Na média, o atual Congresso tem sido melhor que o governo

O Congresso Nacional — a Câmara dos Deputados, em particular —, recebeu, no computo geral, ao todo, 6.690.063 de votos na legenda e 91.679.056 de votos nominais, perfazendo total de 98.369.119 sufrágios. Então, a legitimidade de ambos os poderes está confirmada pelo voto popular.

(Foto: Reprodução)

Nesse cenário de esgarçamento das instituições e das relações políticas e sociais, o Congresso Nacional tem sido, para além do senso comum, o ponto de equilíbrio democrático, em que pese, por óbvio, todas as suas contradições. Mas o problema aqui, neste caso, não é este. Mas é também.

O caráter democrático do Congresso fica mais evidente, porque depois de 1 ano no cargo, o presidente eleito, em outubro de 2018, tem demonstrado suas feições autoritárias, cujas práticas têm resvalado, sempre que pode, no desapreço e vilipêndio pelas instituições da democracia — os poderes Legislativo e Judiciário, a imprensa, os partidos políticos e o Estado Democrático de Direito — e até mesmo a Presidência da República, cujas atitudes, o presidente expõe, desmoraliza e a desmerece.

Mas antes de entrar no objeto do título deste artigo é preciso colocar algumas coisas em seus devidos lugares.

Legitimidade do presidente e do Congresso

Ambos os poderes — Executivo e Legislativo — são legítimos, porque foram eleitos sob amplas (discutíveis) liberdades democráticas e porque também o peso eleitoral de ambos se equivale.

Bolsonaro recebeu, no 2º turno das eleições de 2018, 55,13% dos sufrágios válidos, conquistando 57.796.986 votos.

O Congresso Nacional — a Câmara dos Deputados, em particular —, recebeu, no computo geral, ao todo, 6.690.063 de votos na legenda e 91.679.056 de votos nominais, perfazendo total de 98.369.119 sufrágios [1]. Então, a legitimidade de ambos os poderes está confirmada pelo voto popular. Não cabe a nenhum dos chefes de poderes quererem ou intentarem uns contra os outros, como tem feito o titular do Executivo em relação ao Congresso Nacional e à Suprema Corte.

Liberal e conservador

A despeito do perfil liberal e conservador e também da “ampliação da diversidade, com a presença de 1 deputada indígena e o aumento de mulheres, negros e jovens, com maior escolaridade, com maior número de deputados conectados com as redes sociais e mais parlamentares em primeiro mandato, o novo Congresso é o mais conservador dos últimos 30 anos”, pontifica-se na Radiografia do Novo Congresso, publicação tradicional e amplamente conhecida do DIAP, em que se analisa as eleições gerais e suas feições. Assim, o já não tão novo Congresso, pode ser classificado como:

1) liberal, do ponto de vista econômico;

2) fiscalista, do ponto de vista da gestão;

3) conservador, do ponto de vista dos valores;

4) mais à direita, do ponto de vista ideológico; e

5) mais atrasado em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos.

E segue: “A dimensão liberal, do ponto de vista econômico, expressa-se de um lado, pela rejeição do mercado a qualquer tipo de intervenção do governo na gestão ou na margem de retorno do setor privado, fato aliás que foi um dos principais motivos do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e, de outro pelo sentimento de parcela expressiva da população que associa a exploração de atividade econômica pelo Estado à corrupção, especialmente em razão das denúncias envolvendo a Petrobras. Isso deu muito impulso à ideia de redução do Estado, tanto na prestação de serviços, quanto na exploração da atividade econômica.”

Desse modo, do ponto de vista das pautas econômicas, governo e a maioria congressual se equivalem, pois têm ampla convergência e sintonia nesse quesito.

Assim, a tentativa de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) emparedar o Congresso e tentar levar de roldão o STF, acusando-os de dificultar a ação governamental é, para dizer o mínimo, e com muita generosidade, FALSA. No fundo, essa atitude do titular do Executivo apenas demonstra as próprias dificuldades do chefe do governo em articular a política no Legislativo, na economia e na sociedade.

Vamos aos dados objetivos que confirmam a tese de que, não fosse o Congresso Nacional, o quadro social seria infinitamente pior ou estaria mais esgarçado.

Reforma da Previdência

Sempre mirando na brutal, severa e adversa correlação de forças políticas, no Congresso Nacional, a Reforma da Previdência, promulgada em novembro passado e já em vigor, poderia ter sido bem pior para o povo em geral e os trabalhadores, em particular, não fosse a mediação e modulação do Congresso Nacional.

