O Brics e os novos desafios para os países em desenvolvimento

A 14ª Cúpula do Brics ocorrerá em um cenário internacional cada vez mais desafiador, especialmente para os países em desenvolvimento

Fotomontagem feita com as fotos de: Magazine Luiza/Divulgação

Contextualização geral

Em junho de 2009, os principais líderes do Brasil, Rússia, Índia e China se reuniram na cidade de Ecaterimburgo, na Rússia, para a primeira Cúpula do Bric. Na Declaração Conjunta emitida após o referido encontro, o grupo reivindicava uma maior representação e voz para os países emergentes, tanto nas instituições financeiras quanto nos assuntos políticos e econômicos globais. Vale recordar aqui que, naquele encontro, o foco da referida Declaração foi a segurança alimentar global.

Por reunir os principais países em desenvolvimento nos seus respectivos continentes, a Cúpula logo despertou a atenção do mundo. Com o ingresso da África do Sul em dezembro de 2010, quando acrescentou-se “S” – Brics -, o grupo passou a ecoar também a voz do continente africano, ampliando ainda mais a sua representatividade no cenário político internacional.

Desde a primeira Cúpula (E a partir da 3ª (2011) realizada em Sanya, na China, já com a África do Sul) os líderes do Brics têm se reunido ano após ano para compartilhar suas percepções sobre o mundo, buscar pontos de convergências, benefícios mútuos e amplificação de suas vozes na comunidade internacional.

Ao longo desses anos, além dos avanços na esfera diplomática, governamental e de uma aproximação crescente entre os altos dirigentes desses países, tem aumentado também o diálogo entre acadêmicos e especialistas de diversos campos do conhecimento. Além, é claro, de importantes conquistas institucionais comuns, como por exemplo a criação em 2014 do Novo Banco de Desenvolvimento.

Sobretudo, o Brics vem se consolidando como um importante instrumento multilateral de diálogo e consultas mútuas entre os seus mais altos líderes. Como sabemos, já são 13 Cimeiras consecutivas. Os seja, desde 2009 que, pelo menos uma vez por ano, os líderes dos referidos países disponibilizam em sua agenda um momento para se encontrarem. E, neste ano de 2022, a 14ª já está agendada para ocorrer na China. Quer dizer, que nem mesmo durante esse período de pandemia esse encontro entre os altos dirigentes do Brics deixou de ocorrer, mesmo que para isso se recorresse a videoconferências.

A meu ver, esse encontro anual de alto nível tem sido a maior conquista do grupo, pois consolida o diálogo entre os referidos países, intensifica a cooperação, promove o conhecimento mútuo e, sobretudo faz com que se amplie a percepção de que a “comunidade internacional” é algo bem maior do que o velho eixo Europa-EUA.

Os desafios da 14ª Cúpula na China

A 14ª Cúpula do Brics ocorrerá em um cenário internacional cada vez mais desafiador, especialmente para os países em desenvolvimento. Não bastasse a crise da pandemia gerada pelo coronavírus, o tensionamento dos EUA e da Otan contra a Rússia desencadeou em conflito na Ucrânia, com trágicas consequências humanitárias. As sanções econômicas impostas pelos EUA e a União Europeia agravam ainda mais a situação não apenas para os povos diretamente vitimados pelo conflito, como para todo o mundo. Os desdobramentos do referido conflito continuam imprevisíveis e a retomada saudável do desenvolvimento econômico global se torna um desafio ainda maior.

Diante do cenário internacional em curso, a 14ª Cúpula do Brics ganhará uma importância ainda maior. E por isso mesmo os olhos mundo devem se voltar para China durante o evento.

Por um lado, os EUA e a Otan (Com anuência da União Europeia) continuarão a pressionar para que a Rússia fique cada vez mais isolada, mesmo que isso comprometa a cadeia de produção global, deteriore a situação econômica internacional, agrave ainda mais os problemas sociais, especialmente nos países em desenvolvimento e, até mesmo, desencadeie um conflito bélico de proporções inimagináveis. Por outro lado, os países do Brics precisam encontrar pontos de convergência que reforcem sua unidade, sinalizem com soluções que promovam o desenvolvimento interno e global e, sobretudo, que contribuam efetivamente para a retomada de um ambiente externo mais pacífico.

