O parlamentarismo fake não apaga a luta do povo

Não é de parlamentarismo fake, mas de luta, que o povo precisa para se salvar de Bolsonaro e sua agenda neoliberal

O ano de 2019 deixa algum legado positivo? Sem dúvida, malgrado a predominância de acontecimentos nefastos na vida nacional.

Mas é necessário questionar se as pequenas conquistas alcançadas, a rejeição a algumas propostas do governo correspondem aos manejos de setores políticos das classes dominantes que se vendem como democráticos e defensores do Estado de direito, ou às lutas do povo brasileiro pela democracia, direitos sociais e soberania nacional.

Os louros da resistência pertencem ao povo, num quadro de enormes restrições à atividade de suas organizações políticas e sociais.

Apesar de profundamente golpeadas pelas medidas antidemocráticas do governo Bolsonaro, entre elas a tentativa de estrangulamento financeiro, as entidades dos movimentos sociais comandaram a resistência e saíram às ruas em luta contra a reforma da Previdência, a liquidação dos direitos laborais, em defesa da educação, da saúde, da cultura e dos direitos democráticos.

Principalmente durante o primeiro semestre foram intensas as lutas sindicais e estudantis nas ruas.

A libertação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a mais importante vitória democrática deste ano, fruto da luta nacional e internacional. Aqui confluíram visões políticas amplas, coordenação de ações com forças políticas as mais diversas de dentro e fora do país, a batalha de ideias e a defesa no plano jurídico. A campanha Lula Livre é uma experiência virtuosa e já está incorporada ao acervo de lutas e conquistas do povo brasileiro.

Muito embora Lula esteja ainda com seus direitos políticos cassados e permanentemente ameaçado por processos e investigações viciados, ele é um fator de impulsão às lutas populares e exerce positiva influência na cena política nacional. Sua ação dirigente pode impor novo rumo e ritmo às lutas e ao empenho das forças progressistas e de esquerda para forjar a ampla aliança – baseada na unidade popular dessas forças -, indispensável para constituir um bloco capaz de promover mudanças reais e não de fachada na situação do país.

Mas nesta época de balanço cada setor político procura valorizar a sua atividade em busca de protagonismo político.  “A coragem dos líderes no Parlamento, que tomaram a frente da resistência a um processo fadado a destruir pontes de diálogo historicamente construídas por organizações e entidades da sociedade civil, tem de ser enxergada como legado positivo de 2019”, escreveu na semana passada o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deputado do partido direitista DEM.

O chefe da casa legislativa pretende ainda que sob seu comando o parlamento, de maioria conservadora, desempenhou “papel de moderador do ativismo legal de um governo que nem sempre escutou de forma ampla as diferentes vozes da sociedade num Brasil que é mosaico de culturas, de religiões, de credos, de etnias e de gêneros”.

O deputado do DEM e seus seguidores nos partidos de direita e centro-direita atuaram ao longo de 2019 numa perspectiva de “parlamentarismo informal”, no qual ele seria na prática o primeiro-ministro. Nesse sentido, explora com maestria suas qualidades de político afeito ao diálogo, que soube construir sólidas pontes com o governo de extrema-direita e consegue percorrer alguns atalhos que o levam a se relacionar com setores progressistas.

Não se pode negar a utilidade da luta que a oposição democrática e popular levou a efeito durante o ano que finda no âmbito do Parlamento, por meio dos partidos de esquerda. Mostrou-se correta a conduta tática de explorar as contradições entre os partidos da oposição conservadora e o governo Bolsonaro, derrotando-o em vários episódios em que parecia incontível a sua fúria fascistizante.

Mas é um exagero imaginar que o país esteja vivendo sob um “parlamentarismo” informal e uma vã ilusão depositar no suposto primeiro-ministro as esperanças de que sob sua liderança, como presidente da Câmara ou em outros postos, as franjas das classes dominantes que fazem oposição formal a Bolsonaro vão reconduzir o Brasil à democracia.

A oposição conservadora a Bolsonaro é sua aliada na imposição de uma agenda socioeconômica antipopular, antioperária e  antinacional. Os partidos de centro e centro direita que se apresentam como defensores do Estado democrático de direito são os principais responsáveis no Congresso Nacional pela aplicação desse programa retrógrado.

Além disso, invocar um parlamentarismo fake, como saída formal ou informal para superar as crises provocadas pelo golpe de 2016, que tiveram estes mesmos partidos à frente, e pelo governo de Bolsonaro, tem o mesmo efeito de receitar mezinha a um doente terminal.

Não é de parlamentarismo fake, mas de luta, que o povo precisa para se salvar de Bolsonaro e sua agenda neoliberal.  O sistema político brasileiro, superado historicamente, tornou-se uma especie de trambolho, não serve mais como instrumento para operar mudanças de fundo e encontrar saídas eficazes e duradouras para a encruzilhada histórica do Brasil. A constatação disso é o primeiro passo para abrir um debate estratégico entre as forças progressistas, do qual resulte uma linha política transformadora.

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