O agronegócio e o direitismo da “esquerda”

Não é de hoje que tenho ocupado meu espaço, quase semanal, neste portal para polemizar acerca de verdades absolutas introduzidas no seio do movimento que se diz revolucionário no Brasil.

Entre elas a tese reinante do não-feudalismo no Brasil sustentada por historiadores diletantes e despreocupados com verdades econômicas e que nunca visitaram uma fazenda na vida ou um cartório no interior de SP, a tese da “burguesia associada” divulgada por esquerdistas que acabaram virando pró-imperialistas (FHC, por exemplo). Outra tese que virou senso comum é acerca da necessidade da reforma agrária como a solucionante de todos os males sociais da nação em contraponto ao poder do agronegócio e coisas tipo.

Mais uma tese (via camponesa !!!) que de tão revolucionária, acaba virando o que de mais reacionário está aí: sendo repetida pelos quatro cantos do pensamento revolucionário brasileiro e financiado, claro, pelas fundações Ford, Rockefeller e outras. As mesmas instituições que um dia financiaram FHC e Hanna Arendt para falarem da necessidade de um tal “socialismo com rosto humano”. Socialismo este que ainda não vi “baixar” em terreiro algum no mundo, muito menos depois da invasão nazista ao território soviético e nas guerras entre socialismo e capitalismo no sudeste asiático.

O pedido de demissão de Rodrigues

O estopim para o novo surto “esquerdista” foi o pedido de demissão do ex-ministro da agricultura, Roberto Rodrigues, que para os setores do pensamento revolucionário é um homem ligado aos interesses do agronegócio, portanto fora do esquadro para ser um aliado de grande monta nesta disputa que envolve nacionalistas x neoliberais dentro e fora do governo. Claro que nas análises refinadas que escuto na universidade e nos meios de comunicação, ficam de fora elementos da realidade concreta como a falta de um Ministério do Planejamento sério e sob controle de nacionalistas, o que redundaria em análises que verificariam a partir de modelos históricos, os ciclos de alta e baixa de preços de produtos agrícolas no mercado internacional.

Faltou também analisar o papel dos traders internacionais que manipulam os preços (no ramo da soja, no máximo quatro traders operam preços e encomendas) para cima e para baixo e nenhuma abordagem que apontasse multinacionais como o Bunge, a Monsanto e a Bargill como responsáveis pela alta nos custos de produção de nossa agricultura. Processo este acelerado na década de 1990 com o desmonte do setor de pesquisas da EMBRAPA, implantada de forma brilhante durante o regime militar. Logo o problema não é a indústria capitalista do campo e da cidade e sim o processo de desnacionalização que sofremos. Este é o “x” que a cegueira revolucionária impede de ver.

E o principal: faltou dizer que a queda de Rodrigues está relacionada com as opções em política monetária que o governo brasileiro tem feito e reafirmado para quem quer ouvir. Enfim, o Banco Central e o Ministério da Fazenda são responsáveis diretos pela queda de Rodrigues, tanto pelos créditos agrícolas sem análise séria (busca desenfreada por superávits comerciais para fins de superávit primário), quanto pela política monetária e um regime cambial que nada tem a ver com os interesses do agronegócio e do Brasil, muito pelo contrário, Rodrigues ao lado de Furlan (outro “burguês associado”) era um dos mais conseqüentes críticos desta política. Só não via quem não queria.

Falta de teoria e visão de conjunto

Vai aí algumas mentiras que viraram verdades ao longo dos anos, que aliás ganharam força com a crescente influência da igreja na esquerda brasileira e latino-americana (“Carlitos” Pompe nos ajude!!!): “O agronegócio tem interesses voltados ao mercado externo”; “Existe fome no Brasil porque não existe produção voltada para o mercado interno”; “a agricultura familiar é boa para abastecer o mercado interno”; “o agronegócio representa os interesses do imperialismo no Brasil”; “o campo pode ser um novo eixo de desenvolvimento econômico”; “as cidades não suportam mais”; “socialismo e distribuição de pequenos lotes são sinônimos”, etc., etc., etc…

Onde a igreja se mete não se pode ter teoria no sentido revolucionário do termo (sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário), logo as soluções com grande ar de complexidade ganham ar simplista e a questão agrária brasileira é um campo fértil para esta prática que em teoria é tudo menos marxista e muito menos leninista, afinal Lênin lançou fogo em tais teses em moda no Brasil em duas publicações (Agricultura e desenvolvimento nos Estados Unidos e O desenvolvimento do capitalismo na Rùssia).