Outro exemplo foi a aprovação, na comissão mista, da MP 898/19, no substitutivo formulado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que torna o 13º do Bolsa Família, extensivo ao BPC, permanentes. E também na derrubada do veto presidencial ao aumento do valor do BPC (Benefício de Prestação Continuada). Sobre este 2 últimos itens detalhamos mais adiante.

Depois da denúncia da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de que o regime de capitalização não teria dado certo em nenhum país do mundo, amplamente denunciado pela oposição, o Congresso rejeitou a tese na então proposta de reforma da Previdência (PEC 6/19). Como também rejeitou uma série de outras propostas contidas na reforma — redução do BPC, da pensão por morte, entre outras mazelas expressas no texto original do governo —, envido ao Congresso no dia 20 de fevereiro de 2019.

Quem acompanhou o debate, na Câmara e no Senado, em torno do tema vai entender o sentido dessa abordagem, cujo objetivo é, em alguma medida, relativizar o papel do Congresso Nacional, no debate e decisão em torno dessa e de outras propostas com essa abrangência.

Isto porque, dos 3 poderes (Executivo e Judiciário), o Legislativo é o mais acessível e sensível às demandas sociais, porque, via de regra, recebe mais pressão da sociedade civil. Muito embora os seus representantes ainda estejam muito distantes dos seus representados, em termos sociais, econômicos e políticos.

Mesmo assim, o Congresso tem sido, diante de tantas mazelas, desequilíbrios, injustiças e desigualdades na sociedade brasileira, o poder mediador ou moderador, o poder que serve de ponte para levar a cidadania onde essa não poderia ir sozinha ou ir por suas “próprias pernas”. Melhorar o perfil do Legislativo é o papel da cidadania, com ajuda da imprensa, que nesse sentido não tem ajudado muito; dos movimentos sociais e sindical, que ainda atua pouco ou precariamente ou atua de modo “artesanal” no Parlamento, como chama a atenção o cientista social, Giovanni Alves, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Marília, no sentido de dar efetividade às suas pautas e demandas no Legislativo (essa demanda também é recorrente), entre outras razões.

“O Parlamento brasileiro, em cujas deliberações predomina um cenário de entrechoque de interesses, exerce papel fundamental para a democracia, entre outras razões, porque organiza, de modo pacífico, as contradições que a sociedade não quer e nem pode assumir, sob pena de jogar o país na barbárie”, cravou Antônio Queiroz, na publicação seminal “Por dentro do processo decisório: como se fazem as leis”, de 2006.

“O Congresso Nacional representa todo o País — todas as regiões e estados brasileiros. O Parlamento é o fórum [lócus] que mais acumula o senso de realidade [brasileira], ou seja, o quadro cotidiano do País. Porque o parlamentar ao retornar à sua base [estado] ele volta com demandas, volta com a visão das carências da sociedade local [regional]. [O Parlamento] É a ‘caixa de ressonância’ das demandas da sociedade, sob o aspecto realístico, que a concentração do Poder, em Brasília, cujos gabinetes do Poder Executivo não conseguem ter essa [visão] percepção”, compreende o analista político e especialista em Processo Legislativo, Marcos Queiroz, da Arko Advice.

13º do Bolsa Família e do BPC

Em decisão mais recente, ainda que parcial, pois necessita da confirmação dos plenários, respectivamente, da Câmara e do Senado, o atual Congresso demonstra mais sensibilidade social que o atual governo. A aprovação, na comissão mista, da MP 898/19, por meio do substitutivo do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) torna o 13º salário do Bolsa Família permanente e extensivo ao BPC, assevera isto. A MP original não abarcava o BPC e concedida 13º ao BF apenas em 2019.

Caso os plenários da Câmara e do Senado ratifiquem a decisão da comissão mista, o texto vai à sanção presidencial, cuja tendência do presidente é vetar a matéria, mas o Congresso pode derrubar o veto. Se o Congresso não aprová-la, a MP perde a eficácia no dia 24 de março.

Veto e derrubada do aumento do BPC

A votação no Congresso, na última quarta-feira (11), com a consequente derrubada do veto ao aumento do BPC (Benefício de Prestação Continuada) confirma, nas 2 pontas, que o atual Congresso está mais próximo do povo, que o governo.

O veto total (VET 55/19) do presidente da República, Jair Bolsonaro, foi no PLS (Projeto de Lei do Senado) 55/96. Esse aumentava a renda per capita familiar para ter acesso ao BPC, de 1/4 de salário mínimo (R$ 261,25 em valores atuais) para meio salário mínimo (R$ 522,50). O veto foi derrubado por expressivos 45 votos de senadores e 302 de deputados, quase 3/5, em cada Casa Legislativa. O que demonstra a expressiva convicção dos congressistas.

“A bem da verdade é importante chamar a atenção que não há no orçamento atual fonte de custeio para bancar esse aumento de despesa. O que não invalida a preocupação, de fato, de o Congresso ter olhado para o problema dos mais vulneráveis no País”, chamou a atenção Marcos Queiroz da Arko Advice.

Redemocratização e demandas aos poderes

Desde a redemocratização do País, a partir de 1985, e sua consolidação com a Constituição, de 5 de outubro de 1988, a democracia brasileira atravessa o tempo, ora sob calmarias, ora sob solavancos, este é o caso agora. Sobretudo, porque elegemos, em outubro passado, 1 presidente autoritário e 1 Congresso majoritariamente conservador.

Em todas as democracias ocidentais, inclusive a brasileira, em que pese suas fragilidades e do sistemático ataque que sofre, ora por incompreensões, ora por atávico espírito antidemocrático das elites econômicas e políticas locais, só o respeito ao Estado de Direito Democrático poderá levar o País à estágio mais avançado nos planos político, econômico, social e ético-moral.

Nas democracias representativas — é o caso da brasileira — só é possível demandar os poderes, com organização e clareza do que aflige cada macro setor. Assim, é necessário, para no caso de demandar mais e melhor o Poder Legislativo, construir a agenda do campo democrático e popular. É isto que tem faltado aos movimentos sindical e sociais. Essa demanda não é nova. Já escrevemos sobre isto. O tema é recorrente.

Via de regra, só demanda os poderes quem está organizado e detém alguma representatividade na sociedade. Por isso, a pauta social difusa, invariavelmente, não encontra eco nos poderes.

Por fim, mas não menos importante, não se pode esquecer, embora este também seja aspecto recorrente do Poder Legislativo, cujo perfil deriva da média do perfil da sociedade brasileira. Lá, no Congresso, está a representação do povo brasileiro, com todas as suas mazelas, incompreensões e contradições. Assim, repito: melhorar esse perfil não será obra do divino ou do acaso, mas de muito debate, participação e educação políticas, sem os quais nada mudará, a não ser para pior!

Como funciona o Sistema Político brasileiro

Sobre o Sistema Político brasileiro é preciso fazer rápida, mas necessária abordagem, de como funciona, a fim de lançar luz sobre as desinformações e distorções, com que invariavelmente este assunto é tratado.

O Sistema de Freios e Contrapesos é o princípio fundamental pelos quais  funciona as instituições e base do Estado Democrático de Direito, a separação entre os poderes constitucionais prevista na Constituição de 1988, que evita que Executivo, Legislativo e Judiciário cometam abusos e tentem se sobrepor uns aos outros.

Para a separação funcionar, existe o sistema de freios e contrapesos, consagrado pelo pensador francês Charles-Louis de Secondat, o barão de La Brède e de Montesquieu, conhecido como Montesquieu, que foi político, filósofo e escritor. Montesquieu fez essa formulação em sua obra seminal “O Espírito das leis”. “Quem formula as leis não pode ser responsável pela sua execução, e quem é responsável pela sua execução não pode ser responsável por decidir se essas leis são constitucionais ou não”, resume o cientista político Ricardo Caldas.

No artigo “O necessário equilíbrio entre os 3 setores do sistema social”, de 2014, Antônio Queiroz, do DIAP, ampliou o conceito analisando o “Sistema Social”, que é semelhante ao Sistema de Freios e Contrapesos para entender o equilíbrio ou desequilíbrio do Estado moderno.

“O sistema social de qualquer país democrático está estruturado em 3 setores, que interagem e se fiscalizam reciprocamente — à semelhança do sistema de freios e contrapesos próprio da divisão das funções dos poderes — um moderando ou controlando os excessos do outro. São esses: o Estado, como primeiro setor; o Mercado, como segundo setor; e a Sociedade Civil, como terceiro setor.

Se você chegou até aqui depois deste longo dito e escrito, agora, talvez, não seja difícil concluir que, na média final, o atual Congresso tem sido melhor, no plano social, que o atual governo, por dados e fatos expostos pela vida real até aqui publicamente revelados. Por isso, o chefe de 1 poder convocar, estimular e participar de manifestações contra outros poderes e até pedir o seu fechamento, cheira à, no mínimo, anomalia antidemocrática!

Nota:

[1] Dados da Radiografia do Novo Congresso – Legislatura 2019-2023, do Diap

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