Manhuas: possibilidades e potencialidades da cultura chinesa

A China possui um dos maiores públicos leitores de histórias em quadrinhos do mundo – se não o maior

Até então estas primeiras histórias em quadrinhos eram peças soltas, publicadas de maneira aleatória em livros e jornais chineses e, muitas vezes, não creditados. A primeira revista que oficialmente recebeu o nome de manhua foi a “Shanghai Sketch” (ou Shanghai Manhua). Essa trazia uma série de ilustrações, contos e histórias em quadrinhos que ao mesmo tempo que satirizavam também mostravam todo o glamour do modo de vida ocidental que cada vez mais entranhava-se na sociedade chinesa.

Estas revistas foram muito populares até o início da Segunda Guerra Mundial. O Japão obliterou a gigantesca China, destruindo seus meios de produção e fazendo com que a sua imprensa ficasse estagnada. Quando a guerra acabou, apesar de ter emergido do lado dos vitoriosos, o país estava destruído.

Superada essa fase a produção de manhuas na China se tornou um fenômeno, com títulos nas mais diversas áreas, tratando dos mais diversos temas e dialogando com as demais manifestações artísticas, como o cinema e a literatura, a exemplo da obra por nós aqui analisada.

Hoje a China possui um dos maiores públicos leitores de histórias em quadrinhos do mundo – se não o maior. Oportunizar ao resto de nós a leitura e interpretação desta manifestação artística colabora no entendimento de tudo que o país produz de maneira qualificada e profunda nas mais diversas áreas, aqui em particular na chamada nona arte, em tudo que esta nos oportuniza da cultura chinesa.

As histórias em quadrinhos asiáticas chegaram com força descomunal ao mundo ocidental nos anos 1990 e 2000. Apesar de hoje as produções vindas do Japão serem amplamente conhecidas internacionalmente, os dois outros maiores países a produzir esta arte são quase sempre esquecidos: a China e a Coréia do Sul, estes também possuem um grande mercado, com obras vastas e interessantes. Em geral, seus títulos são lembrados como mangás, o que é um equívoco.

Estes dois países possuem as suas próprias dinâmicas de produção, aqui abordamos especificamente a experiência chinesa na área das histórias em quadrinhos, chamados lianhuanhua originalmente e atualmente de manhwa ou manhua, e todo o potencial que estes possuem.

A palavra em si “manhua” significa de maneira literal “desenhos irresponsáveis”. Assim como os comics americanos, o mangá japonês ou mesmo as histórias em quadrinhos brasileiras, eles surgem a partir de charges e cartuns feitas inicialmente focadas nos leitores dos jornais a partir do advento do avanço tecnológico da tipografia na virada do século XIX para o século XX.

Um dos grandes exemplos do potencial artístico chinês está no manhua Jornada ao Oeste, uma adaptação de um livro clássico publicado na China, lançado em 1590 pelo escritor chinês Wu Cheng’em.

Este foi considerado um dos quatro grandes romances do país tendo em 1962 sido transposto para sua versão em quadrinhos que nos apresenta as aventuras do monge Xuan Zang e de seu companheiro, o macaco antropomórfico Sun Wukong. Em 2008, o primeiro volume do livro chegou ao Brasil pela editora Conrad. Apesar do atraso de 46 anos, foi a primeira vez que a obra foi publicada fora da China.

Sun Wukong é protagonista de óperas, filmes, festivais, balés, séries para televisão, videogames, desenhos animados e histórias em quadrinhos, isso se dá na China, mas também fora dela em grandes proporções, inclusive o famoso personagem dos mangás Son Goku, de Dragon Ball.

Apesar de não possuir os chamados balões de fala, com o texto se encontrando abaixo do desenho, é possível enquadrar este como uma história em quadrinhos (manhua) a exemplo de outras obras como O Menino Amarelo, do norte-americano Richard Outcault (1896) e Nhô Quim, do ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1869), produções célebres que possuem a mesma estrutura com os textos apartados da imagem e são consideradas histórias em quadrinhos.

Quero aqui demonstrar que a cultura chinesa pode e deve ser mais e melhor oportunizada ao ocidente através da publicação de manhuas. Analisando o primeiro volume publicado em português do manhua Jornada ao Oeste, é possível demonstrar que as histórias em quadrinhos são uma linguagem praticamente universal, um potencializador cultural e uma importante plataforma de divulgação de uma nação e suas tradições.

A partir da análise do refinamento artístico presente na obra Jornada ao Oeste por nós estudada desvelamos possibilidades e potencialidades da mesma como expressão da nona arte, com a singularidade de mostrar a maneira como os chineses dialogam com esta representação cultural e o potencial educativo que a mesma possui.

É fundamental trazer ao Ocidente manhuas como Jornada ao Oeste, que nos permite ter um olhar mais ampliado, plural, com profundidade, sobre a cultura chinesa. O livro constrói uma narrativa que permite ao leitor visitar a China sem lá ter estado, conhecer uma cultura milenar e um dos seus principais representantes: Sun Wukong, o rei dos macacos.

Uma pena a obra estar esgotada, merece uma urgente reedição, que seja acompanhada de mais manhuas chineses que oportunizem aos brasileiros contato com os excelentes e variados quadrinhos chineses.

Este texto foi adaptado do artigo científico originalmente publicado na Revista Boletim do Tempo Presente, volume 8, nº 3 da Universidade de Pernambuco – UPE.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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