Uma análise minimamente marxista deve buscar a visão de conjunto (abstração) para a busca de soluções concretos. Desta forma, a atual crise agrária no Brasil, com inúmeros desalojados (pequenos produtores arruinados, nas palavras de Lênin) deve ser encarada como algo inerente a um processo de industrialização que não se realiza desde a década de 1980, com a implantação de um novo Departamento 1 (indústria mecânica pesada) altamente poupadora de mão-de-obra, que por sua vez transformou a crise agrária em crise urbana com a explosão do número de favelas.

Deste estado de coisas que já perdura mais de 25 anos surgem soluções fáceis como as amplificadas pela maioria da esquerda brasileira. O “x” da questão é perceber, como outrora Ignácio Rangel nos chamava a atenção, que nosso processo de industrialização se fez sem prévia reforma agrária (gerando uma brutal concentração de renda). Para um país com estas características (da mesma forma que a Alemanha e o Japão), a solução para nossos males não pode nunca passar pela revisão de nossa estrutura fundiária, pois o capitalismo no campo é milhares de vezes mais progressista que o antigo latifúndio feudal, marcado pela produção de subsistência e baixíssima produtividade ou o que Marx chamava de “socialismo clerical” ou “feudal” que nossos  “revolucionários” querem para o campo brasileiro

A solução passa  pelo contínuo crescimento econômico, capaz de gerar milhares de empregos nas cidades, que passariam a “aguentar” o tranco do êxodo rural abrindo milhares de quilômetros de metrô, trens suburbanos, milhares de empregos no setor de serviços, em construção civil, estacionamentos subterrâneos, etc., etc., etc.

Esta lógica acima persegue a máxima de se buscar entender a anatomia do macaco a partir da do homem, levando-nos a acreditar que o futuro do campo deve ser analisado a partir do futuro das cidade. O futuro do campo é a indústria e o que irá substituir a grande produção capitalista no campo somente poderá ser a grande produção estatal ou coletiva.

Mercado externo e fome no Brasil

A superficialidade é uma das marcas registradas dos que defendem a via camponesa. Tenho visto gente séria afirmando que um dos problemas do agronegócio é sua visão cosmopolita de mundo, tem interesses voltados para fora. Ora, meus amigos, nosso país como periférico que é não pode prescindir de uma agricultura competitiva. Alguns sabem que nossa industrialização iniciou-se pelo Departamento 2 (bens de consumo), logo tínhamos um Departamento 1 externo. Fica a pergunta: como conseguíamos importar máquinas ultra necessárias para nossa modernização e posterior substituição de importações? Os superávits comerciais que o Brasil acumulou no século passado e que serviram de estofo para nossa industrialização, veio de onde? E a atual política comercial está pautada pelo o que? É possível uma política de modernização industrial para um país periférico prescindindo de uma política comercial agressiva?

Desta forma, o que tem de ser discutidos são os termos de troca entre os países e o papel dos instrumentos macroeconômico para o sucesso (câmbio, juros, créditos). Assim podemos colocar esta discussão sobre o futuro do Brasil nos parâmetros corretos: a política econômica imposta pelo imperialismo é a responsável pela crise econômica que assistimos e consequentemente dos problemas de superpopulação rural. A questão agrária não pode ser vista desviando o problema da necessidade de políticas industriais indutoras de desenvolvimento.

Retornando, o imperialismo e seus agentes internos (mídia, universidade, Banco Central) também são responsáveis pela crise do campo brasileiro e também pela queda do ministro Rodrigues por conta dos subsídios aos seus agricultores tornando a concorrência desleal à nossa agricultura. Será difícil raciocinar deste jeito? Ou é economicista demais para os parâmetros de nossos “gênios”?

Outra assertiva de fácil trânsito é a que relaciona a fome no Brasil com o privilégio ao mercado externo por parte de nosso agronegócio e que portanto a agricultura familiar está na ordem natural das coisas. Nada mais desmedido, pois o surgimento de complexos agroindustriais foi o principal responsável pelo fim das crises de abastecimento no Brasil que foram comuns até a década de 70 e mais, as grandes empresas responsáveis pelo abastecimento interno são as mesmas responsáveis pelo mercado externo, e que somente existe – nas palavras de Marlon Medeiros e Fernando Sampaio na revista Princípios nº 78 – “uma escassez tópica de alguns alimentos pela falta de política agrícola e pela extrema pulverização dos produtores voltados exclusivamente ao mercado interno (arroz, feijão, hortaliças, hortifruti, entre outros)”.

