Mar revolto com nevoeiro

Em 2004, em algum shopping center de Brasília, encontramos por acaso, eu e meu companheiro, o saudoso camarada Sérgio Miranda. Lá pelo final da prosa, questionado sobre as questões que enfrentava – estava ainda filiado ao partido – Sérgio respondeu: quando há nevoeiro, o marinheiro leva o barco devagar.

Sérgio não está mais entre nós. Mas não tenho dúvida de que se estivesse concordaria com outra metáfora sobre marinheiros: não há vento favorável para quem não sabe a que porto se dirige. A conjuntura de hoje lembra o mar revolto e as forças de esquerda parecem canoas soltas ao sabor das ondas. Temos planos para 2018, mas não sabemos se haverá 2018. Se houver, vamos de Lula, mas não sabemos se Lula poderá ir conosco. Criamos uma frente, mas não a dotamos de instrumentos suficientes, seguimos no cada um por si, cada canoa para um lado e ninguém para lugar algum.

E a todas essas os escândalos se multiplicam, as facções retrógadas avançam rumo ao porto principal. Ninguém mais se surpreende com nada e alternativas autoritárias vão ganhando espaço em corações e mentes desiludidos. E nós, como não conseguimos dissipar o nevoeiro nem sabemos a que porto pretendemos chegar, seguimos rodopiando ao sabor dos acontecimentos. Nos conformamos com a situação descrita por aquele verso bonito de Paulinho da Viola: “não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”…

Mas o bom marinheiro sabe que quase sempre é possível atravessar a tempestade. Às vezes um erro de cálculo, a falta de um equipamento ou a subestimação da força das ondas e do vento – que o levam a não atracar quando era tempo – podem levar ao desastre. É por isso que as navegações provocaram o surgimento de tantos equipamentos modernos e de tantas técnicas para observar e prever o tempo. Com planejamento, boa tripulação, instrumentos adequados e rota bem estudada, é quase impossível haver um naufrágio (conheci um sujeito que tinha medo de avião. Quando precisava ir a um congresso internacional, ia somente se desse tempo de ir de navio. Por quê? Porque as estatísticas de naufrágios são ínfimas se comparadas às quedas de avião).

O mar da história também é revolto e repleto de tempestades. A ciência da política não consegue prever todos os eventos – assim como a climatologia – mas é possível, a partir do conhecimento histórico e sociológico, fazer analogias e arriscar algumas previsões. Os capitães dos barcos da política precisam esmerar-se em dominar essa ciência e traçar o caminho. O primeiro passo é escolher o porto. Em seguida, deve-se mapear os locais de atracamento intermediário, onde se pode manter a embarcação a salvo em caso de ventos e ondas mais fortes. Mas é preciso ter o percurso claro, e os planos para alcançá-lo. Necessário ainda convencer os passageiros a embarcar. Quem embarcaria numa nau sem rumo, sem plano de navegação, sem tripulação confiável e sem chances de chegar ao destino?

Isso talvez explique um pouco a “incrível” falta de reação do povo brasileiro à sucessão de escândalos. Ela não é incrível: é previsível. Se nossas e nossos capitães não apresentam uma rota que encante corações e desperte a vontade a atirar-se ao mar, quem aceitará ser levado pelas ondas, ao sabor dos ventos ruins, enquanto outros marinheiros assumem o comando da expedição? Mas, note-se: ainda não é a maioria que deseja embarcar nesses navios de bandeira duvidosa. A maioria ainda está com os pés bem fincados no chão, aguardando ser convencida de qual bilhete comprar. Falta quem os convença. Falta uma embarcação segura, bem construída e resistente, além da rota a percorrer. A frente nacional e popular tem todo o jeito de barco, mas está cheia de furos, por onde a água vai entrar. É preciso tampar os furos, unificar a tripulação, costurar bem as velas, traçar os cenários. Quantos? Todos aqueles que podemos prever. Quem pode fazer isso? As capitãs e os capitães, esses em quem confiamos, que têm visibilidade, alguns têm mandatos – outros já tiveram -, comandam sindicatos, movimentos, tiveram papel de destaque nos governos passados… Todos olhamos para esses capitães e esperamos que nos digam que rota seguir. Se não nos dizem nada convincente, seguimos na luta pela vida, porque esta não aceita adiamentos.

Encerro com o verso de Fernando Pessoa: “navegar é preciso”. Nos dois sentidos.

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