O novo Brasil e a regionalização das ações de Ciência, Tecnologia e Inovação

Num país continental como o Brasil, fundamental é pensar a questão regional, entender como as diferentes regiões se inserem, quais os impactos das diferentes iniciativas e políticas públicas nos diferentes subespaços, valorizar vantagens competitivas e criar condições de um desenvolvimento mais harmônico

Momento bastante problemático para o país. De todos os lados reações que preocupam e tornam difícil programar um projeto novo, um perfil diferente para o país que queremos. Vencer as barreiras é algo complexo que exige tempo e muita negociação.

Críticas dos mais variados matizes, em todos os caminhos seguidos. Manter uma escorchante taxa de juros se torna uma postura “técnica” e nada política, dizem os analistas, como se os atuais dirigentes do Banco Central não tivessem posicionamento ideológico sabido por todos. Não adiantar o arcabouço fiscal fazer as bolsas de valores despencarem, mesmo antes de uma articulação com os agentes públicos que precisarão aprová-la e serão sustentáculo para sua efetiva implementação.

Pior, não tendo passado três meses, se dá uma pecha ao novo governo de ser apenas “requentador” de programas antigos e de nada de novo trazer para o país. Como se não fosse importante resgatar, principalmente na área social, tudo aquilo que o desmonte realizado fez minguar ou desaparecer. É um ponto de partida muito válido.

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Considerando improcedentes as críticas propaladas, não pretendo discuti-las ou contrapor-me. Neste artigo apenas analiso o que pode acontecer na área de ciência e inovação à qual tenho me dedicado.

Avanços podem ser notados na área de ciência, tecnologia e inovação- CTI. O reajuste das bolsas, em suas diferentes modalidades, faz jus a um processo que ora se inicia, de resgate do setor e valorização dos profissionais que a ele se dedicam ou desejam vir a se dedicar. O compromisso com a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico como principal fonte de financiamento para o setor. A discussão de gênero e de raça que se inicia, com ações efetivas já anunciadas, pretende uma inclusão mais harmônica de diferentes segmentos de nossa sociedade, com o real peso e significado que têm, neste setor estratégico para pensar o futuro do país. A inserção de novos programas na área da cooperação internacional faz com que se melhore o posicionamento do Brasil no cenário internacional.

Ressalte-se, também, o anúncio de ações concretas, embora pontuais ainda, para a inserção deste segmento na solução de problemas nacionais, o que mostra como este é o caminho para minorar gargalos estruturais em nossa sociedade. É exemplo dessas ações o programa anunciado para a área de desastres naturais que vem se desenhando.

No entanto, falta abordar área de muita importância: a questão das desigualdades regionais e a dificuldade de superá-las no setor. Nessa direção, dou apenas algumas sugestões, as quais já apresentei no período de transição para o novo governo.

Um quadro bastante preocupante, no âmbito nacional, é o que se desenhou nos últimos anos para a área. As instituições do setor foram fortemente fragilizadas, perdendo o foco num projeto de desenvolvimento nacional, os orçamentos foram minguados, fazendo com que o fomento às atividades setoriais e regionais se desestruturasse, uma profunda desarticulação das esferas estaduais e federais pode ser observada, os investimentos em inovação foram profundamente reduzidos.

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Pensando a situação econômica do país, observa-se que as taxas de juros atuais incentivam o rentismo em detrimento dos investimentos produtivos. Há uma descrença do grande capital em apostar nos novos empreendimentos inovadores e se vende a ficção de que através do empreendedorismo individual se resolve o problema, em outras palavras, dando falsas esperanças aos inúmeros desempregados e subempregados, de que esse é o caminho possível para reverter o alarmante nível de estagnação de nossa economia.

Com esse panorama, dificilmente poder-se-á inserir a população brasileira no mundo que está sendo desenhado e diminuir a exclusão e desigualdade social que tem nos caracterizados nos anos bem recentes.  Sem investimentos, sem inovação, sem crescimento, sem desenvolvimento, o quadro que pode ser previsto caso não haja modificações significativas.