Sobre a posição do Brasil na próxima Cúpula dos Brics

Por possuir uma dependência das exportações de commodities minerais e agrícolas, a existência de um ambiente internacional pacífico é fundamental para o projeto de desenvolvimento do Brasil. Por outro lado, o fato do Brasil estar no hemisfério ocidental, sofre uma pressão constante para alinhar o seu caminho de desenvolvimento aos interesses estratégicos do bloco EUA-Otan-União Europeia. Essa, aliás, é a meu ver uma contradição-chave que o Brasil terá que enfrentar na construção de um caminho de desenvolvimento verdadeiramente soberano.

Por isso mesmo, ao mesmo tempo que procuram evitar um embate direto com os EUA e seus aliados, as elites econômicas (especialmente do agronegócio que necessita de fertilizantes e novos mercados) e os militares (atualmente os principais elaboradores condutores da política nacional de Estado) precisam fazer um malabarismo para encontrar um ponto de equilíbrio entre as pressões externas adversas, a maximização dos ganhos setoriais e defesa dos interesses mais gerais e permanentes do país.

Isso explica, por exemplo, porque o Brasil apoiou a resolução da ONU contra a Rússia, mas ao mesmo tempo se posicionou contra as sanções econômicas adotadas pelos EUA-Otan-União Europeia. Também explica a declaração dada no dia 14 de março pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, quando criticou o rebaixamento do status comercial da Rússia na OMC. Para ele, essa era uma decisão para ser feita “dentro do sistema multilateral de comércio”. Pois, decisões sem consultas mais amplas “não faz bem para o sistema multilateral de comércio nem para os interesses de um país como Brasil, que tem justamente no multilateralismo a sua força”.

A propósito, merece recordarmos aqui sobre a visita (realmente de Estado) do presidente Jair Bolsonaro à Rússia para encontra-se com o presidente Putin poucos dias antes do inicio da operação militar na Ucrânia causou tanta inquietação no “Ocidente”.

Ressalte-se que no dia 18 de fevereiro de 2022, logo após a referida visita, o porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, criticou o Brasil por estar do “outro lado”: “Eu diria que a vasta maioria da comunidade global está unida em sua visão de que outro país tomando parte de sua terra, aterrorizando seu povo é certamente algo não alinhado aos valores globais. E então, penso que o Brasil pode estar do outro lado em que a maioria da comunidade global está.”

Apesar desse comentário de Psaki, não deve ser dos interesses dos EUA um tensionamento aberto contra o Brasil, pelo menos nesse momento. Nesse sentido, deve-se interpretar o “elogio” feito no dia 06 de março por Brian Nichols, secretário-assistente para o Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado, enaltecendo a posição do Brasil na ONU: “Cada voto para responsabilizar o Kremlin por essas ações horríveis importa. Os EUA estão orgulhosos de ficar ao lado do Brasil para defender os direitos de todos na Ucrânia”.

É será dentro desse ambiente internacional incerto que ocorrerá (talvez em junho) a próxima cúpula dos Brics. A propósito, nada mais fundamental, e também desafiador, do que “Promover a parceria do Brics de alta qualidade e inaugurar uma nova era para o desenvolvimento global”, tema da próxima Cúpula. A forma como China, Índia, África do Sul e até mesmo o Brasil tem se posicionado diante do conflito militar na Ucrânia já é um bom indicador de que o fortalecimento da unidade do grupo seguirá seu curso.

O cenário em curso trás de volta a necessidade de uma atuação firme e conjunta dos países Brics na defesa do multilateralismo, na pauta, como ocorreu na cúpula de 2009, do tema da segurança alimentar global e na construção de um ambiente de paz. Somente com um Brics forte e unido os interesses próprios dos países emergentes podem ser melhor defendidos.

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