O Partido Comunista do Brasil em 1979

O ano de 1979 foi decisivo para afirmação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) como a força de esquerda marxista-leninista mais importante do país. Algumas decisões políticas, tomadas naquele período crítico da história brasileira, ajudaram a relançar o

 


 


 


 


Renascido das cinzas


 


 


 


Em dezembro de 1976 os órgãos de segurança da ditadura militar descobriram e atacaram uma reunião do Comitê Central do PCdoB. Três dirigentes nacionais foram assassinados (Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond) e quatro foram presos e barbaramente torturados. Eram eles Haroldo Lima, Aldo Arantes, Elza Monnerat e Wladimir Pomar. Desde então, iniciou-se um difícil e complexo processo reorganização partidária.


 


 



João Amazonas, Diógenes Arruda, Dynéas Aguiar e Renato Rabelo, que estavam no exílio, iniciaram tentativas de retomar contatos com os militantes que haviam escapado da caçada empreendida pelas forças de repressão e atuavam clandestinamente no interior do país. Graças a esse esforço, foram sendo criadas as condições para a realização de uma conferência nacional cujo objetivo era reorganizar o partido e melhor posicioná-lo diante da nova situação política que se abria com o início da crise do regime militar.


 


 


Desgastado e sob forte pressão popular, a ditadura estava sendo obrigada a se liberalizar, ainda que lentamente. No final de seu mandato, o general-presidente Ernesto Geisel teve que acabar com a censura prévia e revogar o AI-5. Em 15 de março de 1979 tomou posse na presidência outro general: João Batista Figueiredo. Este prometeu continuar o processo de “abertura lenta, gradual e segura” iniciado por seu antecessor. Para eles esta “abertura” deveria ter como resultado a implantação de uma democracia restrita, sem nenhuma possibilidade de participação popular. As coisas, no entanto, não sairiam como tinham planejado.


 


 


No início de 1978 os dirigentes comunistas que estavam no exílio convocaram uma conferência nacional. A sétima na história do Partido. Ela realizou-se em duas partes. A primeira ocorreu no final daquele mesmo ano e a segunda em junho do ano seguinte. Os delegados tiveram que se reunir na pequena Albânia socialista. A anistia ainda não havia sido aprovada e haveria sérios riscos para seus participantes se o encontro ocorresse em território brasileiro.


 


 


A sua realização foi, sem dúvida, uma grande vitória política do PCdoB. O governo militar já havia anunciado solenemente o seu desaparecimento. Na prisão Haroldo Lima ouviu de um de seus algozes: “Comunico-lhe que o seu PCdoB acabou”. Um jornal, ecoando a opinião do regime discricionário, estampou: “O PCdoB foi destruído”. Mas, como a Fênix da mitologia, o partido teimava em renascer das cinzas.


 


 


A 7ª Conferência Nacional


 


 


Logo no início dos trabalhos, os delegados prestaram uma homenagem aos que tombaram na luta contra ditadura. Entre eles se destacou a figura de Maurício Grabóis, veterano dirigente comunista e principal comandante da heróica Guerrilha do Araguaia. Ele havia sido morto num confronto com o Exército no natal de 1973.


 


A Conferência fez uma análise da situação brasileira. Nela constatou-se que o país havia crescido, mas “não conforme os verdadeiros objetivos do seu progresso nacional, da sua independência, do bem-estar do povo, mas como um simples prolongamento dos interesses imperialistas, com a intensificação do saque das riquezas naturais e com a feroz exploração dos trabalhadores”. Este tipo de crescimento distorcido havia redundado “num brutal endividamento da nação” e “numa crescente dependência do país ao capital financeiro imperialista”. Por outro lado, positivamente, a expansão industrial contribuiu para formação de uma numerosa e poderosa classe operária industrial. Fortaleceu-se, assim, o papel do proletariado como “elemento impulsionador do progresso social” e da própria oposição popular à ditadura.


 


 


O centro da tática aprovada era a luta pela “conquista da mais completa liberdade política” e isto passava, necessariamente, pela derrubada do regime militar. As palavras de ordem mais adequadas para aquele momento deveriam ser: 1ª) Constituinte livremente eleita, convocada por um governo democrático e provisório; 2ª) abolição total e imediata de todos os atos e leis arbitrárias; 3ª) anistia ampla, geral e irrestrita.