Nossa inserção nas redes internacionais de pesquisa e desenvolvimento, bem como, nos processos inovativos, está bem aquém da necessidade de uma nação do nosso porte e de nossas ambições de desenvolvimento. Comparando com os países desenvolvidos e mesmo com os em via de desenvolvimento , as escalas de investimentos em programas para as tecnologias nodais da nova matriz que vem se consolidando, são bastante diminutas. Programas para áreas, por exemplo, como nanotecnologia, biotecnologia, novos materiais, cidades inteligentes, saúde, entre outros, têm que ganhar escala, tanto de investimento como de inserção nas cadeias e redes de colaboração internacionais.

Uma preocupação fundamental que faça o desenvolvimento se adequar, crie e apóie instituições de interligação da pesquisa com a iniciativa privada, é ponto chave do processo. Não só no que diz respeito ao desenvolvimento, mas também no que tange à comercialização, financiamento e engenharia consultiva. Mecanismos e entidades que abandonamos nos últimos anos.

Dentro desse contexto, num país continental como o Brasil, fundamental é pensar a questão regional, entender como as diferentes regiões se inserem, quais os impactos das diferentes iniciativas e políticas públicas nos diferentes subespaços, valorizar vantagens competitivas e criar condições de um desenvolvimento mais harmônico. Nessa direção, um planejamento setorializado apenas, sem espacializar as ações, ou seja, mapear onde ocorrerão e quais seus impactos, tende a criar assimetrias e distorções profundas nos processos de desenvolvimento.  O fundamental é construir as condições para termos capacidade tecnológica como base de um Projeto de Desenvolvimento em que os diferentes subespaços sejam partícipes, levando em consideração suas especificidades.

O pensar de um mundo em transformação, com uma revolução tecnológica em curso, traz a necessidade de articular novos mecanismos que possam dar consistência a ações em áreas novas, em arranjos institucionais novos. E, isso passa necessariamente pela articulação com os estados e municípios, por mecanismos descentralizados de apoio e consolidação de características competitivas de diferentes locais. As Fundações de Amparo à Ciência e Tecnologia, existentes em todos os estados e Distrito Federal, têm tentado dar uma contribuição nessa direção, mas fundamental é ter uma articulação nacional que garanta interação entre as iniciativas e recursos adequados para sua consolidação.

Mazzucato, em seu livro Missões Economicas[1], partindo da crise do capitalismo, da crise financeira de 2008, adensadas com as catástrofes ambientais e com a atual pandemia, tenta mostrar uma nova visão de planejamento. Aponta para uma economia orientada para missões, na qual os governos traçam objetivos e caminhos.

“Políticas sistêmicas que vão além de instrumentos indução pela política de ciência. Políticas orientadas por missões utilizam instrumentos financeiros e não financeiros para promover o cumprimento de uma missão através de esforços de diferentes setores, estabelecendo direções concretas para a economia, implantando a rede necessária entre os agentes públicos e privados relevantes”.

Relevante notar que cada região do país, cada subespaço existente, tem problemáticas específicas, nas quais a inovação e a ciência têm efetivo contributo a dar. Elencar essas problemáticas, priorizá-las com o apoio das outras instâncias federativas e definir missões específicas que possam vir a resolver, ou minorar essas distorções, deveria fazer parte do planejamento nacional. E, para o segmento de ciência e tecnologia, detalhar suas reais possibilidades de contribuir para que se alcancem os resultados esperados.

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Para estimular o processo de inovação, moldando e criando tecnologias, setores e mercados, novas relações devem ser estabelecidas entre os atores e mais confiança entre eles deve ser também instigada.  A definição de missões específicas e de mecanismos de articulação dos atores, tendo o estado papel importante na criação desse ambiente, é o caminho para o desenvolvimento alicerçado na inovação. Uma análise aprofundada dos pontos fortes e fracos de cada subsistema permite a definição objetiva de estratégias para missões específicas definidas. Permite, também, definir redes de articulação entre diferentes estados com problemáticas comuns.

A regionalização do desenvolvimento é uma missão fundamental. Não só da CTI, mas de mecanismos que recuperem o conceito de região e que permitam articular diferentes instâncias, como indústria, agricultura, legislação e mecanismos de diminuição das disparidades de renda entre regiões. A CTI é um dos instrumentos fundamentais nesse processo.


[1] Mazzucato, Mariana. Mission Economy: a moon shot guide to change capitalismo. New York, Harper Business, 2021, 272 p.

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