O ministro da Saúde, a matemática e o coronavírus

“Os cientistas alertam que se não foram tomadas medidas de prevenção, e se a população não praticar o distanciamento social, os resultados do modelo vão se concretizar. “

O ministro da Saúde, Nelson Teich - Foto: Marcelo Casal Jr./ABr

Da entrevista do novo ministro da Saúde Nelson Teich, em 22/04/2020, houve um grave momento em que ele comentou:

“Quando você vê esses números que são colocados aí, todos eles quase sempre são modelos matemáticos que tentam prever coisas que vão acontecer. Se você pegar por exemplo o número que veio, foi uma coisa que mais assustou, do Imperial College, que falou que 1.150.000 pessoas morreriam no Brasil. Mas com algum tipo de cuidado específico, cairia pra 44.000. Isso é impossível. Não tem medida que caia de 1.150.000 pra 44.000!”

No tempo 38:51 do vídeo abaixo:

Na mídia, parece que ninguém viu ou ouviu essa negação de uma pesquisa científica. E pela ausência, parece não ter havido quem procurasse confirmar a fonte dos números do ministro. Mas na verdade, o prognóstico do Imperial College foi muito pior que o falado por Nelson Teich. Aqui, podemos ver:

“Cenário 1 – Sem medidas de mitigação (sem proteção aos idosos – sem reduzir 60% dos seus contatos – e sem restringir a apenas 40% dos contatos do restante da população):

População infectada no Brasil: 187.799.806

Mortes: 1.152.283

Indivíduos necessitando hospitalização: 6.206.514

Indivíduos necessitando UTI: 1.527.536

Cenário 2 – Com distanciamento social de toda a população:

População infectada: 122.025.818

Mortes: 627.047

Indivíduos necessitando hospitalização: 3.496.359

Indivíduos necessitando UTI: 831.381

Cenário 3 – Com distanciamento social E REFORÇO do distanciamento dos idosos:

População infectada: 120.836.850

Mortes: 529.779

Indivíduos necessitando hospitalização: 3.222.096

Indivíduos necessitando UTI: 702.497

Cenário 4 – Com supressão tardia

População infectada: 49.599.016

Mortes: 206.087

Indivíduos necessitando hospitalização: 1.182.457

Indivíduos necessitando UTI: 460.361

Demanda por hospitalização no pico da pandemia: 460.361

Demanda por leitos de UTI no pico da pandemia: 97.044

Cenário 5 – Com supressão precoce

População infectada: 11.457.197

Mortes: 44.212

Indivíduos necessitando hospitalização: 250.182

Indivíduos necessitando UTI: 57.423

Demanda por hospitalização no pico da pandemia: 72.398

Demanda por leitos de UTI no pico da pandemia: 15.432

Observações:

Os autores do estudo comentam que modelaram essas curvas com base nos padrões de dispersão dos países ricos e que nos países pobres os resultados da pandemia podem ser piores do que o previsto. Esses números previstos não levam em conta a existência de favelas, comunidades sem abastecimento de água e/ou saneamento, entre outros complicadores que temos no Brasil.”

Fonte: http://www.abennacional.org.br/site/2020/03/29/saiu-a-modelagem-

Notem que o número de mortos no Brasil, pela pesquisa, cairia de 1.152.283 para 44.212. Mas isso em circunstâncias absoluta e completamente diferentes nos cuidados e prevenções do povo brasileiro. Essa informação o ministro omitiu e assim cometeu dois crimes: mentiu em comunicação pública e desprezou com piadinha uma pesquisa séria de instituto científico: “não tem medida que caia de 1.150.000 pra 44.000!”.

O ministro deveria ter informado que somente no pior cenário, com idosos sem redução de 60% nos seus contatos e mais ausência de restrição de 40% dos contatos do restante da população, teríamos 1.152.283 mortos. E no melhor cenário, teríamos 44.212 óbitos, se houvesse – o que não houve! – uma supressão precoce, isto é, um isolamento absoluto iniciado com 0,2 mortes por 100.000 habitantes por semana, e continuado assim. Isso quer dizer, como estamos a léguas do melhor cenário, que caminhamos para mais de 600.000 mortes. Ou um milhão. Ou 2 milhões, quem sabe, pois o inferno é o limite.

Pior, esse número, 2 milhões no inferno, não é aleatório, ou fruto de frase retórica. Isso porque outra pesquisa é ainda mais contundente:

O professor José Dias do Nascimento Júnior, doutor em Astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Astrônomo associado ao Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, e o professor Wladimir Lyra, doutor da New Mexico State University, chegaram à conclusão de que 2 milhões de mortes podem acontecer no Brasil no pior cenário se medidas para conter o vírus não forem tomadas. Copio:

“O modelo dos pesquisadores quando aplicado ao estado de epidemia no Brasil mostra que cada pessoa infectada está, em média, infectando 6 pessoas. A partir dessa taxa, o número de casos dobra entre 2 e 3 dias. Lyra anuncia que “se continuar dessa maneira, sem fazermos nada, a epidemia terá seu pico daqui a 50 dias, no começo de maio, com 53% da população infectada ao mesmo tempo. Isso significa mais de 100 milhões de casos. Os hospitais não têm capacidade de lidar com esse número. E, ao final da epidemia, teríamos 2 milhões de mortos”.

O modelo apresentado pelos pesquisadores gerou dois gráficos que resultam na quantidade de mortos no Brasil nos próximos meses e evidenciam um quadro assustador para a população brasileira. Esse pior cenário representa a condição na qual as restrições sociais não são seguidas….

Os cientistas alertam que se não foram tomadas medidas de prevenção, e se a população não praticar o distanciamento social, os resultados do modelo vão se concretizar. ‘Sem tratamento ou vacina, a única forma dessa epidemia parar naturalmente é ela correr seu curso, infectando centenas de milhões e matando milhões de pessoas. O modelo prevê 2 milhões de mortos no Brasil se não fizermos nada. Para evitar isso, a população tem que parar de sair de casa, praticar distanciamento social. Apenas isso vai evitar o contágio’, argumenta Lyra” (Fonte: https://www.tecmundo.com.br/ciencia/151189-quantos-morrer-coronavirus-brasil-cientistas-respondem.htm

Isso num contexto em que o desgoverno fala em volta às atividades, quando o pico ainda não foi alcançado, poderá ser trágico. Pesquisa científica com prognósticos não é um destino divino, uma das pragas do Egito. Mas não pode ser desprezada, negligenciada, zombada por autoridades públicas. Para todo o mundo civilizado é cada vez mais claro que não crer na ciência, tentar desacreditá-la, atropelar suas conquistas, desmentir provas de desmatamento, ou ter um ministro da ciência, um astronauta, que se omite da resposta eloquente e pública ao terraplanismo, mas estimula vermicidas para a cura do coronavírus, sabemos hoje que faz parte. Faz parte das trevas no Brasil, de censura a cineastas e escritores, de perseguição à cultura, de negar a ditadura, de ter negro que defende a escravidão no poder, de embaixador nos Estados Unidos que só conhece o inglês de preparar hambúrguer. Então faz sentido.

Para que informar os cenários de uma pesquisa científica? “Isso é impossível”, falou o ministro. Falou bem, na sua negação. Do presidente ao ministério não há mistério. É tudo bolsonarismo.

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