 


 


O alvo principal da ação das forças democráticas e patrióticas deveria ser “o governo de Figueiredo e o regime militar, com vista ao seu completo isolamento e derrota”. Propugnava a união das “mais amplas forças políticas e sociais em torno das bandeiras democráticas e populares”. Contudo, dentro desta ampla frente anti-ditatorial era preciso fortalecer a oposição popular, transformando-a no seu “núcleo mais ativo”, desmascarar as manobras continuístas do governo Figueiredo e as tentativas de conciliação promovidas por setores da oposição liberal e pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).


 


 


A resolução reafirmou idéia leninista de que a tática deveria estar “ligada aos fins estratégicos” e que “a conquista da completa liberdade não era o fim em si mesmo. Correspondia a uma fase necessária do processo político em curso e deveria servir ao avanço das lutas libertadoras”. Por esse motivo, destacava a palavra de ordem de propaganda, “criação de um novo regime de democracia popular (…) em marcha para o socialismo”. Este seria o único tipo de poder “capaz de resolver os graves problemas que o país enfrentava”. 


 


 


A Conferência fez também um exame inicial da experiência da Guerrilha do Araguaia. O texto-base para discussão foi o artigo “Gloriosa Jornada de Luta” que havia sido escrito por Ângelo Arroyo. O debate concluiu que “a resistência armada do Araguaia, que durou quase três anos e enfrentou numerosos contingentes das Forças Armadas da reação, converteu-se num patrimônio comum a luta do povo brasileiro, mostrando as possibilidades existentes de mobilização e atuação revolucionária no campo”. Rechaçou as teses que afirmavam que aquela experiência guerrilheira teria sido o resultado de desvios foquistas e blanquistas, pois havia, supostamente, menosprezado o papel das massas populares no processo revolucionário.


 


 


No entanto, era nítida a mudança de rumo da política comunista. Ela deixava de ver no campo o cenário principal onde se dariam os embates contra a ditadura, como havia advogado em documentos anteriores. Constatou que: “as transformações operadas no Brasil nestes últimos anos só faziam ressaltar ainda mais a significação das grandes concentrações urbanas como núcleo combativo do movimento de massa e de ação revolucionária”, pois era ali que “se concentravam os grandes contingentes da classe operária”. Uma classe que ascendia ao primeiro plano na cena política nacional desde 1978.


 


 



Consequentemente, reforçou-se a necessidade de aumentar o número de militantes entre o proletariado urbano. “Impõe-se, dizia a resolução aprovada, recrutar os melhores filhos da classe operária e do povo (…). O Partido assegura sua condição de partido proletário não só pela sua ideologia marxista-leninista e sua política revolucionária conseqüente, mas também por sua composição operária”. Num artigo publicado em “A Classe Operária” de fevereiro/março de 1979 já se afirmava: “A situação exige, portanto, que o Partido Comunista do Brasil multiplique o trabalho dentro de sua classe, em especial no segmento que se destacou na luta (…). O recrutamento de novos militantes nas fábricas tem prioridade número um”.


 


 


Outro debate que se deu no interior do Partido no período da 7ª Conferência foi quanto ao grau de clandestinidade que deveria adotar naquele momento. João Amazonas e a maioria do Comitê Central acreditavam que o regime militar estava em crise e poderia entrar num processo de rápida desagregação. Por isso, era preciso iniciar um trabalho mais ousado de propaganda e de recrutamento de novos militantes. Um artigo de A Classe Operária dizia: “Não há porque ser defensivo no recrutamento”.


 


 


Contudo, alguns dirigentes acreditavam que a ditadura não estava se debilitando e continuava bastante forte. A saída seria o Partido continuar se “fingindo de morto” e não procurar realizar nenhuma ação que pudesse atrair atenção do regime militar sobre ele. Qualquer atuação mais ostensiva era vista como algo temerário que deveria ser evitado. O “fingir-se de morto” tinha sido uma diretiva correta dada depois da “queda” da comissão de organização e os assassinatos de inúmeros dirigentes comunistas entre 1972 e 1973. Na ocasião morreram Lincoln Oest, Carlos Danielli entre outros.


 


 


A proposta de João Amazonas foi a que prevaleceu. O surgimento do jornal de massas “Tribuna da Luta Operária” em outubro de 1979, a ampliação na circulação de “A Classe Operária” e o recrutamento de milhares de novos militantes, especialmente operários e estudantes, foram os resultados dessa atitude mais ousada. Tal decisão foi uma das grandes responsáveis pela ampliação da influência política do PCdoB naquele período crítico da vida brasileira.


