O centenário do Cruzeiro e o papel da rádio Itatiaia em seu rebaixamento

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O termo “rebaixamento” explicitado no título acima não tem a ver apenas com a queda do Cruzeiro para a segunda divisão do campeonato brasileiro, ocorrida em 2019. Diz mais sobre a mudança de patamar de uma das maiores agremiações esportivas do país e do continente.

Fosse apenas uma queda fortuita para a série B, teria sido algo relativamente normal, mesmo se tratando de algo inédito na centenária história do Cruzeiro Esporte Clube. Vários outros times grandes como é o caso, inclusive, de seu maior rival Atlético, já caíram e nem por isso significou o “fim do mundo”. Pelo contrário, para muitos o rebaixamento do Galo significou um divisor de águas no clube, servindo para uma reviravolta nos rumos do futebol e de algumas práticas corporativas.

Mas o caso do Cruzeiro é diferente. Com uma dívida altíssima, à beira da insolvência e já garantido pelo segundo ano consecutivo na série B, sua arrecadação despencou. Menos visibilidade implica também em patrocínios menos vultosos. Fora das principais competições, seu elenco vai minguando qualitativamente, adequando-se à nova realidade.

A grande pergunta é como um clube da dimensão do Cruzeiro, detentor de uma torcida alcunhada há décadas como “China Azul” e habituado a formar verdadeiros esquadrões chegou a esse nível?

Muito se atribui esta situação à má administração da última gestão, personificando-a, basicamente, em três diretores: Wagner Pires, Itair Machado e Serginho. Obviamente, o ex-senador tucano Zezé Perrela, homem forte do Cruzeiro, é poupado pela grande imprensa há décadas, blindado como sempre foi.

Contudo, uma agremiação esportiva gigante como é o caso do Cruzeiro, teria de fato sucumbido frente a três ou quatro anões que passaram pela sua direção? Onde esteve seu Conselho Fiscal? E as tais auditorias independentes pagas a peso de ouro? Qual foi o nível de conivência do Conselho Deliberativo?

Obviamente, sempre é mais fácil julgar a aparência do que mergulhar na essência do que se transformou a imensa maioria dos clubes de futebol no país: uma máfia. Cada vez mais apartados de seus torcedores, são geridos pelo corporativismo de raposas (sem alusão ao mascote do Cruzeiro) que usam de suas astúcias para se blindarem – em conluio com as federações locais, empresários, políticos de direita e, acobertados pela chamada mídia especializada -, dos órgãos de controle externos.

Em Minas Gerais essa mídia especializada, a esportiva, tem nome. Conhecida como “A Rádio de Minas”, a rede Itatiaia foi cúmplice de toda essa tragédia. Os dirigentes destacados acima eram constantemente premiados como personagens esportivos do ano, e seus nomes estavam sempre sendo badalados por seus principais comentaristas. Papagaios de Pirata que são, jamais se propuseram a realizar algum tipo de trabalho investigativo, superficial que fosse, capaz de mostrar para a torcida as irregularidades cometidas há anos. Se não tinham acesso às estas informações, no mínimo deveriam denunciar a falta de transparência.

Mas não. Para a “Rádio Itatiaia”, tudo transcorria às mil maravilhas. Críticas apenas aos jogadores, individualizadas. Contra estes sim, sobra coragem. Aliás, na maioria das vezes nem pode se considerar como crítica, mas como assédio moral. Basta ouvir uma partida de futebol para se ter noção de como alguns profissionais são tratados. Leões contra os operários da bola, cordeirinhos com os cartolas.

Todas as grandes reportagens que denunciavam as irregularidades no Cruzeiro que culminaram em seu rebaixamento, foram realizadas pelos canais de comunicação de outros estados, como a famosa reportagem do programa dominical Fantástico, da Rede Globo, que, em maio de 2019 (seis meses antes do rebaixamento do clube celeste), destinou um bloco inteiro de seu jornal para apontar as diversas irregularidades investigadas pelo Ministério Público. O título da matéria foi “Cruzeiro chega a R$ 500 milhões em dívidas e é investigado por operações irregulares” e pode ser acessada aqui..

E a tal “Rádio de Minas” que até hoje paga de inocente? Foi e continua sendo cúmplice. Não só destas “raposas” do futebol, mas de toda a política conservadora e reacionária que assola o Estado.

Até o ano de 2016, em 64 anos de existência, a Rádio Itatiaia havia eleito 24 parlamentares. É hoje o maior partido político de Minas Gerais. O apresentador João Vítor Xavier concorreu com o atual prefeito Alexandre Kalil à prefeitura de Belo Horizonte na última eleição, contando com generoso espaço na emissora. Sua programação, que tem o futebol como referência, é preenchida por programas que insuflaram o Golpe de 2016 e, historicamente, pauta uma agenda antidemocrática. A onda de ódio ao PT foi tão grande que um deputado petista, Rogério Correia, precisou da ajuda da polícia para não ser agredido em um estádio durante uma partida de futebol.

Um programa de futilidades que é apresentado por um tal José Lino, sempre é finalizado com as repetições das principais manchetes do dia da grande mídia empresarial mais reacionária (Veja, Estadão, Istoé, etc) quase sempre insultando o PT e demais partidos e políticos de esquerda. Na véspera do Golpe, faziam provocações absurdas contra Dilma, sempre com o apoio de convidados de perfil conservador. Já contra Aécio…

Seus programas policiais seguem a mesma lógica dos demais “pinga-sangues” sensacionalistas de focar apenas os casos que envolvem pobres. O bizarro é explorado nos pormenores na voz de um locutor que parece se espelhar em Gil Gomes. Nisso, vai se consolidando no imaginário popular a impressão de que a bandidagem tem classe social: pobres.

Esta emissora não pode posar agora de inocente. O bom jornalismo deve ser imparcial, investigativo e democrático. A Itatiaia, ao longo de sua existência, mostrou ter lado, é extremamente condescendente com as elites locais e usa seu microfone para promover uma agenda voltada aos interesses de seus patrocinadores, antipovo.

Aliás, Cruzeiro (assim como o Atlético) sempre foi sinônimo de povo e é hoje exemplo vivo de como foi combatido e vencido por uma emissora que sempre o usou para promover sua audiência e alavancar sua agenda política de direita, neoliberal.

Um gigante que venceu adversários em todos os continentes do mundo dentro das quatro linhas, está levando de goleada contra inimigos internos, embalados aos quatro ventos pelas ondas de uma rádio cúmplice de dirigentes e empresários que ousaram a rebaixar este clube centenário.

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