Malala Yousafzai: direitos humanos, educação e igualdade de gênero

Malala é uma inspiração na luta cotidiana contra as diversas violências na sociedade. O filme ‘He Named Me Malala’ mostra a história da jovem ativista paquistanesa vencedora do Prêmio Nobel da Paz

Malala Yousafzai recebe o prêmio Prêmio Sakharov 2013, na França | Foto: Creative Commons/European Union/European Parliament

“Só percebemos a importância da nossa voz quando somos silenciados.”

Destacamos acima uma das frases fortes e poderosas de Malala Yousafzai, citada no documentário He Named Me Malala (Ele me deu o nome de Malala). Filme dirigido por Davis Guggenheim e lançado no Brasil em 2015, ali se aborda a luta dessa jovem ativista paquistanesa, que ficou conhecida após sofrer um atentado por parte do Talibã, em 2012, ao buscar a defesa da educação das meninas e mulheres em seu país. Aliás, no filme, Malala, seu pai e mãe interpretam a si mesmos.

Essa jovem ergueu sua voz na luta pela educação e contra a submissão das meninas no Paquistão, contra a doutrina fundamentalista do Talibã. Isso sensibilizou em profundidade o mundo e, em 2014, com apenas 17 anos, ela se tornou a mais jovem ganhadora do Prêmio Nobel da Paz.

A protagonista Malala nasceu em Mingora, no Vale de Swat, região do nordeste do Paquistão, profundamente conservadora, “onde se espera que as mulheres fiquem em casa para cozinhar e cuidar dos filhos”. Segundo relatório da ONU de 2012 cerca de 75% das meninas paquistanesas não frequentavam a escola. Ela nasceu em 12 de julho de 1997, sendo a primogênita, com três irmãos. Sua mãe faz parte da estatística de analfabetismo da maioria das mulheres paquistanesas, que vivem aprisionadas em tarefas estritamente domésticas. Seu pai, Ziauddin Yousafzai, se graduou em inglês, era professor e exerceu grande influência na vida da filha. Fundador da sua própria escola, desempenhava todos os tipos de funções existentes da instituição para mantê-la. Malala iniciou seus estudos com quatro anos de idade e cresceu em meio a esse ambiente escolar, tomando-o como seu segundo lar.

A crueldade do Talibã

A 15 de janeiro de 2008, o Talibã proibiu oficialmente os estudos para as meninas do Swat. Como uma forma de resistência, quando contava 11 anos, Malala começou a escrever, a pedido de um emissário da BBC, um blog denominado “Diário de uma Estudante Paquistanesa“. Escrevia sob pseudônimo, para não colocar sua vida em risco. Em 9 de outubro de 2012,  após um dia de estudo, ela e mais duas amigas foram baleadas dentro do ônibus escolar. Era uma tentativa do Talibã para silenciar suas manifestações. Malala levou um tiro na cabeça, sendo socorrida em caráter de urgência, entrou em coma e, devido a seu estado crítico, foi transferida  para Birmingham (Inglaterra), onde haveria mais recursos para tentar  salvar sua vida. Pela efetiva intervenção médica, ela não teve maiores consequências neurológicas, apesar de sequelas na audição e na face do lado esquerdo.

Prêmio Nobel da Paz

A mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz o recebeu como resposta por seu exemplo de símbolo da luta pelo direito à educação das meninas, contra o obscurantismo de seitas religiosas fundamentalistas.

Fez seu primeiro discurso na Assembleia de Jovens da ONU nove meses após o atentado que sofreu, demonstrando que iria continuar a luta e que não seria silenciada pelas ameaças continuava sofrendo. “Eles pensaram que a bala iria nos silenciar mas eles falharam”. Salientou a importância do apoio da população para a educação. A frase proferida por Malala, que ganhou o mundo, é reveladora da profunda sensibilidade e compromisso dessa importante ativista: “Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo”.

O nome de Malala é oriundo de uma lenda afegã, que conta a história de uma jovem que encorajou os soldados do seu país em meio a uma batalha  contra o domínio britânico, a qual já se considerava perdida. Com o dito popular “Melhor viver como um leão por um dia, do que como um escravo por cem anos”, faz os guerreiros afegãos reverterem o resultado do embate e afugentarem os ingleses do seu território. Entretanto, a jovem da lenda foi baleada e morta no campo de batalha. O nome de Malala no século XXI guarda esse significado.

No século atual, convive-se ainda com diversas contradições, em  particular não aplicação da Convenção de Direitos Humanos, declarada em  1948 pela ONU, como o direito à educação. Esse impedimento ao acesso à  educação formal se dá principalmente contra o gênero feminino,  particularmente em países que proíbem-nos às mulheres e as marginalizam.

Esperança na juventude

No Brasil, em tempos atuais, vivemos pesado retrocesso contra os direitos humanos. O governo Bolsonaro criou um grupo de trabalho para propor mudanças no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), a principal plataforma sobre políticas públicas de direitos humanos no Brasil, deixando de fora representantes da sociedade civil, com uma nítida ação antidemocrática, como é a marca do governo miliciano.

As forças obscurantistas estão presentes em nosso país, tentando mudar o sentido estratégico da escola, da educação como espaço de construção da consciência crítica e interromper a saga libertária das jovens mulheres de nosso país. O desgoverno do capitão promove, nesse sentido também, brutais cortes de recursos para escolas e Universidades Públicas, tentando sufocá-las.

Em contraponto, as recentes mobilizações contra o governo Bolsonaro ocorridas no último 29 de maio, em todo o país, em que o público jovem se destacou, começam a mostrar que o retrocesso e o obscurantismo não poderão prosseguir arrasando uma nação e seu povo, reerguendo as esperanças.  Muitas Malalas nas ruas do Brasil (e até em algumas cidades europeias) estiveram lutando pela educação, denunciando o governo genocida e combatendo as narrativas de matriz ultraconservadora, 

A história da personagem registra que os direitos das mulheres e meninas, a discriminação de gênero e a violência são questões tão antigas quanto a maior parte da história da humanidade a partir da constituição do modo de produção escravista, e  fazem parte de muitas tradições religiosas e culturais que se revelam no mundo de nossos dias, onde as relações patriarcais se apresentam em todo o tecido social. Como nos deixou assinalado Heleieth Saffioti, o patriarcado se engendra social e culturalmente como um “sistema” ou como uma forma de “dominação”, que se expressa em uma estrutura de poder que tem por base a ideologia e a violência. Demonstrando um processo de poder e controle do homem sobre a mulher, não natural, mas socialmente construído ao longo da história. Nossa personagem rompeu com tamanha imposição sobre ela, desafiou os talibãs, como no Brasil muitas meninas corajosas e esperançosas de um mundo novo estão enfrentando obstáculos para a construção de uma sociedade de liberdade e igualdade, em que o acesso à educação seja, de fato, um direito para todas e todos.

Ficha técnica

Título original: “He Named Me Malala”
Ano de produção: 2015
Direção: Davis Guggenheim
Duração: 87 minutos


Referências

SAFFIOTI, H.I.B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004

http://www.adorocinema.com/filmes/filme-236619/trailer-19546505/ Acesso em 20 de maio 2021

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/10/saiba-quem-e-malala-yousafzai-paquistanesa-que-ganhou-nobel.html Acesso em 26 de maio de 2021

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