Nem tudo que eu gostaria de falar é seguro, os jovens e a sociedade

"O homem bicentenário" é um filme em que, num futuro próximo, são criados robôs que tem a capacidade de aprender. Falo muito resumidamente. Ocorre que a capacidade de aprender e se superar, e se reinventar, é uma das nossas grandes características, nós humanos. Não é o filme o que me interessa, mas a questão da capacidade de aprender.

Moro no Rio de Janeiro e, para quem acompanha os noticiários, não preciso explicar porque voltei a ter dificuldades para dormir a noite…Enfim.

Há uma enorme questão a ser resolvida no Brasil, ligada ao destino dos negros, ao processo de integração na sociedade, que nunca foi encaminhado. Roubaram seres humanos da África, os escravizaram, propagandearam que como não tinham alma tava tudo bem, e todo mundo achava que eles eram "outro", um "não humano". Depois, num decreto de dois artigos, "libertaram" os escravos. Sim, era fundamental por fim à escravidão, mas, do jeito que foi feito, digo que libertaram para que morressem, esperando que a nação embranquecesse com a vinda dos imigrantes europeus, que também vieram para ser muito explorados, só que como humanos e semelhantes. Os jovens negros do sexo masculino são a maioria dos mortos e eu pergunto: qual a escola a que eles, em maioria, podem ter acesso mesmo?

Tenho pensado na educação, no entanto; penso que já passou da hora de ações práticas para construir uma nova escola no Brasil, falo de escola para a maioria, não dos centros de excelência. Não sei o que fazer, por onde começar, com quem me reunir para isso. Nem funcionária de nenhuma instituição sou ainda. Ocorre que, a cada visita à escola estadual onde dois dos meus filhos estudam, ou a cada conversa com colegas que estão lecionando, meu desespero aumenta. E os exércitos dos comandos só aumentam.

Vejo o Estado colocando administradores para dirigir as escolas; consultar economistas, se aliar a fundações privadas, ou seja, vejo os rumos da educação sendo tratados e decididos somente por aqueles que tem interesses em que a maioria da população não tenha instrumentos para realizar a atividade de pensar, consequentemente, interesse em que a maioria da população não entenda as regras do jogo e perca sempre.

Vejo, como fruto deste sistema consumista e explorador, mas mestre na maquiagem, surgir uma sociedade em que boa parte das pessoas não vê valor em estudar (dentro ou fora da escola) e, além de não o fazer, ainda busca impedir quem tem nisso interesse. Mulheres com filhos principalmente: acham absurdo elas quererem estudar, porque mães só devem cuidar dos filhos né?, como se uma mulher estudar fosse impeditivo ou atrapalhasse na criação dos filhos. Se tem netos, tem de cuidar dos netos, ser babá gratuita né?

Vejo uma sociedade onde as características regionais, a música, comidas, danças, tudo o que não for oriundo da "cultura de massa" do Rio e SP é inicialmente combatido, e valorizado quando os de fora valorizam. Uma sociedade na qual se propagandeia a diversidade, mas todos querem tudo sempre igual, principalmente igual às "celebridades"; uma sociedade na qual não se quer construir um mundo melhor, mas melhorar a própria condição financeira para não ter de se importar com o mundo em redor, como se o dinheiro comprasse realmente tudo e qualquer coisa.

Mas tenho esperança, escrevo, há quem leia, converso ainda sobre isso com algumas pessoas. Estudo, empresto livros. Acontece que eu gostaria de fazer algo mais útil e agir coletivamente, na educação, e no momento não sei como. Sim, penso em opinar sobre questões institucionais, acho que o ensino fundamental deveria ser federalizado, ser oferecido no nível dos CPII, mas quem quer investir nisso?

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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