Nova direção e novos desafios do Hamas na Palestina

Ao longo de sua existência, o Hamas tem sido capaz de manter esse processo de forma institucionalizada e com altíssimo grau de participação, transparência e integridade

Fotomontagem feita com as fotos de: Anadolu Agency e AFP

Foi anunciada, no dia 2 de agosto, pelo Comitê Central de Eleições do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), a conclusão do processo democrático para formação do novo Birô Político, iniciado em 18 de fevereiro com a realização de consultas em Gaza, Cisjordânia e no exterior, tendo a participação de dezenas de milhares de palestinos vinculados ao Movimento.

O processo foi concluído com a recondução do atual líder, Ismail Haniyeh, para um mandato de quatro anos, tendo, como vice-líder, Saleh al-Arouri. O dirigente Yahya al-Sinwar foi reconduzido como o principal dirigente em Gaza. O Politburo do Hamas no Exterior será chefiado por Khalid Meshal, tendo Mousa Abu Marzouq como seu vice.

Ismail Haniyeh nasceu no campo de refugiados de Shati, próximo da cidade de Gaza, no ano de 1962. Quando estudou na Universidade Islâmica de Gaza, foi um ativo militante do Bloco Estudantil Islâmico, ramo jovem da Irmandade Muçulmana, que daria origem ao Movimento de Resistência Islâmica, lançado, na Primeira Intifada, em 1987. Haniyeh foi o braço direito do fundador e principal dirigente do Hamas, Sheikh Ahmed Yassin, assassinado em 22 de março de 2004, aos 67 anos de idade. Ismail Haniyeh sucedeu Khalid Meshal como líder político do Hamas em 06 de maio de 2017 e agora foi reconduzido.

Processo com ampla participação, apesar do cerco israelense

O cerco israelense multiplicou a complexidade de realização do processo eleitoral, impondo um completo sigilo aos olhos da ocupação e até da Autoridade Palestina, já que o povo palestino está dividido em áreas geográficas distintas e separadas dentro do território palestino ocupado. Um dos maiores desafios foi assegurar a participação dos líderes e militantes que se encontram nas prisões da ocupação e da Autoridade. A necessidade desse sigilo impôs um enorme desafio ao Hamas, para a conclusão desse processo de renovação dos órgãos de direção nas suas estruturas, dentro e fora da Palestina ocupada.

Exército de Israel I Foto: Thomas Coex/AFP

O Hamas é o único partido palestino que realiza um processo democrático para escolher seus dirigentes em todos os níveis, consultivo, político e organizacional, com a participação de seus filiados em Gaza, na Cisjordânia e no exterior. Ao longo de sua existência, o Hamas tem sido capaz de manter esse processo de forma institucionalizada e com altíssimo grau de participação, transparência e integridade.

Desde sua fundação, o Hamas deu destaque para o papel da mulher palestina em suas atividades. Em 1990, foi criado o Departamento de Ação da Mulher, como um dos seus comitês, com orçamento próprio e atividades públicas. No atual processo, foram eleitas as duas primeiras mulheres para o Birô Político, Jameelah al-Shanti e Fatmah Shurrab, numa demonstração de que a mulher palestina tem identidade e poder na cena política palestina e de sua participação efetiva em todos os níveis do Movimento.

As eleições internas são conduzidas por um sistema que envolve supervisão jurídica especializada para garantir a condução, a integridade e a fiscalização do processo eleitoral, que ocorre a cada quatro anos. Nesse processo, um dirigente do Movimento pode concorrer apenas duas vezes consecutivas para o mesmo cargo, impedida a possibilidade de concorrer continuadamente.

O processo foi realizado sem que as mídias internas ou da ocupação se encarregassem de estimular disputas internas entre os militantes e dirigentes, garantindo coesão da estrutura e lisura dos resultados. Com isso, o Hamas dá um exemplo de democracia às demais forças políticas palestinas, demonstrando que a tomada de decisões e a escolha dos dirigentes pode acontecer de forma ampla, pacífica e democrática, além de indicar um caminho para a reconciliação palestina e o fim da divisão política, frustrada com a privação da experiência democrática há 16 anos.

O Hamas conclui esse processo de maneira vitoriosa e mais coesa e com mais apoio do povo em todos os lugares da Palestina ocupada e na diáspora. Elegeu quadros dirigentes com forte experiência política, aceitação popular e boas relações com os líderes das forças e facções palestinas, capazes de dirigir o Movimento diante dos desafios internos e externos, como o dever de defender Jerusalém, proteger o povo palestino das agressões do exército da ocupação e dos colonos judeus e confrontar os planos colonialistas da ocupação, exercendo todas as formas de resistência asseguradas pelo Direito Internacional e pela Carta das Nações Unidas.

Ismail Haniyeh, líder reeleito do Hamas I Foto: Emad Nassar/Flash90

A nova liderança do Hamas tem pela frente grandes desafios, além da dupla perseguição pelos serviços de segurança da Autoridade Palestina e do exército de ocupação aos seus militantes e dirigentes na Cisjordânia ocupada. Será um período de esforços para ampliar as vitórias políticas e político-militares sobre o inimigo sionista, obtidas após a recente batalha da Espada de Jerusalém, e quebrar o cerco político e econômico imposto a Gaza, que já dura 14 anos, impedindo o povo de ter uma vida com dignidade.

Haverá, também, o desafio no campo das relações exteriores, políticas e diplomáticas do Hamas, sobretudo quanto à reaproximação com a Síria e ao estreitamento da cooperação com o Irã e o Hezbollah libanês – e com outras forças do chamado Eixo da Resistência –, que são os principais responsáveis por ofertar dinheiro, armas e tecnologia à resistência palestina, o que tem sido um fator importante para cair por terra o mito da invencibilidade militar do estado judeu.

Esse novo cenário põe o Hamas diante de um processo de expansão, pelos territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia e por aqueles atribuídos a Israel depois de 1948, despontando como a mais importante força política palestina e potencial vitorioso nas eleições palestinas. Além disso, há o enorme desafio de conduzir a luta para interromper a nefasta ocupação e assegurar o retorno dos refugiados palestinos e das pessoas deslocadas, para que possam viver dignamente em sua terra ancestral, tendo como capital a sagrada Al-Quds (Jerusalém).

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