhor forma de fazer um filme. O que Godard me parece tentou em todos os seus filmes foi romper com qualquer tradição do cinema, e sempre encontrar novas formas de narrar uma estória nessa forma de arte que se chama cinema. Até quando se chama? Glauber revolucionava as leis cinematográficas, mas sempre procurando criar novas maneiras de se fazer cinema. Eisenstein e seus companheiros romperam com o cinema que era feito na Rússia, mas ao mesmo tempo estabeleceram o que deveria ser a melhor forma para uma obra-prima nessa chamada 7ª. Arte. Enquanto isso, Jean-Luc Godard sempre rompeu com a linguagem cinematográfica, e ao mesmo tempo rompia com a linguagem que ele estava procurando utilizar ou criar, quando fazia uma nova obra. Sem constrangimento. E é por isso que as pessoas sentem tanta dificuldade em entender o que quer dizer um filme feito por JLG. É justamente porque suas obras buscam encontrar o novo para ao mesmo tempo romper com esse novo. É como se um artista estivesse sempre procurando aprender uma linguagem artística e na mesma hora procurando romper com aquilo que foi criado. 

Jean-Luc Godard era de uma intrínseca repugnância ao já estabelecido. Nada que fosse parecido com repetição de linguagem lhe interessava. Em cada filme tinha que haver uma busca permanente de formas novas. Na sua própria vida pessoal. E ele foi tão necessitado do novo, que até mesmo quando pensou em pôr fim à vida encontrou essa nova forma de suicídio ‘assistido’. Fugiu ao tradicional se defenestrar, ao qual recorreu o grande filósofo moderno, o francês Gilles Deleuze. 

Olinda, 17. 09. 22 

Da Hungria, “Bibliothèque Pascal” 

Filme “Cabaré Bibliothèque Pascal” | Foto: Mubi

Esse filme “Cabaré Bibliothèque Pascal”, que está sendo apresentado na Mubi, tem a curiosidade de vir de um país certamente pouco conhecido por nós brasileiros na sua cinematografia. É uma produção da Hungria lançada no ano 2010. Foi dirigida pelo cineasta Szabolcs Hajdu. Tem a duração de 1h50. 

O mais interessante é que, como vem através de uma plataforma, traz a sua linguagem integral, tanto na parte da imagem quanto no som. É falado em húngaro. Em algumas sequências é falado em inglês no próprio original, não como dublagem, e até possui uma pequena sequência em espanhol. Tenho a impressão de que nunca assisti a um filme húngaro com essa autonomia sonora, pois no passado os filmes de certas procedências eram simplesmente dublados em inglês como se fosse língua original. 

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“Bibliothèque Pascal” traz a estória de uma moça que está vivendo um processo para ganhar novamente a guarda da sua filha. E temos um começo e um final com clima realista. Mas o contexto quase total do filme é grandemente ficcional. Inclusive com sequências teatrais, e nisso é onde realmente se desenvolve o filme. É uma autêntica ficção dramática como narrativa. O diretor buscou quase que deixar o espectador gozando cada cena, não dependendo de uma estória que estivesse sendo contada ao longo da narrativa.  

A linguagem é inteiramente solta, e se “Bibliothèque Pascal” estivesse sendo analisado por um professor de cinema, deveria ser reprovado, pois sua narrativa não tem contextualização na linguagem tradicional. As cenas vão surgindo e ao mesmo tempo se soltam. O que é melhor é que a parte sonora acompanha de uma forma muito eficaz a narrativa da imagem. O diretor procurou não só as partes musicais, como também que os diálogos mantivessem essa consistência. Nenhuma composição musical é apresentada com continuidade, mas em partes necessárias para entrar no ritmo geral do filme. 

Digo novamente que “Bibliothèque Pascal” não é um filme excepcional, mas me agrada bastante, principalmente pelo encontro do ritmo da imagem e do som. 

Olinda, 10. 09. 22 

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