O pacote sindical do governo Lula

Em cerimônia no Palácio do Planalto, em 8 de maio, o Presidente Lula assinou duas medidas provisórias – uma legalizando as centrais sindicais e outra criando o Conselho Nacional de Relações do Trabalho – e anunciou o

Após o fracasso do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), um órgão tripartite que se reuniu durante dezoito meses e não conseguiu elaborar uma proposta de consenso sobre a reforma sindical, esta nova iniciativa do governo visa cumprir, em parte, os compromissos assumidos com o sindicalismo brasileiro. Tanto que a cerimônia ocorreu num clima festivo, com os representantes das centrais comemorando a vitória parcial.
A festança só não foi maior porque o governo, pressionado pelo patronato, adiou o anúncio do projeto que regulamentaria o trabalho dos comerciários aos domingos. Apesar do recuo, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, garantiu que limitará esta forma de precarização imposta por FHC, atendendo a justa demanda desta numerosa categoria. O ministro disse ainda que estuda uma forma jurídica – lei, decreto ou portaria – para que os funcionários das estatais indiquem seus representantes nos conselhos de administração das empresas – como na Petrobras e no Banco do Brasil. Por último, confirmou que o governo vai ratificar a Convenção 151 da OIT, que assegura o direito de greve e de negociação coletiva aos servidores públicos.
Efeitos da legalização
Os dirigentes de todas as centrais e até mesmo de várias confederações destacaram a legalização como a medida de maior impacto deste pacote. A iniciativa do governo Lula tem um forte simbolismo. Nunca na história do Brasil as centrais foram reconhecidas legalmente. Na fase recente, até adquiriram legitimidade política, mas careciam de respaldo legal. Atuavam como uma espécie de organização não-governamental (ONG). Nada obrigava o governo a assentá-las em instâncias como o FNT ou o patronato a aceitá-las nas negociações. “Consideramos essa medida uma vitória que se busca desde Getúlio Vargas”, reconheceu o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira, o Paulinho, um ferrenho opositor do governo.

A legalização irá reforçar o poder de negociação das centrais junto ao empresariado. Não é para menos que setores patronais já estão chiando. Em nota distribuída no mesmo dia, a Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio) criticou a iniciativa e deixou explícito que preferia interlocutores fracos. “Se as centrais sindicais tornarem-se agentes negociadores, isso dificultará os acordos coletivos, que levam em conta as necessidades e características regionais”, afirma a nota despudorada. Também a mídia burguesa esperneou, taxando o pacote de “populista”. No mesmo rumo, a chamada oposição de esquerda condenou a “medida eleitoreira do presidente Lula”, antecipou a sindicalista Lujan Miranda, dirigente do PSOL.
Pelas regras definidas na medida provisória, a central será legalizada se tiver, no mínimo, 100 sindicatos filiados, sendo ao menos um em cada região e em cinco setores econômicos diferentes. Quanto à entidade filiada, ela deverá ter mais de 10% de sindicalizados na base. Por esses critérios, bem menos restritivos do que proposto pelo FNT, cinco centrais hoje já teriam garantida sua legalização segundo o censo do IBGE: CUT (1558 filiados), Força Sindical (607), Nova Central Sindical de Trabalhadores (427), Central Geral dos Trabalhadores (146) e Social Democracia Sindical (145). Outras 12 “centrais” que postulam junto ao Ministério do Trabalho seu reconhecimento teriam um tempo de transição para conquistar novas adesões.

A legalização das centrais deverá criar uma nova realidade no sindicalismo brasileiro, mas muitas arestas ainda precisarão ser aparadas. A MP nada fala sobre seu sistema de custeio, até porque qualquer mudança neste terreno exigiria alterações na Constituição. As centrais já anunciaram que vão brigar para garantir as suas fontes de financiamento. “Ganhamos a legalidade, mas não temos um centavo”, esperneou Paulinho. “Vamos ao Congresso emendar a MP para termos sustentação financeira”, informou Felício. Cotado para ser o relator da medida provisória na Câmara Federal, o deputado Vicente Paula da Silva (PT-SP), ex-presidente da CUT, concordou com a reivindicação. “Acho certo. É assim em qualquer parte do mundo”.
A outra pendência é que a legalização não será constitucional. “O reconhecimento é um nome fantasia. O governo apenas legitimará a representatividade das centrais nos conselhos em que elas já atuam”, explica João Guilherme Vargas Neto, consultor sindical. Segundo a MP, a central será o “órgão de representação geral dos trabalhadores” terá como atribuições “representar as filiadas” e “participar das negociações em fóruns tripartites, conselhos e demais órgãos de diálogo social”. Neste sentido, a legalização ainda se dá pela metade. “Coloca em lei o que já existe na prática. Ainda não vamos existir legalmente na estrutura sindical. Mas já foi uma vitória importante”, garante Artur Henrique dos Santos, secretário-geral da CUT.