 


 


A alternativa de “fazer-se de morto”, quando o movimento democrático e popular estava numa fase de rápida ascensão, teria retardado em muito – ou até impossibilitado – o crescimento do PCdoB.


 


 


 


O PCdoB e as lutas operárias


 


 


Em maio de 1978 um novo ator voltou em cena: a classe operária. Tudo começou quando os operários da Saab-Scania em São Bernardo do Campo (SP) bateram o ponto e se mantiveram paralisados ao lado das máquinas. Nos dias seguintes milhares trabalhadores de várias regiões seguiram o seu exemplo.


 


 


Não somente através de greves o povo mostrou o seu descontentamento. Em agosto daquele ano o Movimento Contra a Carestia (MCC) coletou 1,3 milhões de assinaturas e realizou uma grande manifestação na Praça da Sé, que foi duramente reprimida. O PCdoB e setores de esquerda católica tiveram uma participação ativa na organização daquele movimento de resistência popular. Destaque especial merece a atuação da comunista Ana Martins.


 


Um dos resultados daquelas lutas de massas foi a eleição do operário metalúrgico Aurélio Peres para a Câmara Federal. Ele foi o primeiro deputado eleito pelo PCdoB desde a reorganização em 1962. Um fato pouco destacado pela historiografia e que demonstra a relativa força desse partido nos meios operários paulistas. Uma história que mereceria ser contada.


 


Poucos meses depois, em março de 1979, iniciou uma grande greve dos metalúrgicos do ABC paulista, dirigida por Lula. A polícia reprimiu duramente os piquetes e prendeu centenas de trabalhadores. Depois de nove dias de paralisação, o sindicato sofreu intervenção federal. Isto não intimidou os operários e a greve acabou sendo parcialmente vitoriosa. No ano seguinte ocorreu outra greve. Após uma semana, ela foi decretada ilegal e o sindicato sofreu nova intervenção. Lula foi preso e processado na Lei de Segurança Nacional. Somente depois de 41 dias os operários decidiram voltar ao trabalho.


 


 


O PCdoB deu todo o apoio às greves e avaliou que cumpriram um papel fundamental na organização e conscientização do trabalhadores e, principalmente, no  isolamento da ditadura. Ele – ao lado da esquerda católica – colaborou na montagem de um amplo movimento de solidariedade, através de coletas de fundos e alimentos para as famílias dos grevistas. 


 


 


A partir dessas grandes mobilizações ocorreram importantes modificações na correlação de forças no interior do movimento sindical e operário brasileiro. A primeira conseqüência foi a rápida perda de influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Isto se deu graças às suas posições vacilantes diante das inúmeras greves que se expandiam e se radicalizavam.


 


 


A greve dos metalúrgicos da cidade de São Paulo, ocorrida em 1979, foi uma espécie de divisor de águas na esquerda brasileira. Diante da omissão da diretoria do sindicato, a oposição acabou assumindo a direção do movimento grevista. O assassinato do líder operário Santo Dias fez com que a greve se ampliasse para outras empresas. O PCdoB não só apoiou, mas integrou o comando da paralisação. Ao final, mesmo sem vitórias econômicas, fez um balanço positivo daquele acontecimento.
Por outro lado, dirigentes sindicais do PCB e MR-8 lançaram um manifesto contra os líderes grevistas da oposição, intitulado “Chega de Aventura!”. Este documento foi reproduzido pela diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos e distribuído amplamente na categoria. A direção do PCB também criticou duramente a radicalização ocorrida durante a greve dos metalúrgicos do ABC em 1980. Fatos como esses aumentaram o clima de animosidade entre esse partido e as novas lideranças operárias que se projetavam no cenário sindical. O principal beneficiado por essa onda de contestação operária foi o Partido dos Trabalhadores, recém-criado.


 


 


A volta do exilados e da UNE


 


 


 


Depois de anos de luta democrática, a lei de anistia foi aprovada em agosto de 1979. O PCdoB  rejeitou o seu caráter parcial e, principalmente, o fato de que ela “anistiava” também os torturadores e assassinos incrustados no regime. Mas, mesmo assim, não deixava de ser uma conquista do povo brasileiro.


 


 


Nos dias que se seguiram, os últimos presos políticos começaram a ser libertados. Entre eles se encontravam dezenas de militantes do PCdoB. Os dirigentes clandestinos também começaram a aparecer com suas verdadeiras identidades. Em 24 de novembro, João Amazonas desembarcou no Aeroporto do Galeão (RJ) e no dia seguinte uma multidão se concentrou em Congonhas (SP) para recebê-lo. Entre as centenas de pessoas presentes estava Diógenes Arruda, que havia chegado ao país poucos dias antes.


