O dossiê satânico

O cenário político nacional resgatou um antigo personagem, fruto da criatividade, esperteza e oportunismo de alguns dos nossos políticos: a ameaça do dossiê. Uma encenação que favorece a contenção e blindagem ante os prenúncios de denúncias de envolvimentos, digamos, não republicanos. Nesse ponto, os políticos envolvidos têm contado com valiosa ajuda da imprensa brasileira. A discussão passa a ser apenas sobre a existência ou não do dossiê. Ninguém fica sabendo do que afinal o político ou seu grupo é acusado. O que, quem, quando, onde e por que… nada. Fica-se sabendo apenas que um fantasma ronda o cenário político: um monstro, um demônio, um… dossiê.

A satanização do dossiê teve origem na briga explícita entre Antonio Carlos Magalhães, o famoso Toninho Malvadeza, e o não menos famoso Jader Barbalho. Ambos, em seus feudais poderes, aliados do Planalto nos tempos de FHC. No duelo final, as armas eram o dossiê de cada um contra o outro. No entanto, conteúdo desses dossiês poderia transformar a ópera bufa dos contendores em tragédia política para o governo. Em tempos de aprovação de novo mandato presidencial, estava dada a largada para a compra de votos de parlamentares necessários para aprovar a emenda constitucional correspondente. Dentro dos dossiês, sabe-se hoje, estavam provas dessas negociações não republicanas.

Pazes feitas por ordens palacianas, os dossiês foram recolhidos como coisa do diabo. E sua aura satânica permanece até hoje. É o caso dos dados levantados pela Casa Civil, dos tempos de Dilma Rousseff, sobre os cartões corporativos durante o governo FHC. Uma espécie de comparação com os gastos correspondentes questionados ao atual governo. O levantamento, logo chamado de “dossiê”, substituiu a tapioca ministerial no atual governo por um pênis de borracha para uma organização social dirigida pela primeira-dama no governo anterior. Pênis e tapioca justificados, restou o interesse político-eleitoral na suposta participação da ex-ministra e pré-candidata na feitura do tal “dossiê”. Tão somente.

Outro caso ruidoso foi o da compra por opositores do candidato a governador de São Paulo, José Serra, do famoso “dossiê das sanguessugas”. Pessoas supostamente ligadas ao candidato opositor Aloísio Mercadante teriam comprado um dossiê que ligava políticos do PSDB à Operação Sanguessuga. A operação da Polícia Federal que descobriu uma máfia de superfaturamento de ambulâncias que envolvia políticos e funcionários do Ministério da Saúde. A Comissão Parlamentar de Inquérito recomendou a cassação de 72 parlamentares. O tratamento do caso como “falso dossiê” abafou um exemplar tratamento para o fato. Só importou a exploração eleitoral da suposta compra do dossiê.

Nova ameaça, novo “dossiê”. Foi o que ocorreu com o preparo do livro do jornalista Amaury Ribeiro Júnior. O livro promete mostrar os beneficiários das privatizações da era FHC e as atividades contravencionais do candidato Serra e sua filha Verônica. Um outro capítulo deverá mostrar a usina de arapongagem montada no Ministério da Saúde de Serra, ao custo de R$ 1,8 milhão. Objetivo: bisbilhotar opositores à sua futura candidatura presidencial. Os assuntos relacionados pelo jornalista foram imediatamente substituídos pelos aliados do ex-ministro, com ajuda unânime da mídia, por um satânico factóide a que denominaram de “dossiê anti-Serra”.

O preparo do livro de Amaury representa um grande perigo para o projeto tucano e de outros setores ligados à mídia nacional. Incomoda a todos a continuidade da independência da atual política externa governo em relação ao expansionismo de Washington. Como incomoda a continuação do foco interno do governo na superação do fosso social brasileiro. A encenação do atual “dossiê” falhou por falta de um mínimo de consistência e seriedade, apesar do grande esforço serrista-midiático. No entanto, seu objetivo imediato alcançou pleno êxito: afastar temporariamente a sujeira que prometia detonar de vez a candidatura tucana.

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