Leninismo contemporâneo e processos revolucionários

Parte 1
“As teses de Lênin me imbuíram de grande emoção, um grande entusiasmo, uma grande fé e me ajudaram a ver claramente os problemas. Minha felicidade foi tanta que eu comecei a chorar” (Ho Chi Minh, Diário da Prisão). [1]

Os artigos à Tribuna de Debates, nos marcos do 13º Congresso do PCdoB e de sua identidade revolucionária, tratarão de: 1. Aspectos centrais do pensamento de Lênin; 2. Da compreensão moderna acerca do leninismo; 3. Da relação do pensamento de Lênin com a evolução programática do nosso Partido.

As palavras de Nguyen o Patriota – inúmeros foram os pseudônimos do genial Ho – são bastante ilustrativas: causou enorme impacto o desenvolvimento do pensamento revolucionário de Vladimir Lênin entre os intelectuais do proletariado no mundo inteiro.

Impacto e certeiro descortino no sentido dos descobrimentos teóricos científicos na caracterização dos novos estágios alcançados pelo capitalismo dos monopólios; e na descoberta dos caminhos táticos à construção dos movimentos e viragens estratégicas para a revolução. A quase obsessão – interpretação de Nadeja Krupskaia, sua companheira – de Lênin para a busca da revolução o instigava a encontrar soluções, equações de nível superior, digamos, no sentido resolutivo dos aportes teórico e prático mais avançados.

Lênin engrandeceu percucientemente o caráter da ciência social marxiana. Como Engels, Lênin foi a vida inteira avesso e travou intenso combate à petrificação doutrinária da teoria marxista. “Guia para ação”, simplificava Engels. Num dos momentos cruciais antecedentes à Revolução de Outubro, ensinou-nos, por exemplo, Vladimir Lênin:

“O erro maior que podem cometer os revolucionários é olhar para trás, para as revoluções do passado, enquanto a vida nos oferece toda uma longa série de elementos novos, que é necessário incorporar ao quadro geral dos acontecimentos” [gr. de L. (2)].

A força contemporânea da teoria marxista de Lênin acerca da época do imperialismo e da revolução proletária, isto é, do capitalismo do século 20 e de sua abordagem politica à transformação econômico-social, vista sob o ângulo da autêntica herança comunista, é de tal modo autoexplicativa que o advento épico da Revolução de Outubro na velha Rússia permanece como um dos principais acontecimentos na história da humanidade. Do ponto de vista sócio-político devemos concebê-lo como o principal episódio.

O leninismo contem um inigualável arsenal de ensinamentos. Um dos mais relevantes é o exame profundo das conexões fenomênicas, em seu movimento; a distinção entre aparência (imediatidade do fenômeno) e essência. No detalhamento da cadeia dos acontecimentos e sua natureza lógico/histórico, quer dizer: incidência das leis tendenciais científicas emanadas do movimento do real.

Portanto, do ponto de vista da ação política, não se deve fixar-se no império dos fatos passados – como bússola imutável -, a não ser para não repetir erros lecionados!

O leninismo é recusa explícita ao retrovisor histórico em sua versão instrumento-congelador das leis de movimento; crítico severo da aceitação formal das novas situações criadas, entretanto autosatisfeitas em slogans, clichês principistas: eis um ensinamento basilar do leninismo! Daí uma de síntese da maior importância a ser levada em conta: a história só se repete como tragédia ou farsa – ideia-força do “O 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte”, de Marx, e seguramente espécie de “regra” científica a orientar a luta politica de classe da teoria leninista.

A propósito, conforme interpretação brilhante de Lênin, bem após 1917 e em meio à guerra civil, “Os princípios não são um objetivo, nem programa, nem tática, nem teoria. A tática e a teoria não são princípios”, afirmando a seguir que princípios do comunismo, efetivamente, são “a ditadura do proletariado e a usar a coerção estatal” durante a transição – mas “não seu objetivo”. [3]

Domenico Losurdo recorda ainda, com inteira razão, a luta constante de Lênin contra as proclamações enrijecidas, pretextando princípios. Trata-se da “frase revolucionária”, dizia-o Lênin, altissonante e oca. Todo movimento que queira pensar e agir politicamente, sem “embalar-se nas palavras, nas declamações e nas exclamações”, deveria desvencilhar-se de tal fraseologia e permanecer em constante vigilância contra ele, completa o filósofo marxista italiano. [4]

Enquanto teoria marxista revolucionária em desenvolvimento, o leninismo deve ser concebido nos ciclos históricos evolutivos: a) do desenvolvimento desigual do capitalismo – Lei -, compreendendo assimetrias e disputas entre o núcleo dos países no estágio do imperialismo, e destes com os países periféricos; b) da degeneração multiforme do capitalismo central, até as guerras; c) na reapresentação do irremediável declínio civilizatório deste capitalismo, às revoluções proletárias da nossa época; d) da forte capacidade da organização de vanguarda de juntar forças sob a direção das classes trabalhadoras, em cada vez mais compreender a Revolução Social como obra alicerçada na subjetividade de milhões e milhões de homens e mulheres; e) das formas flexíveis de organização do Partido Comunista, inteligentemente apto a atravessar etapas históricas as mais variadas, inclusive os de longo alcance de defensivas estratégicas e severo ataque ideológico.

Evidentemente que o Leninismo se obriga a ser contemporâneo: do contrário nada teria a ver com sólidos fundamentos teóricos de uma ciência social contributiva – em meio a um crescente aparecimento de inúmeras outras e ramos nessa esfera – e em permanente captura dos novos fenômenos históricos, em todos os terrenos. Do contrário estaríamos presos a uma armadilha insolúvel de nos orientarmos por um corpus doutrinário simplesmente imprestável, inútil – e derrotados por antecipação!

Notas:

[1] Ver: “Ho Chi Minh” de João de Mendonça Lima Neto, São Paulo, Publisher, 2012, p. 12.
[2] Em: “Conferencia del POSDR (b) de la ciudad de Petrogrado, 27 de Abril-5 de Mayo de 1917”, V. Lenin, Obras Completas, Akal, Tomo XXV, p. 65.
[3] Ver: “Discurso en defensa de la táctica de la Internacional Comunista (1 de julio de 1921), in: Obras Completas, Tomo XXXV, Akal, p. 372.
[4] Ver: “A luta contra a ‘frase revolucionária’ e a refundação marxista e comunista”, D. Losurdo, in: Crítica Marxista, nº12, 2001.

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