Desafio que me provem que existe falta de alimentos ao mercado interno no Brasil.

O que existe no Brasil não é falta de alimentos. Existe sim, um problema sério de renda, de falta de condições de uma família dispor de dinheiro para comprar comida. O problema é renda e não falta de alimentos e a falta de renda está diretamente ligada a falta de empregos, daí poderemos novamente colocar os “pingos nos is” demonstrando que o problema não é a concentração de terra e sim a falta de políticas industriais.

Qualquer aluno de primeiro ano de economia sabe que a única variável independente é o investimento e que a variável renda está intimamente ligada  a dinâmica do investimento e neste aspecto o Brasil está bem abaixo de países que vem se desenvolvendo (Argentina, Venezuela, China, Coréia do Sul, Índia).

A agricultura familiar, Lênin e as “novidades”

Os que resistem à ordem do agronegócio buscam refúgio militante em ONG`s que defendem a agricultura familiar como via de desenvolvimento e alternativa. Nada mais fora de contexto do que nomear de “familiar” algo que está diretamente ligada à lógica da divisão social do trabalho e portanto  segue a musica entonada pela grande produção.

Daí surgem novidades como a explicitada por Camila Moreno em matéria que foi ao ar no dia 01 de junho aqui no Vermelho (“Um perfil do agronegócio na América Latina”) na qual  “brilhantemente” a pesquisadora diz que, “provou-se que a existência do agronegócio depende do desaparecimento da agricultura familiar". Camila (os militantes da “agricultura familiar” odeiam e difamam Lênin) esqueceu-se ou puramente não sabe que Lênin (Agricultura e desenvolvimento nos Estados Unidos) apontou a fraqueza do conceito de “agricultura baseada em trabalho familiar”, pois o trabalho realizado pela família pode ser realizado em um sistema feudal, camponês, ou em uma exploração com alto grau de composição orgânica do capital. Repetindo Medeiros e Sampaio, “a agricultura tornou-se mais um elo na cadeia social e técnica do trabalho”.

Outra novidade do citado artigo é a constatação da concentração no campo com a constatação de que o “o agronegócio fez desaparecer mais de 100 mil pequenas empresas agropecuárias dos setores de leite, frutas, hortaliças e grãos”. Éa tal falta de teoria e visão de conjunto que leva a muitos a achar “novidades” nesta constatação. Ora, meus amigos, o capitalismo não é nada idílico e a concentração de capital como tendência já foi apontada em Marx e reafirmada com dados estatísticos em Lênin (Imperialismo: fase superior do capitalismo). O problema não é a concentração (que não tem nada de anormal para um sistema cuja produção é social e a apreensão do excedente é privado) e sim a desnacionalização que a acompanha, pois na medida em que nossas linhas de abastecimento vão caindo uma por uma uma nas mãos de estrangeiros, ficamos tão vulneráveis quanto Salvador Allende durante o golpe no Chile em 1973. Esse é um lado do problema.

O outro lado do problema é saber o que permite esta desnacionalização. Chegaremos ao modelo adotado pelo Brasil – e que anda mais forte do que nunca – e que na medida que mantemos a centralidade da “questão agrária” mantemos no periférico o que realmente interessa para a nação e os trabalhadores: geração de milhares de empregos a partir de políticas industriais.

A bandeira política do crescimento

Não foi uma nem duas vezes que fui chamado de “economicista” por defender os pontos de vista acima expressos. Não concordo, pois tenho clareza que o campo nacional e popular deve ter uma bandeira que toque nosso movimento para frente. Esta bandeira deve ter conotação científica, pautada na realidade concreta e não na vontade das pessoas em pautar o movimento de rotação do planeta Terra. A crise de superpopulação rural não é um fim em si mesmo, muito pelo contrário. Ela é parte de um todo que envolve a crise de realização por qual passa nosso país desde o início da década de 1980.

O Brasil se retomado seu rumo de crescimento com índices superiores á 7% ao ano, em menos de oito anos terá solucionado seu problema de superpopulação rural.

Não será a distribuição de pequenos lotes, nem a doação de milhares de bolsas-família que irá resolver o complexo problema brasileiro. Nossa juventude não pode continuar a se iludir com discursos fáceis, de “reforma agrária já” ou “greve geral”. Deve-se se criar consciência na sociedade, de que existe um sério problema de falta de crescimento econômico e que somente um projeto nacional pautado em objetivos de longo alcance poderão dar soluções à problemas altamente complexos como o que vivemos.

A não ser que a esquerda queira se desmoralizar de vez como alternativa de poder no Brasil. 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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