O governo Lula pode ir mais à esquerda?
Num país polarizado e com um Congresso hostil, avançar à esquerda não é questão de vontade — é de viabilidade política.
Publicado 27/05/2025 15:00 | Editado 27/05/2025 14:20

É acalorado o debate sobre os rumos do governo Lula. Gente séria, outros nem tanto, fazem da denúncia do governo como neoliberal ou subserviente à direita, sua pauta central e sua política de engajamento nas redes. Engajamento que, aliás, nem de longe se compara àquele conseguido pelos atores da extrema direita quando criticam o mesmo governo pelo viés inverso.
Já ficou trivial informar a esses debatedores que o governo Lula 3 é uma coalizão ampla, muito bem simbolizada pelo seu vice, Geraldo Alckmin, adversário histórico das forças progressistas do Brasil nas últimas décadas, e que se dispôs a governar com Lula. Esta coalizão foi imposta pelo mais elementar bom senso e pela mínima responsabilidade na defesa da democracia e da soberania do Brasil, diante de uma extrema direita no poder, truculenta e genocida com o povo brasileiro, lesa pátria e vergonhosamente subserviente aos interesses dos EUA.
Sempre é bom salientar que o povo brasileiro elegeu Lula presidente, por uma margem apertada de votos contra a extrema direita, mas elegeu um Congresso Nacional com uma maioria avassaladora de centro direita que não tem constrangimento em dialogar com a extrema direita, e que esta maioria parlamentar também sequestrou o orçamento público. O governo não governa no sentido próprio do termo, ele mata um dragão por dia para não se deixar incinerar. As forças progressistas mais à esquerda no Congresso não têm votos sequer para evitar um impeachment do Presidente. E é neste cenário adverso que o governo Lula resiste, avança onde pode, e apresenta indicadores positivos, exibindo uma espinha dorsal de um governo de união e reconstrução, protegendo a democracia e nossas instituições republicanas, a soberania do país e os interesses da maioria do povo, os trabalhadores.
É importante neste debate também olhar para os últimos 30 anos de eleições presidenciais e perceber que os espíritos mais à esquerda programaticamente, críticos de Lula, do PT e de seus governos, sempre se apresentaram ao eleitorado. Desde Zé Maria do PSTU e Rui Costa Pimenta do PCO, passando por Heloisa Helena, Plínio de Arruda Sampaio, Luciana Genro e Guilherme Boulos do PSOL, Marina Silva no PV e na REDE, o próprio Ciro Gomes em várias oportunidades. Todas candidaturas respeitáveis e que cumpriram cada qual seu papel, como outras não citadas aqui. Contudo, o povo não abraçou e as conjunturas não abençoaram esses espíritos e suas propostas. E percebam que sequer as forças políticas destas lideranças constituíram-se como força social ou parlamentar capaz de causar inflexões relevantes na correlação de forças na política brasileira. Então, o problema não está no que se quer fazer, mas no que se pode fazer.
Sobre os argumentos do parágrafo anterior, há sempre a réplica de que Lula é quem teria as condições de ser o porta voz de uma proposta mais à esquerda, por conta de sua forte liderança junto ao povo. Mas quem acompanhou a trajetória de Lula em 89, 94, 98, 02, 06, até chegar em 22, sabe muito bem que Lula é a liderança que é porque Lula é o que é: uma liderança dos pobres, dos trabalhadores, mas que faz política conciliando interesses e buscando um resultado positivo possível para o povo. É da sua natureza. E se não fosse assim, é muito provável que talvez ele não passasse de uma duradoura liderança de oposição no Brasil, mas nunca teria governado e transformado para melhor a vida de tantos milhões de brasileiros.
Para além da análise dos fatores internos ao Brasil, é preciso também dar uma olhada no cenário internacional. Milei na Argentina, Trump nos EUA, a extrema direita na Europa e espalhada pelo ocidente, mostram que a culpa desta conjuntura não é do Lula e nem do PT, e que o Brasil está mergulhado nesta situação estrutural global de ofensiva desta extrema direita. E neste terreno, o governo Lula se localiza no quadrante do campo progressista, inequivocamente.
Apesar disso tudo, o debate é sempre bem vindo, a crítica que aponta contradições no governo deve ser entendida como parte da vivência democrática e que inclusive ajuda na lapidação dos argumentos de quem defende o governo Lula, mesmo com suas contradições, previsíveis desde sempre. Contudo, é preciso afirmar com firmeza que muitas vezes os nossos desejos e até as nossas necessidades não estão na ordem do dia da política real, e é nestes momentos que se precisa ter maturidade para atuar no campo defensivo, armar uma retranca para não deixar o adversário nos golear, não se desesperar, não ser infantil como dizia Lênin, e ter a capacidade de construir pacientemente a mudança na correlação de forças, apostando na mobilização social, na elevação da consciência de classe das maiorias sociais, aumentando a presença da esquerda nos governos locais e nos parlamentos. Sem esta compreensão, o debate pode descambar para uma mera discussão vanguardista.