“Mães Paralelas” – “Vidas Paralelas”

“Não existe história muda.
Por mais que a queimem, por mais que a quebrem,
por mais que mintam,
a história humana se recusa a ficar calada”.
(Eduardo Galeano)

Foto: Divulgação Netflix

É significante iniciar um texto tendo como referência o escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de diversos livros notadamente o mais conhecido e talvez mais lido: “As veias abertas da América Latina”, no qual historiciza sobre a região desde o período colonial até o lançamento do livro em 1979, demonstrando e denunciando a exploração econômica e a dominação política do povo latino-americano primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. Demonstra que essa exploração econômica e política do continente foi acompanhada de constante derramamento de sangue indígena, de negros escravizados e pobres que foram tirados dos países europeus com a vã promessa de alcançar riquezas na América. Esse livro foi banido no Brasil, Argentina, Uruguai e Chile onde as ditaduras ocorriam em períodos paralelos, todas com sua crueldade, com torturas, assassinatos, o que Galeano chamou de rapinagem onde todas as riquezas naturais serviam aos interesses do capital estrangeiro.

O filme “Mães Paralelas”, direção e roteiro de Pedro Almodóvar, registra uma história coincidente entre duas mulheres. A bela e talentosa atriz Penélope Cruz, (Janis) é uma fotógrafa com consciência politica que solicita o apoio do arqueólogo Arturo (Israel Elejalde), para localizar os restos mortais do bisavô e de outros militantes políticos que foram assassinados durante o franquismo e jogados em valas comuns, sem identificação. Para isso, luta contra a burocracia governamental para tentar realizar uma escavação em seu povoado de origem, que poderia recuperar os restos mortais dos militantes mortos. De outro, Ana (Milena Smit), mais jovem, com contradições próprias de sua idade e de sua história de vida conturbada na relação com seus pais. Duas mulheres atravessadas pelas cicatrizes de uma Espanha repleta de memórias, muitas delas ainda por serem feita justiça. Almodóvar de forma primorosa mistura histórias de vida, resistências cotidianas e sonhos perpassadas pelo universo feminino no que tange aos desafios e aos papéis da maternidade. No desenrolar da história uma revelação surpreendente, um erro do hospital faz com que as mães paralelas se unam ainda mais e suas linhas da vida fiquem mais unidas.

A trama vai se revelando, com a grandiosidade e humanidade de Penélope em todo o desenrolar do filme, notadamente em sua busca do encontro dos restos mortais de seu bisavô e companheiros assassinados na ditadura de Francisco Franco, o general ditador espanhol que ascendeu ao poder em meio a guerra civil espanhola (1936-1939) e governou por longos 39 anos – entre 1936 e 1975, instalando o terror naquele país. Teve apoio do governo fascista da Itália e do nazismo da Alemanha. Após a morte do facínora, o franquismo foi interrompido, mas não suas marcas que ficaram registradas nas mentes das mulheres que perderam seus companheiros e criaram seus filhos e filhas, como se apresenta no filme.

“Mães Paralelas”, é um filme que busca o encontro do amor, da justiça, representando mulheres em diferentes gerações, mas com uma identidade e comprometimento com a maternidade. Em nosso país, estamos vivendo novamente momentos de terror, com o atual presidente genocida, que defensor aberto de ditaduras, não poupou em toda sua vida pública, notadamente na fatídica sessão na Câmara Federal em 17 de abril de 2016 quando louvou o sanguinário Ustra ao votar pelo impeachment de Dilma Roussef a primeira e única mulher eleita presidenta do Brasil, uma mãe paralela como tantas na América Latina.

“Mães Paralelas” ficará em minha lista de filmes como uma obra de arte, não só porque fala de vidas entrelaçadas, mas porque une o belo, a paixão, a luta por justiça, a liberdade, o amor e a vida, terminando com os versos impecáveis de Eduardo Galeano, que destacamos no início desse texto.

“Mães Paralelas” – “Madres Paralelas” – (pode conter spoiler) Data de lançamento: 3 de fevereiro de 2022 – Brasil

Diretor e Produtor – Pedro Almodóvar

Assista o trailer:

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