O Encontro com nossa Identidade Cultural através do canto de Mônica Salmaso

O povo brasileiro, ao longo de sua história, busca a formação de uma identidade cultural, por diversas vezes a ressignficando. É essa a capacidade que tem o canto de Mônica Salmaso

Foto: Dani Gurgel

O povo brasileiro vive uma busca, aparentemente interminável de uma identidade nacional. Assim vem acontecendo com o passar dos tempos e períodos históricos, sempre buscando afirmações e reafirmações. Palavras como resgate, ancestralidade e contemporaneidade são usadas constantemente para refletir a insatisfação e busca da população que vivencia de tempos em tempos grandes ciclos culturais, políticos, sociais e econômicos.

Nesta perspectiva, surgem agentes culturais como atores e atrizes, bailarinos e bailarinas, cineastas, artistas de diversos segmentos que através de sua expressão e discurso, formatado a partir das relações e processos sócio culturais estabelecidos no centro do povo brasileiro trazem à tona a reflexão de que temos uma identidade e precisamos defendê-la e valorizá-la.

É indiscutível que nossos hábitos, nossos costumes, nossa relação com a natureza, nosso acolhimento, nosso calor humano e nossos ritmos contagiantes, são apreciados e lembrados em qualquer parte do mundo que se aborde o tema Cultura. Nossa gastronomia é valorizada em todos os cantos do planeta, assim como nossos(as) atletas e nossas festas populares, como o carnaval.

Com seus ritmos, batidas, harmonias e melodias, nossa música é consumida em muitos países nos diversos continentes, rompendo fronteira territoriais e fazendo morada nos gostos e corações daqueles(as) que se encontram distantes fisicamente do Brasil com suas formas, jeito e idiomas bem diferentes do que aqui se encontra. A música brasileira é capaz de despertar sentidos e acessar lugares desconhecidos, mesmo naqueles com maiores friezas emocionais e sentimentais.

E nossa música é uma obra de arte que faz ecoar a história de um povo, sua formação, sua diversidade cultural e sua autenticidade, cantada por diversos(as) cantores(as) e intérpretes que vão se tornando co-autores(as) das canções por terem a capacidade de, através de sua voz e seu canto deixarem explícita sua digital, gerando naqueles(as) que a escutam a sensação de autoria da obra. É o caso de Elis Regina em suas diversas leituras como na canção O Bêbado e o Equilibrista de Aldir Blanc e João Bosco, onde o público em diversos momentos acredita ser a música de autoria da cantora.

Elis Regina no palco I Foto: Reprodução

Nos tempos atuais podemos identificar o mesmo processo em algumas cantoras dotadas dessa capacidade como é o caso de Mônica Salmaso que, além de ser dona de uma técnica vocal impecável e um timbre inconfundível, traz em seu canto não apenas uma característica própria, mas toda a história de um povo, apontando um caminho na incansável busca por uma identidade formada a partir das misturas culturais que abrangem, desde as formas ancestrais de nossa terra à uma contemporaneidade construída a partir de nossa herança cultural.

Isso é perceptível em todas as canções que a cantora interpretou, mergulhando em seus contextos e, muitas vezes (re)significando sua simbologia, trazendo as obras para a atualidade, criando, a partir do domínio e capacidade de ler através das melodias entoadas, uma forma eficiente de comunicação com o público, gerando em todos(as) nós sensações como se tivéssemos vivido toda a criação, o ambiente e cada palavras dita através de sua arte de cantar.

Em vários momentos de sua carreira, Mônica nos traz a possibilidade de sentirmos e entendermos essa questão, como por exemplo na canção Menina Amanhã de Manhã, composta pelo Tropicalista Tom Zé em 1972 com um determinado significado, foi (re)significada em outro tempo pelo canto e interpretação da cantora.

Como explicou o próprio autor da canção em show realizado no Sesc Pompéia no dia 18 de abril de 2010:

“…Essa música Menina Amanhã de Manhã, agora, já que a música é bonitinha também, não precisa ter nenhuma referência à ditadura quase, era só a beleza que Mônica Salmaso é capaz. Então, apesar de eu cantar como Mônica Salmaso, eu vou fazer a Mônica e Jarbas vai fazer a Salmaso, vocês vão subentender o que tem aí de cuidado pra ditadura não compreender que a gente tá falando dela…”

Mônica Salmaso e Tom Zé I Foto: Arquivo/TomZé site oficial e Divulgação/Mônica Salmaso

O cuidado com a ditadura era a ginástica cultural que muitos artistas no Brasil tiveram que fazer no período em que o país vivenciou uma ditadura militar entre os anos de 1964 e 1985, para que não fossem pegos pela censura. Já a beleza de Mônica Salmaso é a referência que Tom Zé faz à bela interpretação que a cantora fez de sua canção. O que a gente não imaginava é que essa música voltaria a fazer tanto sentido, ou melhor, um sentido parecido com sua proposta inicial dita pelo autor em pleno ano de 2021.

Mônica em sua gravação, trouxe-nos um tom que nos remete ao cheiro da terra, à cultura popular e à singeleza e suavidade do despertar e da felicidade e leveza que nos faz sentir ao ouvir sua interpretação da canção que, apesar de “bonitinha” é carregada de uma asperidade e crítica social a um regime violento e opressor.

Nos dias de hoje, no pós golpe parlamentar e nas diversas ameaças e tentativas de novos golpes de Estado, com o povo brasileiro sofrendo perdas de entes queridos por uma pandemia que se alastrou e fica cada vez mais incontrolável por conta de um governo genocida, assassino e irresponsável com características autoritárias e com diversas referências à página infeliz da nossa história, Menina Amanhã de Manhã se torna sinônimo de fé e esperança quando escutada na voz de Mônica Salmaso.

O Brasil nos deu Mônica Salmaso e Mônica nos deu o Brasil com seu canto. E, com a esperança de mudança, com a beleza da música (que durante a pandemia vem sendo capaz de anestesiar um pouco o sofrimentos de muitos brasileiros) e com fé em nosso povo e em nossa democracia é que poderemos acompanhar do dia 17 até 30 de julho no youtube da cantora, sua apresentação. A cantora será acompanhada por músicos e parceiros de estrada e composta de um repertório que fez parte de sua trajetória.

É dessa forma que vamos vivendo esse momento tão trágico e infeliz da nossa história como nação, entendendo que só a partir de uma consciência, de um despertar do povo brasileiro que já se mostrou forte e unido nas lutas por uma sociedade mais justa e igualitária, é que conseguiremos seguir adiante e virar mais uma triste página. E o canto de Mônica Salmaso nos traz essa esperança, esse orgulho e a certeza de que podemos e somos capazes de reconstruir o Brasil a partir de um canto de liberdade.

Para saber mais, acompanhe a entrevista com Mônica Salmaso que vai ao ar no próximo domingo às 20 horas no canal do YouTube da Sacada Cultural BR.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor