Nos 39 anos dos massacres em Sabra e Shatila, palestinos mantêm viva a história da resistência

Em uma visita à casa da senhora Metta Moustafa em Shatila, o super-lotado campo de refugiados palestinos em Beirute, no […]

Vitrine de recordações da Palestina em Shatila. Foto: Moara Crivelente.

Em uma visita à casa da senhora Metta Moustafa em Shatila, o super-lotado campo de refugiados palestinos em Beirute, no Líbano, a família, hoje reduzida à mãe e à filha, Aida, contava os sucessivos massacres a que sobreviveram. O começo é a Nakba, a Catástrofe palestina, quando Metta, ainda pequena, foi obrigada a fugir das milícias sionistas arrasando vilas inteiras, em 1948, rumo ao sul do Líbano com a família, carregando quase nada, para não mais voltar. Naquela, como em tantas outras casas palestinas, a memória salta de um massacre a outro, e são os de Tal al-Zaatar, de 1976, e o de Sabra e Shatila, de 16-18 de setembro de 1982, os que marcaram a vida em refúgio.

Sobreviver à catástrofe palestina é empenho contínuo. Depois da Nakba, quando as forças sionistas do nascente Estado de Israel mataram cerca de 15 mil pessoas e forçaram ao refúgio cerca de 750 mil (somando hoje mais de seis milhões de pessoas refugiadas apenas nos países vizinhos), vários outros massacres continuaram assaltando a história do povo palestino. Para a Metta e Aida, ao menos três são parte fundamental da sua sobrevivência, a começar pela Nakba e, a seguir, o massacre de Tel el-Zaatar. Os detalhes, ainda vívidos, são puro horror.

Durante a guerra civil libanesa (1975-1990), as forças de extrema-direita libanesa, incluindo as do partido falangista Kata’eb, atacaram os campos de Jir al-Basha e Tal el-Zaatar em agosto de 1976, lançando mais de 70 ataques a bomba e artilharia de tanques, durante mais de 50 dias. Em Tal al-Zaatar, entre 1.000 e 1.500 palestinos foram mortos ou sumariamente executados, inclusive os que conseguiram escapar do campo e foram alcançados, mas o número total de vítimas das consequências chega a 4.000 palestinos e libaneses. Mais de 10 mil civis foram evacuados. Crianças e civis estavam entre as principais vítimas, tanto dos ataques quanto da falta de medicamentos e água, inúmeras mulheres foram violadas.

Em 1982, a história se repetiu. As forças israelenses invadiram o Líbano à caça da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que tinha a sua sede na capital do país. Beirute era então um dos principais polos da resistência palestina. Com a mesma missão, o exército de Israel cercou o campo de Shatila, sob o comando do então ministro da Defesa Ariel Sharon. Seu papel no massacre passou impune, mas mesmo em Israel, a sua morte, em 2014, foi uma oportunidade para desafiar quem preferiu convenientemente ocultá-lo. Mas mesmo que em 1983 um inquérito interno tenha concluído que Sharon teve responsabilidade pessoal pelo massacre, levando-o a se demitir como ministro, ele ainda se tornaria líder do partido Likud e o primeiro ministro de Israel entre 2001 e 2006 — a tempo de comandar também a brutal repressão da Segunda Intifada na Palestina.

Algumas estimativas chegam a contabilizar mais de 3.000 palestinos e libaneses xiitas assassinados em três dias em Shatila e no bairro adjacente, Sabra, pelas falanges e pela artilharia do exército israelense, que também lançou bombas contra o local sitiado. Segundo a Cruz Vermelha, foram 2.400 refugiados mortos pelas falanges libanesas, com a cumplicidade das forças israelenses.

Em Shatila, manter a memória viva também é parte da resistência. Os palestinos transmitem a história da Palestina àqueles que nunca lá pisaram, mas que memorizam a sua geografia, os seus nomes, as suas rotas, danças, comida, tempero, enfim, a sua nação, na demanda por retornar. Um dos 12 campos geridos pela ONU no Líbano, Shatila foi estabelecido em 1949 e tinha inicialmente 500 habitações. Desde então aumentou pelo menos dez vezes, verticalmente, embora a sua estrutura não tenha acompanhado e a precariedade da vida no campo seja ainda mais uma grave adversidade para os palestinos, enfrentada por instituições palestinas de amparo social como o Centro para Jovens e Crianças (CYC), no coração de Shatila, onde Aida trabalha.

Buscando a unidade para enfrentar as péssimas condições de refúgio em termos sociais, econômicos e políticos, assim como para não abandonar a demanda pelo retorno à Palestina, as diversas forças palestinas, inclusive frentes partidárias, comitês populares e instituições sociais que prestam amparo à população, presentes nos campos e no Líbano, emitiram uma contundente declaração em mais este aniversário macabro: “Por ocasião do 39º aniversário do massacre de Sabra e Shatila e seus mártires imortais, nós convidamos o nosso povo, a nossa nação árabe e os povos livres de todo mundo a presenciar e participar da rememoração, inclusive os povos libanês e palestino, e todos os livres apoiadores da verdade, a justiça e as causas dos povos.”

Com exibições fotográficas na Praça do Povo, no campo de Shatila, e uma marcha até o cemitério dos mártires, é assim que as forças palestinas em refúgio relembrarão mais este episódio da sua catástrofe, mas também da sua resistência, chamando à “liberdade para os valentes prisioneiros” e reivindicando a vitória para o povo palestino, a sua nação e os povos livres do mundo: “Venceremos”.

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