Ressalvas ao Conselho Nacional de Relações do Trabalho

Já no que se refere ao Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT), as dúvidas são maiores. Pela MP, ele será um organismo tripartite, com cinco representantes de trabalhadores, cinco de patrões e cinco do governo. A idéia é que sirva como espaço permanente de debate sobre as relações capital-trabalho e de formulação das políticas para o setor. No geral, as centrais apoiaram a proposta. “Ele é histórico para um país em que as relações se deram muito pelo conflito e pela criminalização dos movimentos sociais”, avalia Felício. Já as entidades patronais estão divididas sobre o assunto. Alguns avaliaram que o CNRT “fomentará o diálogo”, já outras, como a Fecomércio, criticaram a “ingerência na organização sindical”.

Pouco antes do anúncio, as centrais ainda conseguiram retirar um capítulo perigoso da medida provisória. Segundo o texto original, seria da competência do CNRT propor e subsidiar a elaboração de projetos não apenas sobre relações de trabalho e organização sindical, mas também de legislação trabalhista. Temendo que isto abrisse brecha para a flexibilização, as centrais pressionaram e o governo refez a redação. Mesmo assim, persistem lacunas. O artigo 2o, por exemplo, diz que o conselho terá como finalidade “promover o entendimento entre trabalhadores, empregadores e governo federal com vistas a construir consensos sobre temas relativos às relações do trabalho”, o que pode dar margem à dupla interpretação.
Além disso, o organismo tripartite poderá recomendar ao sindicato que o seu estatuto contenha “critérios democráticos no estabelecimento de cláusulas sobre os seguintes temas: a) direitos e deveres dos filiados e dos membros de direção; b) estrutura organizativa e suas finalidades; c) composição da direção e suas atribuições; d) período dos mandatos dos membros da direção; e) penalidades e perda dos mandatos; f) requisitos para votar e ser votado; g) conselho fiscal e prestação de contas; h) remuneração dos membros da direção; i) processo eleitoral; e j) dissolução da entidade”. O estranho é que os empresários, que terão assento neste órgão, opinem sobre as formas de funcionamento das entidades dos trabalhadores.
Em função destas lacunas, a Corrente Sindical Classista (CSC), a uma segunda maior força no interior da CUT, apresentou ressalvas à proposta. “Os classistas consideram que será preciso ampliar (de cinco para sete) o número de representantes dos trabalhadores, de forma a incluir pelo menos um dirigente indicado pelas confederações. Também propõem transferir algumas atribuições do conselho para as câmaras bipartites”, excluindo o patronato no que se diz respeito às questões de interesse dos trabalhadores. Com este objetivo, a CSC já anunciou que tentará viabilizar emendas parlamentares no sentido de aperfeiçoar o CNRT. No conjunto, entretanto, a CSC manifestou seu apoio à iniciativa do governo.   

Cooperativas de trabalho

Já na parte trabalhista do pacote anunciado pelo governo, o projeto de regulamentação do funcionamento das cooperativas do trabalho foi saudado pelas centrais e, como era de se esperar, rejeitado pelos patrões. Segundo estudos recentes, já são mais de 6 milhões de brasileiros explorados nas chamadas coopergatos, com rendimentos miseráveis e sem qualquer direito trabalhista. O objetivo do projeto de lei é evitar que as falsas cooperativas contratem trabalhadores sem direitos e, ao mesmo tempo, incentivar aquelas formadas legitimamente por setores excluídos, como dos catadores de lixo. Neste sentido, será criado um programa nacional de financiamento às cooperativas com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Como o próprio presidente Lula confessou durante o seminário da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ocorrido no Rio de Janeiro, seu governo ficou aquém das expectativas no que se refere aos avanços na área sindical e trabalhista. Após o mea-culpa, ele enfatizou que precisaria de mais tempo para “corrigir as mazelas do passado”, resultantes da estagnação econômica e das políticas aplicadas pelo governo FHC. “Recuperar esse tempo perdido leva mais do que um mandato de presidente. Uma coisa em política que eu odeio é dar um passo grande, ter uma distensão e não conseguir dar o segundo passo”, tentou justificar. Para ele, o novo pacote visaria exatamente superar o atraso. É um passo inicial, mas altamente positivo!

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