 


 


A alegria do reencontro logo se transformou em tragédia.  O coração, maltratado pelas torturas e o exílio, não resistiu à tamanha emoção. Arruda morreu subitamente quando se dirigia ao lado do velho amigo para um ato público em homenagem à volta dos exilados. Os comunistas brasileiros perdiam, assim, um dos seus dirigentes mais importantes. O enterro acabou sendo a primeira manifestação pública realizada pelo PCdoB ainda clandestino. O seu caixão foi coberto com uma bandeira vermelha estampada com a foice e o martelo.


 


 


A luta estudantil, também, adquiriu um novo patamar naquele ano. Em maio foi realizado o Congresso de Reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE) na cidade de Salvador. Os delegados elegeram uma comissão provisória com a missão de encaminhar a primeira eleição direta para a diretoria da entidade. A chapa Mutirão, encabeçada por Rui César, saiu vencedora. Essa foi apenas a primeira de uma série de vitórias do PCdoB no movimento estudantil. 


 


 


 


Frente Democrática e popular contra o regime


 


 


 


Em meio à crise política e econômica em que vivia o regime, o sistema bipartidário se tornara algo extremamente perigoso para ele. Era necessário pulverizar a oposição numa miríade de pequenos partidos que não pudessem ameaçar o partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).


 


 


O general Figueiredo, então, enviou seu projeto de reforma partidária ao Congresso. Aparentemente era um ato de democratização, visto que agora poderiam surgir novos partidos, inclusive de esquerda. A única proibição era quanto à reorganização dos partidos comunistas: o PCdoB e o PCB. 


 


 


Rapidamente o partido governista, mudou seu nome para Partido Democrático e Social (PDS), que tinha pouco de democrático e menos ainda de social. A direção do MDB deu uma passa moleque no governo e, apenas, acrescentou o termo Partido à frente do nome do já prestigiado Movimento Democrático Brasileiro, formando o PMDB. Neste período surgiram ainda o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Popular (PP). Desse modo, o governo conseguiu realizar parcialmente seu objetivo. A oposição estava dividida e existia agora um campo maior de manobra política.


 


 


O PCdoB denunciou a reforma partidária como sendo uma jogada do regime visando se perpetuar no poder. Um editorial da Tribuna Operária intitulado “Por uma unidade avançada”, afirmava: “O plano de Figueiredo é isolar os setores populares num partidinho ‘radical’, raquítico e inofensivo. Ele joga com a divisão dos democratas (…) Um partido de unidade das forças populares e de todos os democratas dispostos a por fim a ditadura não será um partido pequeno. Será tão grande como a insatisfação do povo”.


 


 


No entanto, a maioria das personalidades democráticas e nacionalistas e organizações de esquerda, como o PCB e o MR-8, decidiram permanecer no PMDB. Diante do novo quadro partidário que se formou, o PCdoB ainda ilegal optou também por se manter naquele partido. Mas, ao contrário dos outras organizações internas, procurou fortalecer a esquerda peemedebista que se organizava na chamada Tendência Popular.  
O Partido continuou defendendo a formação de uma ampla frente oposicionista. Mas essa frente não deveria ser formada apenas em torno dos partidos de oposição e sim congregar as entidades democráticas e populares. Afirmava o jornal “A Classe Operária”: “Hoje, fundamentalmente, a frente-única deve ser buscada na unificação dos movimentos de oposição popular, na unidade de amplas forças em luta contra o sistema dominante, forças empenhadas na ação concreta das massas. Entre elas se encontram em primeiro lugar a classe operária (…), o movimento contra a carestia, o movimento em prol da anistia, as organizações estudantis, com a UNE à frente, as associações de bairro, as entidades femininas, os movimentos camponeses de luta pela terra”.


 


 


Bibliografia:


 


 


Coleção A Classe Operária – 1979 e 1980


 


 


Coleção Tribuna da Luta Operária – 1979 e 1980


 


 


Lima, Haroldo – Itinerário de lutas do Partido Comunista do Brasil (de 1922 a 1984), Editora Maria Quitéria, BA., 1985.


 


 


PCdoB – Informe Político da VII Conferência (1979)


 


 


Skidmore, Thomas – Brasil: De Castelo a Tancredo, ed. Paz e Terra, S.P.,, 1994.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor