Não é exagero. São os Beatles!

Com toda a mítica em torno dos Beatles, é surpreendente vê-los simplesmente trabalhando, tentando, discutindo, errando e acertando no arrastar das horas

Série "The Beatles: Get Back" I Foto: Divulgação

Ano passado, assisti um filme despretensioso. Muitos devem ter visto. Chama-se Yesterday, nome daquela famosa música dos Beatles. No filme (e aqui vai algum spoiler) um fenômeno sobrenatural suprime do universo a memória do quarteto de Liverpool. Apenas algumas pessoas guardam essa lembrança. Entre eles um garoto que é o protagonista da história. Ele ganha um violão dos amigos e, feliz, experimenta o instrumento tocando os acordes de Yesterday. Os amigos, que naquele contexto não conheciam a banda, observam deslumbrados como se ouvissem anjos tocando harpas no paraíso. E assim ele segue revelando ao mundo as músicas apagadas para a grande maioria. Segue experimentando o impacto que cada música dos Beatles, perfeita como se tivesse nascido da natureza, gera em cada pessoa que a ouve.

Filme “Yesterday” I Foto: Divulgação

O filme dá esse tom divino à banda, com direito a aparição de um John Lennon envelhecido, mas pleno em sua consciência humana. Um John Lennon que naquele contexto sobrenatural passa ao largo do showbiz e que, como um sábio, está além das ambições mundanas.  Falando assim parece um exagero. Mas não é exagerado no filme. Ao contrário, parece justo e comovente reverenciar os Beatles.

Foi interessante lembrar deste filme ao assistir a série The Beatles: Get Back, que estreou no Disney+ em novembro de 2021. Interessante porque na série, que apresenta várias horas com a banda no estúdio, assistimos Lennon, Paul, George e Ringo concretamente criando as músicas que no filme foram elevadas a um patamar espiritual. Se parecia um dom divino o personagem tirar Yesterday do violão, em Get Back eles se reuniam em um trabalho persistente em meio a técnicos, produtores, empresários, fiação, parafernálias mil, para tirar dali nada menos que Let it be, Don´t Let me down, I´ve got a feeling e tudo o que há de melhor na música.

Com toda a mítica em torno dos Beatles, é surpreendente vê-los simplesmente trabalhando, tentando, discutindo, errando e acertando no arrastar das horas que faz com que qualquer trabalho seja, no final do dia, um trabalho, com suas regras, sua exaustão e suas dificuldades. Mesmo que esse trabalho seja produzir o álbum Let it be.

Naquelas horas arrastadas que a série apresenta estão as notas que desafinaram o quarteto e colocaram um ponto final na banda. Get Back busca trazer ao público as divergências que fizeram com que aquele fosse o último trabalho juntos e, dentro disso, desfazer a narrativa da separação pouco amigável provocada pela presença da artista plástica e companheira de John, Yoko Ono.  

Série “The Beatles: Get Back” I Foto: Divulgação

O desfecho, com o icônico show surpresa que contou com a participação do tecladista Billy Preston, no telhado da Apple Records, em Londres, em 30 de janeiro de 1969, é algo a se admirar. Coroando todo o trabalho que eles desenvolveram no estúdio, o show e o álbum, justificam todo e qualquer exagero superlativo e sobrenatural em torno dos quatro rapazes de Liverpool.

Formados em 1960, os Beatles atravessaram toda aquela década marcada por grande efervescência cultural e política. Oriundos da classe operária, eles traduziram como ninguém os sonhos daquela geração. E passaram aqueles sonhos adiante, para os filhos, netos e para toda cadeia de descendentes que se estenderá pelo futuro. O fim da banda foi um trauma e a virada para os anos 70 abriu espaço para uma realidade mais hostil e mais dura. Os Beatles expressam em suas músicas aquela atmosfera com aspirações humanistas e despertam o idealismo sessentista que há em cada um de nós.

Reabrindo debates em torno da história da banda e apresentando cenas intimistas e espontâneas dos músicos, a série reacende a beatlemania. Se é que algum dia ela se deixou de brilhar.

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