Medida Provisória 979 dobra a aposta contra autonomia universitária

O Diário Oficial da União publicou, neste 10 de junho, a Medida Provisória nº 979/2020, que dispõe sobre a designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública.

A MP 979/2020 afirma que o MEC poderá manter o reitor e vice-reitor pro tempore no período subsequente ao fim da pandemia, até os novos dirigentes serem eleitos e nomeados pelo governo federal. A MP também proíbe a realização de qualquer tipo de consulta à comunidade universitária, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para escolha de dirigentes das instituições federais de ensino enquanto durar a pandemia.

Em outros termos, o MEC indicará o reitor e vice-reitor das universidades e institutos federais durante o período da pandemia do coronavírus, contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e, principalmente, o artigo 207 da Constituição Federal.

É ciente que o governo federal tem utilizado, cada vez mais regular, procedimentos autoritários quando o assunto é escolha de reitor e vice-reitor das universidades e institutos federais. Tem sido comum, inclusive, a indicação de nomes que não constam na lista, caracterizando o total desrespeito à ordem democrática.

Além disso, teve a tentativa, via MP nº 914/2019, de o governo federal estabelecer nova configuração ao processo de escolha dos dirigentes, medida que não foi votada pelos deputados federais e senadores e acabou perdendo a validade no dia 2 de junho. No entanto, com a publicação da MP nº 979/2020, a escalada autoritária nas universidades e institutos federais entra em um novo patamar, talvez mais radical.

Em que pese a suspeita dela ser inconstitucional, visto que na prática entra em confronto com o artigo 207 da Constituição Federal, é cada vez mais nítido o desejo de Bolsonaro (sem partido) ter o controle administrativo, a qualquer custo, das universidades e institutos federais.

É interesse do governo federal, e o MEC tem se empenhado nisso, colocar no comando das reitorias professores alinhados politicamente com seu projeto de país, nem que seja necessário rasgar o texto constitucional e desprezar toda tradição eleitoral para a escolha do reitor e vice-reitor das universidades.

Como se sabe, professores, técnicos-administrativos e estudantes, no âmbito da autonomia universitária, elegem seus dirigentes máximos. Em sentido contrário, a MP nº 979/2020 retira o direito ao voto da comunidade universitária, transferindo-lhe para a caneta do presidente Bolsonaro (sem partido) e do ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Ah, mas algum desatento ou mal intencionado pode afirmar que o isolamento social não permite a aglomeração de pessoas, medida que impede o processo eleitoral, via consulta pública ou, como versa a LDB, através do colégio eleitoral. Para as duas situações, respondo da seguinte forma.

No caso do colégio eleitoral das universidades, os órgãos colegiados têm realizado seus encontros periódicos através das plataformas digitais, a exemplo da Comunidade Acadêmica Federada (café), que é administrada pelo MEC, ou pelo sistema acadêmico que as próprias universidades utilizam cotidianamente. Penso, particularmente, que escolher dirigente dessa forma não compactua com o mais elevado espírito democrático, mas a legislação vigente permite.

No caso da consulta à comunidade universitária, é bom lembrar que ela serve para balizar a composição da lista tríplice feita pelo colégio eleitoral, garantindo mais legitimidade aos futures gestores das universidades e ampliando o caráter democrático da escolha. Como se sabe, esse procedimento é comum nas universidades e é utilizado desde a década de 1980. Para viabilizá-la, pode-se, como alternativa ao voto online, criar uma logística para que o voto presencial seja garantido. O TSE, por exemplo, tem discutido medidas para garantir o voto dos cidadãos nas eleições municipais que se avizinha. Elas podem servir de parâmetro para que as universidades realizem suas consultas públicas e elejam, da forma mais participativa possível, seus respectivos reitores e vice-reitoras. Tudo dentro da normalidade democrática.

Ora, diante do cenário atual, o que fazer? Espero que o Congresso Nacional, através das diversas representações partidárias, rejeite a MP 979/2020, além de repudiar a escalada autoritária que o governo federal promove, através do MEC, nas universidades e institutos federais.

Anseio que a parcela da comunidade universitária, independentemente do espectro político preferencial, que nutre o sentimento democrático, rechace a MP, denunciando-a, mas também se una em defesa da autonomia universitária e do direito ao voto.

A universidade federal brasileira já demonstrou que, além de ser um espaço para o desenvolvimento da criatividade, do senso crítico e da produção científica, tem apreço pela democracia. Essa é uma de suas principias características.

Governos autoritários sabem disso e promovem, além de campanhas marcadas por injúrias, calúnias e difamações, ações que visam controlá-la administrativamente, restringindo, portanto, seu viés democrático.

Em tempos onde a escalada autoritária tem sido promovida pelo governo federal, a omissão não é a melhor resposta, muito menos relativizar a ação governamental. Cabe aos democratas defender que a universidade federal continue cumprindo seu papel na edificação de um país solidário, justo e democrático. Portanto, derrubar a MP 979/2020 é imprescindível.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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