Luta antirracista: o próximo round é nocautear a extrema-direita

É momento histórico de afirmar a mais ampla unidade política e social

Novembro está para a luta antirracista no Brasil como dezembro está para o Natal. A sociedade se prepara e acolhe a pauta. Escolas, empresas, mídias, universidades, partidos, sindicatos, religiões, ONGs, enfim, todos que se dizem sensíveis à causa se mobilizam para fazer sua parte. É preciso tocar no assunto. É já um ritual hegemônico na sociedade brasileira.

O fato de termos um Mês da Consciência Negra, em torno da figura de Zumbi dos Palmares, é uma grande vitória da luta e dos lutadores antirracistas no Brasil. Impomos assim uma derrota aos livros de história que narravam há até poucos anos a versão mentirosa do fim da escravidão no Brasil como um ato de generosidade da Princesa Isabel, cravando o dia 13 de Maio como marco da libertação dos escravos. Na verdade um ato formal para tentar libertar, aí sim, a imagem do Brasil como um pária, país atrasado e cruel, último a formalizar o fim da escravidão no mundo.

O movimento negro se esmera em ocupar bem este espaço e tempo. É momento de evidenciar Zumbi e Dandara e reafirmar sua luta por igualdade racial, fortalecendo nossa ligação histórica com aquele 20 de novembro de 1695, quando o já centenário Quilombo dos Palmares viu seu líder tombar em combate, dando início à sua imortalidade.

Além desta importante vitória na ocupação do imaginário da sociedade brasileira, nesta disputa de narrativa sobre nossa história, o movimento de negros e negras ao longo das últimas décadas também trabalhou para subirmos degraus na institucionalização de direitos da população negra. A tipificação do racismo como crime e o aperfeiçoamento gradativo desta tipificação; a própria Constituição Federal de 1988; a criação da Fundação Palmares em 1998; a Lei Federal 10.639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas; o Estatuto da Igualdade Racial; a instituição de ações afirmativas como cotas em universidades, em concursos; o estabelecimento de políticas focais de saúde para a população negra, dentre outras medidas importantes, mesmo sendo ainda insuficientes, são um legado inconteste e irrenunciável de uma luta secular e de caráter especialmente civilizatória no Brasil.

E é exatamente este legado, construído por várias gerações, que está sendo alvo da ganância e ira da extrema direita e da direita liberal ortodoxa brasileira neste momento, que tem pressa em desmontar nossas vitórias, nossas conquistas, nossos direitos, nossa dignidade.

Não há ação afirmativa e reparação histórica no Brasil em favor da igualdade racial se não for num Estado Democrático de Direito, sob uma Constituição em que os princípios da dignidade da pessoa humana sejam os valores fundamentais a serem tutelados.

O Estado liberal, quanto mais ortodoxo se pretende, mais necessita se afirmar também em sua face fascista, autoritária e anti democrática, pois que precisa justificar ideologicamente e pela força a barbárie que imporá inevitavelmente à sociedade. É preciso, nesta lógica, afirmar superiores e inferiores, fracos e fortes, naturalizando assim a indigência humana que sobrará como subproduto desta selvageria do capitalismo sem rédeas.

Os movimentos de luta antirracista no Brasil devem fazer esta reflexão com especial atenção neste mês da consciência negra. A bandeira da unidade sempre nos foi muito cara, mas neste momento se torna o único caminho capaz de fazer evitar retrocessos profundos e rápidos pretendidos pelos adversários da nossa cidadania. É momento histórico de afirmar a mais ampla unidade política e social para este nocaute. Quando a extrema direita beijar a lona, a gente volta pro ajuste fino da nossa política.

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