Morte e Vida Severina 60 anos da primeira encenação

Há 60 anos foi encenada pela primeira vez a peça Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. A primeira montagem foi feita pelo grupo Norte Teatro Escola, de Belém do Pará. A peça foi apresentada depois no I Festival Nacional de Teatro de Estudantes, também em 1957, em Recife, Pernambuco. No Festival, o ator Carlos Miranda, que interpretou Severino, foi premiado como ator revelação.

No domingo, dia 26 de agosto, assisti a encenação dos cortantes versos de João Cabral, aqui em Belém, como parte de um projeto que comemorou os 60 anos da primeira apresentação do espetáculo. A montagem atual, dirigida por Denis Bezerra e Karine Jansen, introduziu um diálogo com a Amazônia. Seja com a presença dos inúmeros Severinos que migraram para a região na época de ouro da borracha, ou dos Severinos que engrossaram os acampamentos dos Sem Terras e foram chacinados na Curva do "S", em Eldorado dos Carajás.

Os enxertos amazônicos e a relação temporal com momentos históricos importantes da região, como o ciclo da borracha e a chacina dos Sem Terras na Curva do "S", caíram bem no texto, nos aproximando de uma realidade atual e de uma vivência com a nossa Amazônia. Foi um ponto importante da montagem atual e foram colocadas naturalmente, trabalho sensível e sem forçar a mão.

Por outro lado apresentar um texto clássico, trazendo de volta à cena um importante momento do teatro paraense, é mérito em si. O Pará tem uma importante produção teatral, que apesar de todo o descaso e abandono, ainda resiste e se afirma.

Mas, para além deste mérito, há um conjunto do espetáculo que o coloca como arte de qualidade. Sejam os aspectos técnicos (iluminação cuidadosa, figurinos caprichados, maquiagem e caracterização primorosas), seja a força do texto, o trabalho dos atores, os olhar para a Amazônia e as mãos dos diretores, nos colocou em uma verdadeira obra de arte.

E como toda obra de arte que verdadeiramente mereça este nome, nos faz passar por um conjunto de sentimentos. Também nos leva a reflexão sobre a vida e a situação que vivemos e que se passa por nosso país. Para mim algumas questões saltaram os olhos e a mente. 60 anos se passaram da primeira encenação e ainda convivemos na Amazônia brasileira com as mortes na luta pelo direito a terra, "é a parte que te cabe nesse latifúndio, é a terra que queria ver dividida…" ainda é realidade presente no terceiro milênio.

Por outro lado a vida Severina se espalha por nosso país, o Brasil voltou ao mapa da fome e ao flagelo da desnutrição. Mas a resistência Severina e persistente do brasileiro não foi totalmente abalada pelos tempos tenebrosos que vivemos. Há ainda espaço para a esperança criadora e generosa de nosso povo, que o faz severinar, resistindo as dificuldades e ir até o horizonte, na busca permanente da vida nova, alimentada pela esperança, que talvez se realize pelas mãos do nosso mais famoso dos retirantes nordestino vivo, que teima sonhar junto com o povo brasileiro.

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