Josias, o goiano

 

Em maio deste ano de 2011, eu e Sezostrys Alves, da Associação dos Camponeses Torturados do Araguaia encontramo-nos com Josias, um ex-PM de Goiás, em Goiânia. Já fazia algum tempo que meu camarada estava buscando informações sobre a atuação daquela força pública durante o processo da Guerrilha do Araguaia, no Sul do Pará.

Saímos cedo de Brasília sob a escolta de dois policiais rodoviários e seguimos para nosso contato, duramente construído por semanas de ligações telefônicas.

Nosso encontro foi na casa do Raimundo Melo, ex-soldado do Exército e atual presidente da associação de ex-militares que atuaram na repressão ao movimento dos comunistas no Araguaia.

Josias deve ter uns 60 anos e foi logo nos dizendo que sua vida fora interrompida pelas obrigações daqueles tempos.

Nosso entrevistado chegou a Janeiro de 1973 em Xambioá e encontrou “um cenário de guerra”. Cerca de 200 homens da PM goiana, recém saídos do Centro de Formação e Aperfeiçoamento (CFA) foram recrutados para os combates sob o comando de dois oficiais, Capitão Francisco e Tenente Carlos Nilson.

E na Base de Xambioá, a gendarmaria goiana tinha seu próprio comando e suas armas eram metralhadoras HK, revolveres 38 e os pesadíssimos fuzis “ordinários”.

Sua voz fica trêmula quando relata as torturas.

Os presos, dezenas de camponeses, eram obrigados a correr, correr sem parar pela Base de Xambioá e quem caía exausto, era executado por fuzilamento.

Em um comando misto que reunia a PM-Go, o Exército e agentes da Polícia Federal montou, por meses, guarda no morro do Urutú, na Serra das Andorinhas/Martírios. Os agentes da repressão, de 8 a 10 homens, fizeram várias casamatas e ficavam montando guarda diuturnamente. Mas nunca teriam visto movimentação das forças guerrilheiras naquela parte das “montanhas do Pará”.

Dos longos dias de guarda no Urutú rememora que os “sapões” sempre faziam um pouso próximo a uma grota e que era terminantemente proibida a descida, pelo alto-comando, ao local onde os helicópteros pousavam. Havia, ainda, outra base nas Andorinhas/Martírios, a do Urutuzinho.

Josias diz ter tido conhecimento de que muitos corpos foram jogados no Araguaia, nas proximidades da cachoeira de Santa Izabel. Tal cachoeira é um conjunto de fortes corredeiras, perigosíssimas. Em tempos de verão apenas os mais experientes barqueiros conseguem atravessar as pontiagudas pedras pretas que se lançam das esverdeadas águas do Araguaia.

Detalhe importante da lembrança do Josias é a informação de que a PM goiana prestou guarda no antigo posto do DNER em Marabá (Pa). Isso vai revelando-nos que tudo podia o regime, até o fato de que uma força pública poderia prestar serviço em outro estado da federação. E tudo isso fardado.

Mas o mais importante no relato do ex-PM Josias são os sepultamentos verticais da Base de Xambioá. Sobre isso tanto eu quanto o Sezostrys já escrevemos e é só ir aos nossos blogs para acessar os artigos.

Em cisternas próximas aos alojamentos dos oficiais é que eram jogados os corpos, seja de guerrilheiros, seja de camponeses. Ali havia o local das torturas, a “casa da judiaria”, segundo os sobreviventes. Nesta casa dos horrores aconteciam as execuções e Josias diz ter presenciado vários assassinatos à sangue frio.

Tais cisternas tinham em torno de 4 metros e ficavam nas imediações dos comandos do Exército e da Polícia Federal defronte do “pátio de estacionamento das aeronaves”, ensina o ex-militar goiano.

Depois de um dia inteiro de conversa retornamos a Brasília com a convicção de que é fundamental o depoimento de ex-militares para a reconstituição dos cenários da dura repressão política na ditadura militar brasileira.

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