No filme Trances, a música do Marrocos

A música popular no filme marroquino “Trances” e a crônica “A alegria de quem saqueia na chuva”

Filme "Trances" | Foto: Divulgação

Música popular muita gente pensa que é, por exemplo no Brasil, Roberto Carlos. Mas música popular é realmente como ‘trance’ no Marrocos, que tem no filme “Trances” uma exibição na plataforma Mubi. Música que é feita não por profissionais ligados às antigas gravadoras, e sim por pessoas que trabalham e vivem em qualquer lugar no país, mas principalmente em regiões mais pobres e que fazem música como melhor forma de gozar a vida, como acontece com grupos como a Banda de Pífanos de Caruaru.

O filme que vi agora, “Trances”, é um documentário dirigido por Ahmed El Maanouni, e na forma como foi construído pode ser comparado a um filme que foi realizado em 1975, que considero o melhor já feito sobre a cultura nordestina, “Nordeste: Cordel, Repente, Canção”. O filme brasileiro, que foi dirigido por Tânia Quaresma, não é sobre um grupo específico. Ele mostra assuntos ligados a vários grupos e momentos. Já o filme marroquino apresenta uma banda única, mas sem se restringir, e sim soltando as questões, inclusive querendo claramente que o público se aproxime da forma especial na qual a banda cria e se mostra.

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Na banda Nass El Ghiwane, vivem os integrantes do trabalho como músicos, mas o filme mostra a relação de vida que eles têm com o seu país e se aprofundam assim na forma de viver. Isso não fecha o trabalho. A relação com o pensamento religioso se torna um esteio para a criação, e assim Alá conduz a criatividade deles. Aparecem no filme os músicos Larbi Batma, Nass El Ghiwane, Abderrahman Paco e Omar Sayed.

É bom ressaltar o fato fundamental que é essa forma de exibição cinematográfica que está dominando no século XXI, que é com o sistema eletrônico. O documentário “Trances” não teria nunca atração para o chamado grande público, mas especialmente para as pessoas ligadas à cultura e à música. Assim, embora tenha sido realizado em 1981, nos chega agora. E principalmente de uma forma completa, com o idioma específico deles. Embora faça tanto tempo que vejo cinema e comento, me sinto hoje com muito melhores condições para isso, enquanto instrumentação da cultura.

Olinda, 04. 08. 22

A alegria de quem saqueia na chuva

O menino corria com um grande riso nos lábios levando em suas mãos o videogame, que há cerca de três meses pensava em comprar para se divertir. Aproveitou o saque no comércio que as pessoas da sua vila estavam fazendo durante os dias de greve da Polícia Militar, e conseguiu assim sair da loja com o seu grande sonho. E ele foi correndo falar com o amigo que mais tarde iria instalar o game para os dois jogarem. Também teriam uma televisão de 40 polegadas que sua tia havia conseguido junto com seu filho trazer da loja saqueada. E que ia colocá-la em sua sala. De noite, na hora do café, o pai achou estranho que aquela televisão estivesse em sua sala e junto com o jogo de videogame, mas ele também sabia o que havia ocorrido na cidade, e somente perguntou como eles tinham realizado essa façanha.

O pai disse que numa antiga reunião do Partido tinha ouvido que tirar dos ricos não era crime, pois o pior era o roubo geral que o Capitalismo sempre fez em cima de todos os pobres. Assim também ficou alegre. E a chuva continuava a escorrer pela beirada da porta.

Bairro Novo, 16 de maio de 2014

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